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Entrevista da semana

“A Lei de Segurança Nacional tem um caráter inconstitucional”

DCO entrevistou Rodrigo Mondego, advogado e procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ

Rodrigo Mondego, militante dos Direitos Humanos

Nesta edição especial de domingo, o Diário Causa Operária traz a conversa com o advogado e militante dos Direitos Humanos, Rodrigo Mondego, que atua como Procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, além de ocupar a vice-presidência do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Rio de Janeiro. O tema abordado foi a Lei de Segurança Nacional (LSN) no contexto atual, um regime golpista que promoveu a ascensão de Jair Bolsonaro à presidência através da fraude eleitoral de 2018.

A ditadura militar foi um período de verdadeiro terror contra população e os movimentos populares

Para Mondego a volta da Lei de Segurança Nacional reeditada em 1983 é de fato um prenúncio dos tempos sombrios do regime da Ditadura Militar. O militante dos Direitos Humanos disse que a LSN “tem o caráter de ser uma lei feita num regime autoritário” e que o regime “tinha como principal inimigo os movimentos populares”. Para ele, o retorno desta herança do militarismo brasileiro “tem o caráter de perseguir quem era perseguido no período de outrora, de perseguir os movimentos populares, de perseguir os movimentos mais progressistas do nosso país”. Rodrigo considera um erro a LSN não ter sido extinta após a ditadura militar e também inconstitucional, pois, segundo o próprio, “artigos da Lei de Segurança Nacional…não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988”.

O ministro Alexandre de Moraes invocou a LSN para prender o deputado federal Daniel Silveira por ofensas aos ministros do STF

Ao ser questionado pelo uso indiscriminado da LSN em prisões como do deputado de extrema-direita Daniel Silveira, do jovem João Silva por uma publicação no Twitter e, mais recentemente, dos militantes do PT que protestavam na Praça dos Três Poderes, o entrevistado ressaltou que “esta Lei já estava sendo utilizada por Bolsonaro…bem antes do STF” e entende “que teve mais repercussão o caso do Daniel Silveira”. Sobre o uso da LSN para reprimir o direito de livre manifestação, Mondego considera que “existe uma intenção deliberada para tentar suprimir esse direito”.

Presidenta Dilma Rousseff golpeada em 2016

Sobre o risco de uma nova ditadura, Rodrigo responde que “a gente já está, de certa forma, numa ditadura, estamos num Estado de Exceção”. Ele considera que “houve um rompimento democrático no ano de 2016, que começou antes, mas acontece de fato naquele ano” com “impeachment ilegal de Dilma”. Denuncia também que o rompimento da institucionalidade no país “foi permitido inclusive pelo STF”. Afirma ainda que “a situação se acirra com a prisão de Lula e se consolida com a eleição de Bolsonaro”.

Manifestações golpistas de 2013 contaram com apoio da PM que reprimiu os movimentos da esquerda

Entre os aspectos importantes da crise que resultou do avanço da direita e extrema-direita contra o regime democrático, movimentos populares, partidos de esquerda, sindicatos entre outras organizações como reflexo da polarização política no país, nosso entrevistado admite que “todos os movimentos populares estão sendo vilipendiados de todas as formas, criminalizados e agredidos…desde 2013/2014, pelo menos, 27 sedes do PT que foram atacadas com bombas, pedras, etc”.

Polícia Militar se tornou ainda mais assassina com governo Bolsonaro. Na imagem: protesto contra ação policial que matou nove jovens de Paraisópolis

Os impactos sociais da ruptura institucional no Brasil também foram tratados, Mondego compara “no último ano que a Dilma conseguiu governar, que foi 2014, se matou no Rio de Janeiro menos de 400 pessoas, que já é um número absurdo, e no ano de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, se matou por auto de resistência 1822 pessoas”. Para ele, atualmente “não é só um genocídio que existe no Brasil, existem dois genocídios. Um genocídio que já existia antes contra juventude negra, pobre e favelada, que existe de maneira deliberada e constante em toda nossa história, mas que se acirrou muito no último período…Paralelamente a isso, existe o genocídio via pandemia, que também é deliberado por parte do governo federal”.

