No célebre início de sua obra Programa de Transição, o revolucionário Leon Trótski afirma que a crise da humanidade reside na crise histórica da direção do proletariado. Quando analisada de perto, pode-se verificar que tal afirmação é verdadeira em todos os aspectos: político, teórico e, como não poderia deixar de ser, ideológico.
As últimas décadas foram marcadas por grandes capitulações da esquerda pequeno-burguesa e das direções pequeno-burguesas de organizações de massa. Desde as iniciativas frente-populistas na França e na Espanha, passando pelos sucessivos acordos com a burguesia durante a derrubada do regime militar e culminando na desistência da candidatura do ex-presidente Lula nas eleições de 2018, a incapacidade da esquerda pequeno-burguesa de conduzir o movimento popular e operário ficou latente.
Esse mesmo período, no entanto, permitiu que todo um movimento de adaptação da esquerda pequeno-burguesa ao domínio imperialista fosse consolidado. Cada vez mais, as reivindicações históricas da classe operária foram sendo deixadas de lado, a luta pela derrubada da ordem vigente foi se transformando em uma luta pela humanização do capitalismo e a ideologia da esquerda se tornou uma colcha de retalhos profundamente conservadora.
Essa adaptação ideológica da esquerda pequeno-burguesa pode ser verificada em inúmeras questões. A ideologia pacifista, tipicamente pró-imperialista, tem sido utilizada para justificar todo o tipo de barbárie, até mesmo o desarmamento da população — política essa que em nada se assemelha à política daqueles que organizaram a Revolução Russa de 1917. Da mesma maneira, a chamada ecologia passou a ocupar primeiro plano nas prioridades de diversas organizações da esquerda, que, de maneira puramente demagógica, tem se colocado ao lado dos países imperialistas em sua luta pela submissão dos países atrasados.
Nas últimas semanas, a esquerda pequeno-burguesa tem fornecido diversos exemplos de sua política de adaptação à ideologia do imperialismo. No carnaval, a campanha de censura promovida pela direita, segundo a qual a liberdade de expressão deveria ter “limite” com base no respeito às “minorias”, tem sido ecoada pela esquerda pequeno-burguesa sem qualquer pudor. Em nome dos LGBTs, dos negros, dos índios e das mulheres, esquerda pequeno-burguesa e imperialismo estão promovendo uma ofensiva para calar todos os que sejam de seu interesse. Enquanto isso, os verdadeiros racistas, aqueles que de fato atacam diuturnamente mulheres e LGBTs, a extrema-direita ruralista e toda a escória fascista da burguesia brasileira permanecem impunes e comemoram, da varanda de seus apartamentos, a destruição sistemática da maior festa popular do país.
Outro episódio de lamentável colaboração entre o imperialismo e a esquerda pequeno-burguesa se deu entre as greves dos policiais. Os ataques da esquerdo pequeno-burguesa à greve foram exatamente os mesmos que os ataques feitos por órgãos da imprensa burguesa — como a Folha de S. Paulo —, caracterizando o movimento como um “motim” e criticando o fato de que os policiais estavam fechando o comércio. É necessário denunciar, sim, o caráter fascista das mobilizações dos policias; contudo, para isso, é preciso defender a dissolução da Polícia Militar, e não disparar ataques que, no fundo, são ataques contra o movimento grevista da classe operária. Se os operários decidem se impor à população em sua luta contra os patrões, a esquerda deveria apoiar, e não criticar moralmente o movimento.
No fim das contas, a esquerda pequeno-burguesa, ao ter essa postura alinhada ao imperialismo, acaba atacando o povo, e não seus algozes. E ataca sob um ponto de vista moral, não um ponto de vista classista: ataca porque o povo não se comporta da forma ordeira como a pequeno-burguesia gostaria. Ao adotar esse tipo de política, no entanto, a esquerda pequeno-burguesa só conseguirá se distanciar ainda mais das massas.