Artigo publicado no sítio Sul 21 (21/08) pelo jornalista e sociólogo Marcos Rolim, sob o título “Mundos paralelos”, dá a entender à necessidade de uma censura na internet, pois “as novas tecnologias” permitem a criação de um “mundo paralelo” com falsas informações “que não podem ser contestadas, porque anônimas e não-públicas”, o que não ocorre com a imprensa monopolista burguesa, que não pode ignorar os fatos, portanto mesmo “manipulando e fragmentando as informações” é possível estabelecer uma “conexão” e com isso estabelecer uma “crítica”. Quer dizer, o compromisso com uma verdade, mesmo que parcial, existe por parte dos grandes meios de comunicação, porque o mercado capitalista seria uma espécie de regulador da imprensa. Caso minta, distorça informações, perde público e diminui o lucro e pode até falir.
A fim de dar sustentação aos seus argumentos contra a internet, Rolim utiliza as postagens falsas de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil. Por mais que sejam mentirosas, são aceitas como verdadeiras por um público que vive “mergulhados em uma bolha de significados radicalmente falsos”. Daí depreende-se à necessidade da censura para evitar que a mentira transforme-se em verdade nesse “mundo paralelo”, uma nova realidade diante do avanço da tecnologia.
Rolim compara a situação de hoje com as redes sociais e suas “verdades” e o período em que a informação circulava pelas tvs, rádios, revistas e jornais. Segundo o jornalista, “A indisposição com os meios tradicionais de comunicação, alimentada pela denúncia da tendenciosidade dos noticiários, impediu que a maioria dos críticos percebesse que as novas tecnologias traziam ameaças muito mais graves, entre elas a desconstituição da esfera pública e a submissão da cidadania à pós-verdade”.
Quer dizer, diante do repúdio à parcialidade da grande imprensa, os críticos não enxergaram o “monstro” muito mais poderoso de manipulação representado pela internet, pelas redes sociais. É uma conclusão escabrosa, até mesmo obscurantista. O jornalista desconsidera o papel nefasto da imprensa capitalista ao longo da sua história, particularmente a partir do século XX, com a entrada do capitalismo em sua fase senil e a necessidade do imperialismo manipular, mentir, esconder os fatos justamente através dos seus meios de comunicação. A BBC britânica fundada em 1922 e o seu papel no encobrimento do nazismo em seus primeiros anos, a própria imprensa alemã no período de Hitler, as grosseiras falsificações da imprensa da União Soviética estalinista, apoiada pela imprensa mundial, a CNN norte-americana, como braço do imperialismo na sua política de manipular e esconder as atrocidades dos EUA contra os povos do Oriente Médio, isso para ficar em poucos exemplos.
Para Rolim, “Se uma notícia contém informação incorreta, é normalmente do interesse do veículo corrigi-la, porque o elemento capaz de lhe agregar valor é sua credibilidade. Por isso, mesmo as manipulações editoriais da imprensa não podem ignorar os fatos. É possível não dizer, não ouvir uma fonte, dar declaração fora de contexto, justapor maldosamente fotos de desafetos com notícias sobre tragédias ou crimes, entre outros artifícios. O que nunca foi possível à imprensa tradicional foi desligar-se do mundo e inventar outro”. De onde saiu essa fantasia?
Nesse ponto, seria importante perguntar em que “mundo paralelo” vive Rolim. Não é necessário nem ir longe, para tratar da manipulação, da falsificação, da perfídia, da mentira “vomitada” diariamente pela grande imprensa monopolista. Basta ver o Brasil do golpe e nem precisamos ir até 1964, podemos ficar só em 2016. Que grau de grosseira manipulação de fatos, construção de histórias rocambolescas foi feito na Internet que se compara às forjadas pelo imperialismo através das seus tentáculos no golpe, como a operação Lava-Jato. O que a internet produziu de tão criminoso, mesmo Trump e Bolsonaro que se compare à ardilosa campanha da Globo, Folha de S.Paulo, Estadão e as milhares de publicações da imprensa golpista em defesa do golpe, do impeachment contra Dilma, da perseguição da esquerda, da condenação e prisão de Lula, do golpe e da fraude eleitoral em 2018, da destruição nacional que nesse momento proporciona que mais de 60% da população brasileira esteja desempregada e na informalidade?
Descontando o fato de que Rolim credite um poder maquiavélico intrísico à internet, defender a censura em nome de que a extrema-direita está transformando em verdade o que é mentira é, no mínimo, uma ingenuidade gritante. A censura é sempre um instrumento dos exploradores contra os explorados, da burguesia contra as organizações dos trabalhadores. Quando a esquerda defende a censura está sempre dando um tiro no próprio pé, pois inevitavelmente as instituições do Estado vai voltá-la contra a esquerda e os explorados.
A internet significou, mesmo que numa pequena medida, a quebra do monopólio dos meios de comunicação pela burguesia. Hoje, qualquer indivíduo tem a possibilidade de tomar conhecimento de qualquer coisa que acontece em qualquer lugar do mundo; os sítios da imprensa progressista, dos partidos de esquerda têm o potencial de atingir bilhões de seres humanos, de influir na situação política; a divulgação para todo o mundo do vazamento de informações sigilosas do governo norte-americano pelo ex-técnico da CIA, Edward Snowden, as denúncias da vaza-jato pelo Intercept, as denúncias de países como a Venezuela contra a agressão imperialista…. tudo isso deveria ser desprezado em nome dos “fake news” disparados por Trump e Bolsonaro.
A esquerda ou quem se reivindica dela não pode e não tem o direito de defender nenhuma política que aprofunde o estado de exceção contra o povo no Brasil ou em qualquer lugar. Todas as pessoas, os partidos, organizações têm o direito democrático de defender seus pontos de vista sejam eles quais forem. Quem não gostar que responda. Falar, escrever não pode ser crime. Apoiar qualquer tipo de censura é colaborar com a repressão. É se colocar à direita do que prega ou pelo menos pregava a própria democracia burguesa.
Finalmente, o imperialismo tem sim o interesse em controlar a internet e não é para coibir o “mundo paralelo” da extrema-direita, mas justamente impedir todas as denúncias progressistas que são feitas na Internet contra o próprio imperialismo e seus lacaios nos mais variados países atrasados do mundo.
Quem estava em um “mundo paralelo” e não viu ou não quis ver nada disso foi o jornalista e sociólogo Marcos Rolim que, em nome da sua própria cegueira, defende o obscurantismo, a censura como “saída” para evitar as “fake news” de Bolsonaro e Trump.