Deputado Marcelo Freixo (PSOL) defendeu a operação Lava-Jato que prendeu o ex-presidente Lula para garantir a fraude nas eleições de 2018

A consideração de Rodrigo sobre o apoio da esquerda na criação de novas leis foi que “Existe uma ingenuidade principalmente dos parlamentares de esquerda quando tratam de qualquer coisa no que tange ao Direito Criminal. Eles acreditam que através do Direito Criminal se muda algo, isso é uma falácia”. Ele reconhece também que “todos os crimes ou maioria esmagadora tiveram um aumento no número de casos após a Lei de Crimes Hediondos, tentou-se punir mais, com respaldo da esquerda, sem qualquer efeito”. Ainda sobre essa questão, usou como exemplo a Lei de Organização Criminosa, cuja CPI foi presidida por Marcelo Freixo (PSOL) e sancionada pela Presidenta Dilma, segundo o entrevistado “foi usada contra quem criou e implantou essa lei, a própria esquerda”. E concluiu “Quando se criminaliza algo, invariavelmente, essa lei se volta contra a população negra, pobre e favelada”.

Depurtado federal Daniel Silveira (PSL) preso ilegalmente a mando do STF com base na LSN

Sobre a atuação do STF, Mondego afirma que o “judiciário não cumpre a lei, estabelece e interpreta da maneira que quer”. E justifica a prisão do deputado bolsonarista a mando do STF: “elo mais fraco da corrente do fascismo (bolsonarismo) foi o Daniel Silveira que é um deputado federal medíocre”. Para ele, a questão dos “três poderes, os pesos e contra pesos, o controle externo dos poderes e de tudo mais se rompe, de tal forma, que começa acontecer bizarrices. Diversos outros fatores, a retirada corriqueira de direitos dos trabalhadores, desde a posse de Temer, contra a própria Constituição, são parte deste rompimento democrático”.

Supremo Tribunal Federal permitiu o golpe de estado contra a soberania popular

Mondego ainda diz “entender que o STF não funcione da maneira correta, que deveria ser eletivo e, caso não fosse, pelo menos ter um mandato para os ministros, não ter esse caráter vitalício, ter a ‘PEC da bengala’ que vai até os 75, pode ter uma PEC da bengala II que vai até os 100 anos e o cara seguir até a morte como ministro do STF”. Também defendeu ser legítimo pedir o fim do STF como foi o caso de “Wadih Damous, quando deputado fez a defesa enfática do fechamento do STF… Podemos fazer isso”.

Somente a mobilização nas ruas pode derrotar o governo Bolsonaro e o golpe de estado no País

Por fim, nosso entrevistado pondera que “As organizações de esquerda não pensam em autoproteção, em formas de se organizar para se defender seja juridicamente ou fisicamente. Não tem uma preocupação nesse sentido”. Por isso, a esquerda pensa que “o que dá pra tentar mudar é a institucionalidade”. Mas “O problema é o judiciário lesa pátria, fascista, conservador, que interpreta a lei da pior forma possível. Sempre contra os trabalhadores e as trabalhadoras”. E conclui “O que deve ser feito no Brasil é um rompimento com Estado de Exceção”.

Diário Causa Operária: A LSN foi criada em 1935, um momento de polarização política entre os Integralistas (fascismo) e Aliança Nacional Libertadora (ANL), esta última uma organização de esquerda liderada por Luís Carlos Prestes que foi colocada na ilegalidade. Depois voltou a ser aplicada na ditadura militar para perseguir as organizações populares de esquerda. A volta da LSN é um prenúncio desses tempos sombrios?

