Como uma ironia muito grande do destino, hoje o povo de Brumadinho é réu em uma ação movida pela Vale contra os moradores. Essa é a típica expressão da direita, que, já há muito tempo, vem mostrando a sua face no judiciário, e é o que de mais comum acontece, já que se trata de uma das instituições do Estado burguês.
Em Brumadinho não é diferente.
Os protestos das pessoas contra a Vale se justificaram e ainda se justificam, principalmente porque os postos de atendimento ao público nos quais ela trazia alguma assistência ao povo sofrido, foram fechados por conta da pandemia, alegaram eles, e os auxílios pagos às famílias prejudicadas agora começaram a atrasar, sem falar que muitos moradores ainda sequer foram contemplados.
Por conta dos vários protestos do povo pela cidade, a Vale, que é ré em uma ação civil pública pelo genocídio praticado contra a população e a destruição da cidade, com o rompimento criminoso da barragem, hoje conseguiu inverter a situação e, pasmem, processa o povo por protestar contra ela, sob a alegação de que as manifestações “tumultuavam o acesso à cidade” e poderiam provocar atrasos e prejuízos para a companhia.
Em meio a isso tudo, a Vale agora terceirizou a negociação com as instituições representantes da população atingida, que passou a ser articulada pela Fundação Renova. A fundação, uma solução para administrar o problemas deixado pelas barragens, foi instituída em 2016 para gerir e executar medidas previstas nos programas socioeconômicos e socioambientais estabelecidos no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), um termo que é firmado com o Ministério Público, com uma proposta de encaminhamento e solução da crise ambiental criada.
A fundação é uma solução para problemas anteriores à Brumadinho (2019), como é o caso do maior desastre ambiental brasileiro e o maior do mundo: o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (2015). Ela, que é subvencionada pela Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton, tem a função de administrar o prejuízo, negociar, barganhar e atrasar as ações de reparação.
Nessa linha, o próprio Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou Ação Civil Pública pedindo a extinção da Fundação Renova, alegando que, em vez da Fundação pagar os atingidos, ela está atrapalhando. É claro que não dá para confiar que o MP está do lado do povo. Mas, o fato é que, com o vazamento de informações que demonstram a atitude da advogada representante da Fundação, Viviane Aguiar, flagrada em uma reunião do dia 21/01 passado, por uma gravação exclusiva em que revela a maneira abusiva em que se conduzia diante do processo de reparação das vítimas de Mariana, o MP foi obrigado a agir, senão pareceria que estaria conivente.
Na gravação, a advogada, que coordena o setor jurídico da fundação, ameaçou e intimidou os representantes da comissão de atingidos presentes, que haviam organizado uma manifestação em uma linha férrea da Vale quatro dias antes (17) da reunião. Ela, inclusive, se afirmou como porta-voz do juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, responsável por julgar os processos envolvendo a tragédia de Mariana.
Sem meias palavras, a gravação deixou claro a barganha e o intuito de que as empresas rés paguem indenizações inferiores às devidas às vítimas da devastação causada pela onda de lama. Também ficou evidente o conluio entre as mineradoras, a Fundação Renova e a participação do juiz Mário de Paula, o que foi, até mesmo isso, objeto da descrição do MP no mandado de segurança também impetrado, outra ação que fez além da ação civil pública, “contra as reiteradas condutas abusivas” do magistrado.
A coisa ficou tão feia que até o MP decidiu se precaver dos exageros da fundação e do comprometimento tão descarado do juiz com ela. São absurdos como esses que partem do judiciário que leva à conclusão de que o Poder Judiciário está a serviço da direita.
Como se pode deduzir, se os atingidos dependerem tão somente de instituições como o Judiciário, para a defesa dos seus interesses, certamente a política da direita dominante vai fazer esse barco afundar logo logo.
Só a pressão das ruas pode resolver isso e garantir a reparação esperada por essas vítimas. A direita à frente de empresas e instituições públicas tem que temer o povo e respeitá-lo. E isso só se consegue com manifestação na rua, com a ocupação dos espaços públicos. Está mais do que na hora dos juízes temerem a marcha do povo contra eles e o judiciário de conjunto.