O banqueiro Guilhermo Lasso foi anunciado como o próximo presidente do Equador. A manutenção da política neoliberal do golpista Lenin Moreno foi referendada em um processo eleitoral marcado pela intervenção estatal e pelas ilusões identitárias. Diante da gigantesca impopularidade de Moreno, sua reeleição seria uma tarefa muito complicada. A alternativa da burguesia foi apostar no opositor de Rafael Correa nos últimos pleitos e impulsionar o indígena Yaku Pérez para dividir os votos da esquerda.
Lasso passou para o segundo turno em disputa apertada com Pérez, que teve acatado um pedido de recontagem de votos. Na prática, a manobra apenas encurtou o tempo de campanha política para a fase decisiva das eleições. O breve segundo turno ficou ainda menor com o estado de exceção decretado por Moreno, com a conveniente desculpa da contenção da pandemia, o que inviabilizou uma campanha política real para a esquerda. Com tudo isso (e muito mais), a distância de Lasso para o candidato de Rafael Correa, Andrés Arauz, foi de apenas 5 pontos percentuais, o que reforça a importância da contribuição do identitário Yaku Pérez para a vitória da direita.
Assim como o Brasil, o Equador não vive uma situação comum, mas lida com os desdobramentos de um golpe de Estado. Se por aqui, o vice presidente foi a figura usada pela direita para impor sua política, no Equador foi o próprio candidato de Correa que aplicou uma política violentamente neoliberal e de perseguição política aos membros do próprio partido. Em ambos os casos, é razoável considerar que a burguesia fez uso, entre outras coisas, da sua estratégia tradicional de negociação, ou seja, o suborno.
Assim como a polarização política no Brasil tem de um lado o maior partido político da esquerda, o PT de Lula, e toda a direita do lado oposto, no Equador a única oposição concreta ao golpe está organizada ao redor do exilado político Rafael Correa. E também da mesma forma que aqui, a estratégia de divisão dos votos da esquerda foi utilizada. A principal candidatura desse tipo nas últimas eleições presidenciais foi o oligarca Ciro Gomes, um tucano disfarçado de nacionalista. No Equador, Yaku Pérez foi fundamental para dar um viés esquerdista aos ataques contra Arauz.
Jogando as cartas do identitarismo e da ecologia, o direitista Pérez centrou seu fogo contra os partidários de Rafael Correa. A origem étnica de Pérez e a propensão a apoiar a política do imperialismo serviram para que setores pequeno-burgueses aqui no Brasil declarassem apoio ao candidato. Figuras do PSOL e da UP mostraram a superficialidade com a qual fazem política, pois Pérez já havia apoiado publicamente os golpes de Estado contra Dilma Rousseff e Evo Morales, além da perseguição judicial contra Cristina Kirchner.
Na época chegou a publicar mensagens como “A corrupção derrubou o governo de Dilma Rousseff e Cristina” e “Agora só falta que Correa e Maduro caiam”, demonstrando um alinhamento milimétrico com o imperialismo. Em vários aspectos, Pérez desempenha um papel parecido com o de Marina Silva, defendendo um ecologismo reacionário, que se opõe diretamente ao desenvolvimento nacional desses países capitalistas atrasados. Quem não se lembra dos confusos ataques da candidata da Natura à exploração de petróleo no pré-sal brasileiro? Assim como Marina apoiou Aécio Neves no segundo turno das eleições de 2014 contra o PT, Yaku Pérez declarou em 2017 que preferia um governo dos banqueiros (Guilhermo Lasso) a uma “ditadura” bolivariana do correísmo (Lenin Moreno). Para não estragar o verniz esquerdista, nesse ano saiu pela tangente e fez campanha pelo voto nulo.
Com isso, um representante de tudo o que existe de pior na sociedade capitalista foi legitimado na presidência do país. Assim como o nosso “picolé de chuchu”, o impopular Geraldo Alckmin, Guilhermo Lasso tem ligações com a ultraconservadora Opus Dei. O banqueiro já se opôs abertamente ao direito ao aborto seguro mesmo nos casos decorrentes de estupros e defende a tortura realizada em clínicas que praticam a bizarra “cura gay”.
Para além do conservadorismo ideológico, Lasso teve participação no escandaloso “feriado bancário” em 1999, que destruiu a moeda equatoriana, o sucre. Ocupando o Ministério da Economia do país por apenas um mês, promoveu o congelamento das contas de milhões de equatorianos, o que provocou um agravamento da desvalorização do sucre e levou o país em direção à dolarização da economia. E como bom direitista, Lasso não saiu de mãos vazias, tendo enriquecido com especulação financeira enquanto o povo passava fome.
O partido de Pérez tende a ter papel importante no mandato Lasso, pois o banqueiro não tem maioria no parlamento. Arauz, como bom esquerdista pequeno-burguês reconheceu a vitória de Lasso, mesmo com toda as manobras e perseguições sofridas pelos partidários de Rafael Correa. Um exemplo prático de que a reversão dos golpes no continente não será pela via meramente eleitoral.