Rodrigo Mondego: Sim, é um prenúncio destes tempos sombrios. Existir uma lei de Segurança Nacional, por si só, não é algo negativo até porque existem interesses externos que podem prejudicar o país. Então, ter uma lei contra esses interesses principalmente, de caráter lesa pátria ou de caráter de estado de exceção, de romper com o estado democrático de direito é possível. Todavia, nossa atual lei de segurança nacional é do fim do período da ditadura militar, início da década de 1980. Então, ela tem o caráter de ser uma lei feita num regime autoritário. Um regime de ditadura, onde eles tinham de principal inimigo os movimentos populares. Os movimentos de esquerda e tudo mais. E quando ela volta a ser aplicada da forma que está, ela tem um caráter de perseguir quem era perseguido no período de outrora, de perseguir os movimentos populares, de perseguir os movimentos mais progressistas do nosso País.

DCO: Foi um erro a LSN, uma lei reeditada em 1983, como você disse, não ter sido extinta com o suposto pacto democrático de 1988?

RM: Sim. Inclusive existe uma discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) que entende que alguns artigos da Lei de Segurança Nacional são inconstitucionais, eles não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. Então, com certeza, a gente pode entender que essa lei tem um caráter inconstitucional.

DCO: No dia 16 de fevereiro, o deputado do PSL, Daniel Silveira, foi preso a mando do STF com base na LSN. Ele publicou um vídeo no qual ofendia os ministros e supostamente pedia a volta do Ato Institucional nº 5 (AI-5). A gente não teve como conferir o conteúdo do vídeo porque simplesmente foi apagado da internet e ninguém tem acesso a isso. Depois, no dia 4 de março, foi a vez do jovem de 24 anos, João Silva, que foi preso por publicar no Twitter “quem fechava ser herói”, vésperas de Bolsonaro realizar uma ida para Uberlândia-MG. O setor de Inteligência da Polícia foi quem comandou a prisão. Agora, pouco mais de uma semana, no dia 18, teve um caso mais emblemático, militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), que protestavam na Praça dos Três Poderes, estenderam uma faixa com dizeres “Bolsonaro genocida” e com uma charge censurada que associa Bolsonaro à suástica nazista e terminaram presos. Como você vê a aplicação da LSN contra os direitos democráticos de livre manifestação e de liberdade de expressão?

