Após a sabotagem contra Bernie Sanders pelo seu próprio partido, todo um setor da esquerda teve que, a contra gosto, apoiar Joe Biden. Biden é um político com “pedigree“, foi senador por Delaware por 28 anos consecutivos e vice-presidente dos Estados Unidos nos dois mandatos de Obama. É um típico representante do lado forte do imperialismo norte-americano.
Uma engenhosa manobra eleitoral
A campanha para tornar Biden palatável para a esquerda é a típica propaganda tradicional da burguesia quando esta é bem sucedida em sabotar a direita: não é a melhor opção da maioria, mas é o que temos.
Nem sempre essa manobra é vitoriosa. No Brasil, a burguesia pensou em tentar fazer o mesmo com Alckmin caso esse chegasse ao segundo turno em 2018. Sabotando Lula e todo o PT, e atacando Bolsonaro à direita no primeiro turno, a burguesia esperava um segundo turno entre Bolsonaro e Alckmin, e usando desse artifício esperava eleger o tucano. O problema é que para tal precisava garantir que o candidato escolhido chegasse ao segundo turno.
Nos EUA essa prática é mais fácil, os dois partidos em disputa sempre foram o Partido Democrata e o Partido Republicano, basta então sabotar as eleições internamente, como fizeram com Sanders, e assim cortam as asinhas da esquerda fazendo-a apoiar um candidato direitista e legitimar um processo eleitoral completamente fraudulento.
Claro que não é tão fácil fazer uma população que está na rua há meses queimando delegacias de polícias, fazendo grandes manifestações, ostentando um arsenal carregado, apoiar um direitista qualquer. Para isso os experientes propagandistas da burguesia acharam uma solução: passar um dose dupla de verniz esquerdista. O verniz nesse caso é a vice de Biden, Kamala Harris, mulher e negra.
Kamala é o segredo para dourar a pílula para alguns setores esquerdas, é a tentativa de amenizar as denúncias feitas à imagem de Biden, acusado de estupro por ex-assessoras do candidato.
Mas o partido democrata não escolheu qualquer pessoa para fazer esse papel. Kamala, quando procuradora-geral do Estado, foi responsável por um altíssimo nível de encarceramento de negros. Isso deveria ser o suficiente para indispor os identitários, que se dizem grandes defensores das minorias oprimidas. Porém a tática tem dado certo, os mesmo pitbulls que promovem linchamento nas redes sociais contra artistas que teriam meras acusações de cometerem algum crime ou injúria a alguma minoria oprimida agora estão calmos e, por incrível que pareça, atacam quem tenta levantar acusações contra Biden lembrando que o mesmo não tem uma, mas várias acusações e que não se trata de um mero artista, mas de um político consagrado e candidato à presidência.
Tal comportamento é a prova de que a classe média liberal, principal meio onde propaga-se a política identitária, é a base social de apoio para o imperialismo e que a política identitária não passa de uma farsa total, uma prática moralista.
Resumidamente, há dois flancos para encurralar a esquerda e obrigá-la a apoiar Biden: convencê-la de que trata-se do mal menor face a Trump, e propagandear um Biden com fragrâncias esquerdistas.
A via esquerda
A esquerda norte-americana tem uma tarefa urgente: contra as manobras eleitorais da burguesia, construir seu próprio partido. Ficou claro que o Partido Democrata corta qualquer galho que nasça do lado esquerdo para oferecer sombra apenas no lado direito, portanto é urgente a tarefa de construir um partido de esquerda, operário e independente.
O movimento operário e a esquerda devem imediatamente começar um ambicioso projeto de construção partidária. Os partidos de esquerda já existentes acabam sempre, com raríssimas exceções, apoiando um ou outro candidato no final de contas e caindo na manobra eleitoral, porém é um jogo que a burguesia poderá jogar ad infinitum se não houver uma alternativa de esquerda no horizonte.
A ala esquerda do Partido Democrata, ligada aos trabalhadores, movimentos sociais e à juventude, deve romper com o partido e formar parte na campanha de boicote aos dois partidos.
A mesma polarização política que favoreceu Trump e enfraqueceu os candidatos tradicionais da burguesia favoreceria a esquerda caso houvesse uma verdadeira alternativa, e isso ficou claro com o caso de Sanders. Não fosse a sabotagem interna e sua vergonhosa capitulação, ele seria o concorrente de Trump. Não porque seja um revolucionário, muito longe disso, mas porque a polarização o fez ganhar forte apoio das bases populares.
Por isso é preciso uma campanha para a construção de um partido de esquerda nos Estados Unidos, um partido com autênticas raízes na poderosa classe operária norte-americana, baseado em uma política proletária e popular, com fortes ligações com os movimentos sociais e a juventude. Um partido totalmente independente da burguesia. Essa é a única solução para a esquerda, e não ficar à reboque de candidaturas direitistas e burguesas do Partido Democrata.