Na quinta-feira (11), Jair Bolsonaro assinou o projeto de lei que objetiva regulamentar a educação domiciliar no Brasil. O texto ainda não foi publicado no Diário Oficial da União. Para que se torne uma lei, é necessário ser aprovado pelo Congresso Nacional no prazo de até 120 dias após a publicação.
De acordo com as informações do Censo Escolar 2018 divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 48,5 milhões de matrículas foram registradas nas 181,9 mil escolas de educação básica do País, enquanto 15 mil estudantes, o que equivale a 7,5 mil famílias, estudam por meio de educação domiciliar, como informa a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). O governo informou que, com a aprovação do projeto de lei, a expectativa é que este número de famílias aumente para 31 mil. Dessa forma, o governo demonstra priorizar o ensino domiciliar que atende , aproximadamente, 7 mil famílias do que o ensino nas escolas com mais de 48 milhões de estudantes.
Até o momento, não existiam regras para a prática da educação domiciliar, entendida como uma modalidade de ensino em que tutores ou os pais são os responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem das suas crianças. De acordo com o governo, o projeto de lei apresenta “os requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir para exercer esta opção, tais como o cadastro em plataforma a ser oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) e possibilidade de avaliação”.
Palestra em defesa do ensino familiar
Promovida pelo governo Bolsonaro no sábado (13), foi realizada em Brasília uma palestra com o professor belga Jan De Groof. Convidado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o acadêmico, considerado pelo governo um dos principais estudiosos do ensino domiciliar, salienta sua preocupação com os discursos ideológicos que podem vir a ser difundidos no ambiente escolar tradicional.
De acordo com ele, “há uma corresponsabilidade entre os pais, a família, a escola, o educador, a sociedade e o Estado. Precisamos nos manter céticos quanto à influência do Estado sobre a mente da criança”. Salienta a importância de pensar nas vias alternativas de ensino como uma forma de preservar a autonomia do pensamento, pois a educação pode ser entendida como “a transmissão de crenças, valores e cultura”. Além disso, destaca que o papel do Estado deve ser mínimo: “A Constituição da Bélgica, destacou, considera direito básico dos cidadãos o acesso à educação, mas não torna obrigatória a assiduidade nas escolas”.
O professor explicou que, na Bélgica, os responsáveis e os pais que aderem ao ensino domiciliar devem preencher um cadastro formal e apresentar um plano didático pedagógico detalhado. Nele, devem constar as metodologias de ensino e avaliação. De acordo com o governo, no projeto de lei proposto no Brasil, estas etapas também foram citadas.
A revolução educacional de Damares
Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal não reconheceu o ensino domiciliar como uma modalidade de ensino, pois não há uma lei que o regulamente. Durante esta discussão, tanto a Advocacia Geral da União (AGU) quanto a Procuradoria Geral da República foram contra o ensino domiciliar, pois “não encontra fundamento próprio na Constituição Federal”. Dessa maneira, a maioria dos ministros decidiu que seria necessária a aprovação de uma lei com o intuito de assegurar o processo de socialização e a avaliação da aprendizagem das crianças.
Uma das críticas à educação domiciliar é o total descaso do Estado em relação ao Ensino Público. De acordo com o artigo 205 da Constituição, a educação é um “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
Como é comum neste governo, mais uma vez a Constituição é ignorada e as palavras “dever do Estado” parecem ter sido propositalmente esquecidas. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente indica que todas as crianças tenham “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”.
A proposta de apresentar este projeto de lei ficou a cargo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Para a ministra Damares Alves, “A educação no Brasil precisa passar por uma grande revolução” e devem ser garantidos aos pais o poder de escolher quais os conteúdos serão ensinados e o gerenciamento do aprendizado dos próprios filhos. Esta “revolução” proposta pela ministra tem o objetivo claro de atender os interesses de uma base conservadora, fazer com que o Estado não seja o responsável por uma educação pública, laica, gratuita e de qualidade e não permitir a interação entre estudantes para que não existam opiniões diferentes, apenas um pensamento único. Essa “revolução” educacional de Damares tem nome: escola com fascismo.