RM: Ocorre que esta Lei já estava sendo utilizada pelo Bolsonaro. A gente entende que teve mais repercussão o caso do Daniel Silveira, que não só o vídeo que ele gravou, mas existe todo um conjunto da obra de organizações de ultra direita no Brasil que se organizam e que defendem, sim, o rompimento do regime democrático que supostamente existe no Brasil, o pouco de institucionalidade que ainda existe neste Estado de Exceção que a gente vive. Ele realmente estava organizando isso, é algo concreto ele defender de maneira mais consistente. Mas, no ano passado, um artista de Niterói, um ator, resolveu postar, em seu Instagran, uma intervenção artística onde aparecia uma drag queen segurando a cabeça do Bolsonaro. Nesta foto não existia sangue, não existia arma. Era um debate metafórico, ela segurava o que estaria errado no mundo, que seria a cabeça do Bolsonaro, os pensamentos do Bolsonaro. Em nenhum momento vi, naquela imagem, intenção de defender violência contra Jair Bolsonaro. Pode-se até discutir se aquela arte é de bom gosto ou de mau gosto, é algo que se pode debater. Mas, aquilo, sem sombra de dúvidas, não caracteriza ameaça, muito menos à Segurança Nacional. Todavia, Carlos Bolsonaro, vereador da cidade do Rio de Janeiro, escreveu ao e-mail pessoal do delegado da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática, que tem posições bolsonaristas, e, a partir deste e-mail, se abriu inquérito para investigar esse ator, que apenas compartilhou essa imagem. Ele nem mesmo fez a imagem e está respondendo pela LSN. O delegado fez algo totalmente equivocado porque não poderia tratar na justiça comum isso, mas ele enviou para a justiça comum. O que ele deveria fazer desde o início, era enviar para Polícia Federal (PF) analisar. É um crime que tem que ser visto pela PF, mas, não, ele fez o relatório indicando que existia violação à LSN por esse ator, que apenas compartilhou uma imagem. Então, o Bolsonaro, sua família e sua trupe já estavam utilizando a LSN bem antes do STF. Eu tenho um posicionamento por mais que tenha várias críticas. A gente pode até entender que o STF não funcione da maneira correta, que deveria ser eletivo e, caso não fosse, pelo menos ter um mandato para os ministros, não ter esse caráter vitalício, ter a “PEC da bengala” que vai até os 75, pode ter uma “PEC da bengala II” que vai até os 100 anos e o cara seguir até a morte como ministro do STF. Isso é um debate democrático que a gente pode fazer. O que a gente não pode fazer é dar o endereço de um ministro e falar que tem que dar porrada nele, espancar e matar ele e a família. O que tem sido feito pelos bolsonaristas de maneira iterada. Os bolsonaristas, por exemplo, usaram vídeo do Wadih Damous, ex-deputado federal do RJ pelo PT, onde ele fala que o STF deve ser fechado e fazer uma outra coisa no lugar. Isso é um debate democrático, um debate de ideias. Em nenhum momento, ele defendeu ataque violento contra o STF, mandou fechar na marra o STF, militar dar tiro em ministro ou militante violentar alguém da família dos ministros. O que é feito pelos bolsonaristas. A gente tem que diferenciar esse debate crítico de números. A gente não pode fazer defender violência contra eles para tentar, a partir daí, promover uma ruptura institucional. Rompimento democrático já teve, desde 2016. Institucional, de fato, que é a intenção do bolsonarismo, uma tentativa aberta de entrar num acirramento do Estado de Exceção que a gente vive.

DCO: Ainda sobre essa questão, a LSN está sendo utilizada para suprimir o direito democrático da livre manifestação e liberdade de expressão. Carlos Bolsonaro também invocou a LSN contra o youtuber Felipe Neto, que chamou o presidente de genocida. A procuradoria da Câmara invocou a LSN contra o humorista Danilo Gentili, por ele ter falado que “só acreditaria que o país tem jeito se a população entrasse agora na Câmara e socasse todo deputado que está nesse momento discutindo a PEC da imunidade parlamentar”, o programa dele é de humor. Como você vê isso?

RM: Existe, sim, uma tentativa de usar a LSN para reprimir o direito de livre manifestação. Independente da gente concordar ou não com a manifestação que se faz, existe uma intenção deliberada para tentar suprimir esse direito. Sobre o debate do Bolsonaro ser genocida, ao meu ver, Bolsonaro é genocida. Se a gente pegar o Aurélio (dicionário) e verificar o que significa genocida, ele vai se encaixar perfeitamente. Falo isso abertamente. Então, questionar isso inclusive não se enquadra (na LSN) porque, quando você caracteriza alguém por uma determinada qualidade que você pensa que essa pessoa tem, não pode haver uma tentativa de rompimento institucional por chamar Bolsonaro de fascista ou de qualquer outra coisa. Mesma coisa de chamar a presidenta Dilma de comunista, que está muito longe de ser. A gente sabe e todo mundo sabe que ela não é. Ao meu ver, o comunismo não é um xingamento. Ela não poderia se sentir ofendida, caso fosse seu pensamento. Mas é um direito de todos se manifestar, isso é um fato. O que é diferente da tentativa do bolsonarismo deliberado de rompimento institucional no país, de tentar acabar com as últimas amarras que existem para o Bolsonaro tomar o país e fazer mais mal do que faz neste genocídio implementado e que está em curso no Brasil. É bom sempre frisar, não é só um genocídio que existe no Brasil, existem dois genocídios. Um genocídio que já existia antes contra juventude negra, pobre e favelada, que existe de maneira deliberada e constante em toda nossa história, mas que se acirrou muito no último período. Uma comparação: no último ano que a Dilma conseguiu governar, que foi 2014, se matou no Rio de Janeiro menos de 400 pessoas, que já é um número absurdo, e no ano de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, se matou por auto de resistência 1822 pessoas. Isso é um genocídio também com recorte racial, com recorte de classe, todas essas pessoas que são mortas no Brasil. Paralelamente a isso, existe o genocídio via pandemia, que também é deliberado por parte do governo federal, no intuito de se matar o máximo de pessoas possível e, partir daí, ter um rompimento institucional ainda maior.

DCO: Nesse sentido, podemos dizer que essa situação deveria acender um sinal de alerta para os movimentos populares e para a esquerda em geral de uma possível ditadura, uma vez que direitos democráticos estão sendo suprimidos?

RM: A gente já está, de certa forma, numa ditadura, estamos num Estado de Exceção. O que existe ainda é algum grau de institucionalidade, que possibilita a gente ter alguma liberdade. Houve o rompimento democrático no ano de 2016, que começou antes, mas acontece de fato naquele ano. A situação se acirrou com a prisão de Lula e se consolida com a eleição de Bolsonaro. Então, o sinal era pra estar, não amarelo, mas vermelho já desde há cinco anos em nosso país. Todos os movimentos populares estão sendo vilipendiados de todas as formas, criminalizados e agredidos. A gente tem, desde 2013/2014, pelo menos, 27 sedes do PT foram atacadas com bombas, pedras, etc. Tem militantes de esquerda que são agredidos nas ruas por estarem vermelho ou por estarem com a bandeira de seu partido. Então, a gente sabe, é nítido, público e notório que existe uma perseguição aos movimentos populares e aos movimentos de esquerda em nosso país. Isso se acirrou no último período e tende a se acirrar ainda mais.

DCO: Uma questão importante, a liberdade de expressão deve ser irrestrita pra dar um caráter mais concreto a esse direito que acaba tendo uma interpretação subjetiva? A imunidade parlamentar é uma conquista democrática que deveria garantir o direito de expressar e defender tudo aquilo que realmente se pensa. Neste sentido, como se dá a atuação do STF, que não tem prerrogativa de legislar, na supressão desse direito democrático? Como fica a relação dos três poderes já que mandaram prender um parlamentar?

RM: Eu discordo por algumas questões. Primeiramente, nenhum direito é absoluto, nem os direitos fundamentais. O direito à vida não é absoluto quando a gente tem a legítima defesa de fato. Por exemplo, uma mulher que, ao se defender do marido que está tentando um feminicídio, empurra-o da janela e ele vem a falecer.  O direito à vida dele não foi absoluto porque existia o direito dela, essa é uma questão. Quando você tem um deputado deliberadamente contra o estado democrático de direito, que ameaça e defende a morte de pessoas, que comemora a morte de uma vereadora do Rio de Janeiro democraticamente eleita, que respalda a violência contra organizações democráticas independentemente da posição política porque, ao mesmo tempo eles atacaram os movimentos de esquerda, eles vem atacando o MBL, por exemplo, ou os correligionários do Doria, que são dois grupo de pensamento ideológico totalmente diferente da esquerda. Então, quando se tem o fascismo de maneira institucional cada vez mais consolidada, não se pode permitir que esse fascismo use dos instrumentos e das garantias democráticas pra poder se enraizar e retirar direitos das pessoas que tem pensamento diferente. Então, o direito democrático encontra seu limite dos pensamentos antidemocráticos. O direito de livre pensamento termina quando se defende uma ruptura institucional e violência contra que pensa diferente. Mas existe outro fator neste caso, que é muito importante pontuar, a gente teve uma ruptura democrática no ano de 2016. Isso fez romper com a institucionalidade do Brasil, que foi permitido inclusive pelo STF, tanto o impeachment ilegal da Dilma, quanto a prisão ilegal de Lula, que agora mudou a interpretação, mas poderia ter sido feito antes, simplesmente ficasse toda bagunçada. Então, toda a questão da inclusive dos três poderes, os pesos e contra pesos, o controle externo dos poderes e de tudo mais se rompe, de tal forma, que começa acontecer bizarrices. Diversos outros fatores, a retirada corriqueira de direitos dos trabalhadores desde a posse de Temer, contra a própria Constituição, são parte deste rompimento democrático. O ideal era que Bolsonaro, desde que saudou um torturador ao votar pelo “impeachment” da Dilma, ter o seu mandato cassado como em qualquer país minimamente democrático do mundo. Como Bolsonaro não foi cassado, veio uma sucessão de bizarrices que permitiu a eleição de um sujeito como Daniel Silveira, que se vangloria de ter matado pessoas quando era policial militar.

DCO: Tem alguma diferença até porque Bolsonaro também solta suas pérolas, faz várias colocações abertamente fascistas e nada acontece. Seria então o caso de Daniel Silveira não pertencer ao bloco golpista que controla o regime?

RM: Sim. O elo mais fraco da corrente do fascismo foi o Daniel Silveira que é um deputado federal medíocre, antes foi um policial militar medíocre, um trocador de ônibus medíocre. Sua vida profissional sempre foi de uma pessoa medíocre. Então, pegaram o mais medíocre dos fascistas do bolsonarismo para usar como bode expiatório nessa situação. Claro que existe disputa de poder, o STF sabe muito bem disso, já poderiam de maneira legal mandar prender Bolsonaro crime reiterado, flagrante delito. Mas, inclusive a OAB enviou essa semana um pedido para que Procuradoria Geral da República denunciasse Bolsonaro criminalmente, o STF com medo dos cabos e soldados resolveu dar um freio no bolsonarismo através do elo mais fraco. Tanto é que Bolsonaro não fez uma defesa enfática do Daniel Silveira, quem faz a defesa é uma base mais consequente no Congresso, meia dúzia de pessoas. De maneira geral, a vitória de Bolsonaro com Arthur Lira na Câmara depois da prisão de Daniel Silveira demonstra teoricamente que Bolsonaro tinha maioria pra poder garantir que não ocorresse. Não construíram a maioria porque Bolsonaro não teve interesse. Vão-se os anéis e ficam os dedos. Então, era um anel bem vagabundo que Bolsonaro perdeu.

DCO: A esquerda apoiou a prisão do deputado Daniel Silveira no Congresso Nacional. Mas se a esquerda passasse a defender a dissolução do STF e Polícia Militar, por exemplo, não aconteceria a mesma coisa?

RM: São duas coisas diferentes. Eu dei exemplo de um deputado federal, ex-presidente da OAB, um dos maiores juristas do Brasil, que é o Wadih Damous, quando deputado fez a defesa enfática do fechamento do STF para se construir uma outra coisa. Podemos fazer isso. É claro que um caráter subjetivo tendencioso para o fascismo pode pegar a fala do Wadih Damous e interpretar de maneira equivocada. Como se pode interpretar qualquer coisa, eu acabei de chamar Bolsonaro de fascista e o delegado bolsonarista pode mandar me prender. Se ele mandar interceptar meu celular, por fazer uma interpretação bizarra. Até hoje, eu não vi nenhum tipo de defesa, por parte de um legislador da esquerda, de rompimento democrático da forma do Daniel Silveira, de maneira corriqueira não só lá (na Câmara). Fez dentro do Batalhão Prisional da PM, lá de dentro para seus apoiadores e ameaçou os ministros. Isso é uma forma diferente da que os legisladores de esquerda fizeram. Claro que possibilita tudo. O Lula achava que os órgãos de Justiça interpretariam a lei de maneira republicana e pegou o Moro e Dallagnol que não fizeram questão de interpretar a lei de maneira republicana, interpretaram de maneira fascista. A lei pode ser interpretada de várias formas, mas a LSN não poderia ser usada contra parlamentares de esquerda. Na questão da PM, o fim dela não significa um rompimento democrático no Brasil. É possível defender, por exemplo, até mesmo o fim do Ministério da Cultura, Bolsonaro defendeu e acabou com ele. Defender o fim Ministério do Esporte. O fim da Polícia Rodoviária Federal. Então, existem várias formas de se fazer defesas como do fim da PM, inclusive existe a PEC 51 do ex senador Lindbergh Farias pede o fim da PM e a constituição de uma polícia única e civil.

DCO: No sentido da liberdade de expressão ainda, a esquerda saiu em defesa da censura dos monopólios das redes sociais na internet contra Trump. Depois a censura se voltou contra a própria esquerda, um jornalista publicou no Twitter a capa de um jornal antigo de uma corrente do PT que trazia “Se Lula não for solto, São Paulo vai parar”. Como você vê a questão de dar autoridade para os capitalistas censurar diretamente sem nem mesmo passar pelas instituições do estado?

RM: Existe um debate no Direito Criminal, por pessoas minimamente progressistas seja do abolicionismo penal ou de vertentes não punitivistas, que diz que não se pode criar instrumentos para criminalizar. Leis novas invariavelmente vão ser usadas contra esquerda. Vou dar um exemplo, na “CPI das Milícias”, presidida pelo Marcelo Freixo e relatada pelo deputado Gilberto Palmares, se avaliou que a lei de formação de quadrilha não poderia estar enquadrada ali porque as milícias são algo concreto e mais complexo que quadrilhas, que se enraíza no estado de maneira muito mais organizada. Então, se criou a “Lei de Organizações Criminosas”, que buscava o enfrentamento com as milícias, mas ela é usada principalmente contra a esquerda hoje em dia. Foi usada na Lava Jato, dentro dessa lei figura da delação premiada. Essa Lei foi usada contra o MST, contra Sindicatos no ABC Paulista, foi nas manifestações 2013 e contra organizações minimamente progressistas, anarquistas, de esquerda. Foi usada para poder criminalizar esses movimentos populares. Então, uma Lei que foi criada para criminalizar as milícias quando chega na mão do legislador, que é da burguesia, uma oligarquia política que existe no Brasil, famílias que tem oito ou 10 juízes e desembargadores, a gente sabe como funciona esses concursos, é utilizada a bel prazer. Essa lei, que era usada contra as milícias, é usada contra a esquerda. Isso é um fato. Uma analogia com essa Lei é dizer que não se pode usar, o que já existe, contra grupos de extrema-direita organizados, fundamentados como milícias. Existem organizações neonazistas no País principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul que podem ser encaradas como criminosas porque são verdadeiras milícias. Não se pode querer usar uma Lei porque vai ser usada contra esquerda, o que é diferente de criar uma nova lei, tem que se diferenciar isso. Então, a LSN já estava sendo usada contra esquerda, por que não usar essa mesma lei contra o fascismo, sendo que neste caso ela se enquadra? Era ideal ser criada essa Lei? Não. A LSN tem que ser abolida? Sim. Mas se ela é usada contra a esquerda, acredito que ela deva ser usada também, fundamentada na própria lei, contra organizações de ultra direita que tendem a querer o rompimento da institucionalidade do nosso país. Infelizmente, usar essa lei contra as milícias (extrema-direita) não fará com que deixe de ser usada contra organizações populares de esquerda. O que deve ser feito no Brasil é um rompimento com Estado de Exceção. A partir desse rompimento, podemos ser mais legalista e antipunitivista do que nessa conjuntura de barbárie onde o fascismo está ganhando corpo e não temos nada pra fazer contra, a não ser, usar, de alguma forma, as leis e o pouco de institucionalidade contra eles porque vão usar contra a gente (esquerda) sempre.

DCO: O problema dessas leis que a esquerda defendeu não estaria em quem controla o Estado? A Lei de fake news com base no discurso do ódio e nas notícias falsas, se aprovada quem vai julgar? Qual o sentido de defender a criação dessa lei já que Globo é a maior disseminadora de notícias falsas desde sua existência?

RM: Sim. O ideal é que tivesse um judiciário minimamente republicano. Não teria no Jornal Nacional uma fala de uma presidente da república com um ex presidente gravado de maneira ilegal e divulgado de maneira lesa pátria, como foi no caso da conversa do ex-presidente Lula com a ex-presidenta Dilma. Ela era presidente da República, o que mostra que nós temos uma imprensa totalmente tendenciosa e que propaga fake News. O ideal era ter um rompimento do Estado de Exceção pra gente ter um judiciário minimamente republicano, que cumpra a lei. O judiciário não cumpre a lei, estabelece e interpreta da maneira que quer. A gente tem centenas, melhor, milhares de negros no Brasil que estão presos por reconhecimento por foto, a legislação diz que você não pode prender alguém através de reconhecimento por foto. Mesmo assim, o cara chega na delegacia e fala “a pessoa que me roubou era gordão e tinha 1,90m de altura” e veem a foto lá só do rosto de um cara que tem 1,60m e é magrelo. Ainda assim com essa identificação a pessoa vai presa. Isso não é um caso hipotético, se trata de um caso real porque eu acompanho. Então, o nosso estado não cumpre a lei, interpreta a lei a seu bel prazer. Isso é um fato, uma preocupação que realmente a gente tem que ter. O ideal é que tivesse um judiciário que cumprisse e respeitasse a lei. Mas isso não funciona. Qual é o freio que a gente pode dar nessa conjuntura e ao fascismo que não seja usar institucionalidade contra eles? As organizações de esquerda não pensam em autoproteção, em formas de se organizar para se defender seja juridicamente ou fisicamente. Não tem uma preocupação nesse sentido. Então, o que dá pra tentar mudar é a institucionalidade. Esse foi o pensamento de alguns deputados de esquerda em relação a isso. O problema é o judiciário lesa pátria, fascista, conservador, que interpreta a lei da pior forma possível. Sempre contra os trabalhadores e as trabalhadoras.

DCO: Pra finalizar. Não é perigoso a esquerda sempre apoiar medidas repressivas como é o caso da “Lei da Ficha Limpa”, por exemplo, recaiu sobre a principal liderança da esquerda do país, que é o Lula? A esquerda também defende a “Lei Antiterrorismo Doméstico” do Biden que deve recair sobre os movimentos populares, não seria um erro essa política?

RM: Existe uma ingenuidade principalmente dos parlamentares de esquerda quando tratam de qualquer coisa no que tange ao Direito Criminal. Eles acreditam que através do Direito Criminal se muda algo, isso é uma falácia. Dei aqui o exemplo da “Lei de Organização Criminosa”, as milícias tomaram metade do território da cidade do Rio de Janeiro, estão crescendo de maneira exponencial depois da criação desta lei. Se pegar as leis de crimes hediondos, todos os crimes ou maioria esmagadora tiveram um aumento no número de casos após a “Lei de Crimes Hediondos”, tentou-se punir mais, com respaldo da esquerda, sem qualquer efeito. No caso da “Lei de Organização Criminosa”, foi usada contra quem criou e implantou essa lei, a própria esquerda. Então, tem que ter muita parcimônia na hora de analisar qualquer coisa do Direito Criminal e a esquerda, sim, sempre foi ingênua na hora de pensar isso. Quando se criminaliza algo, invariavelmente, essa lei se volta a população negra, pobre e favelada. É assim que nosso judiciário pensa, a grande maioria dele, há algumas exceções, honradas exceções. A grande maioria do Ministério Público tem um pensamento fascista, como eu disse há honrosas exceções, infelizmente.

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