Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.
(Carolina Maria de Jesus, em “Quarto de despejo”)
Carolina Maria de Jesus, nascida no dia 14 de março de 1914, em Sacramento, Minas Gerais, numa comunidade rural. Como era comum, seus pais[1] eram analfabetos. Também compartilha com outras crianças a sina de ter sido maltratada durante a infância. Apesar disso, frequenta a escola por um tempo, onde aprende a ler e escrever. Mais que isso, na escola, adquire seu gosto pela leitura.
Quando sua mãe morre, em 1937, muda para São Paulo, onde foi empregada doméstica. Em 1948, quando estava desempregada e grávida, foi morar na favela do Canindé, zona norte de São Paulo. Ali, criou seus três filhos (dois meninos e uma menina).
Passou a trabalhar como catadora de papel e, a partir de 1955, passou a registrar sua visão sobre o cotidiano da favela em cadernos que encontrava em seu trabalho de recolher papel. A versão corrente de sua ‘descoberta’ como escritora afirma que, em 1958, um jornalista da Folha da Noite, Audálio Dantas, foi à favela do Canindé para apresentar uma reportagem sobre “Um dia na favela”. Foi então que teria observado uma negra na porta de seu barraco gritando com alguns moradores, ameaçando de “colocá-los” em seu livro.
A curiosidade do jornalista, cheia de preconceitos obviamente, o teria levado a conversar com Carolina e pedir para ver ‘seu livro’, então um conjunto de escritos nos cadernos que ela juntara durante o trabalho de catadora. Daí nascerá o “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”[2], publicada em 1960.
Em seu primeiro livro, o que vemos é a narrativa da realidade de fome, de pobreza e dos preconceitos que a própria Carolina teria enfrentado, por ser mulher, negra e favelada. Os relatos são uma verdadeira crítica à desigualdade social. Ali, o centro da cidade, a ‘sala de visitas’, seria o lugar dos que são brancos, dos que teriam dinheiro, enquanto a favela seria o ‘quarto de despejo’, lugar em que se joga tudo o que se deseja esconder.
A determinação dessa neta de escravos, de pais agricultores sem terra, que tão bem representa grande parcela da população das periferias brasileiras, das favelas brasileiras, deixa-se revelar em seus escritos, bem como o sofrimento de quem sabe que sua obstinação não a salvará da máquina de moer gente que é a sociedade capitalista.
Não que Carolina Maria de Jesus teorizasse sobre capitalismo ou socialismo, mas a reflexão da sua vida e de seus companheiros de destino, de pobreza, de fome, de exploração, de humilhação, de esquecimento.
Carolina Maria de Jesus morreu no dia 13 de fevereiro de 1977. Fazem 43 anos que a favela do Canindé e o Brasil perderam uma legitima representante de seu povo, que transformou sua sina e seu sofrimento em literatura, não para esquecê-la, mas para torna-la conhecida.
OBRAS:
Memórias e diários
Quarto de despejo. Diário de uma favelada (1960).
Casa de Alvenaria. Diário de uma ex-favelada (1961)
Diário de Bitita (1986)
Meu estranho diário (1996)
Romance
Pedaços da fome (1963)
Aforismos
Provérbios (1965)
Poesia
Antologia Pessoal (1996)
Outros textos
As crianças da favela (1960)
Sócrates africano. (1976)
Minha vida (1994)
Diario de viaje: Argentina, Uruguai, Chile (1963
Onde estais felicidade? (1977)
Inéditos:
Obrigado Senhor vigário (peça de teatro). mimeo, s/d.
O escravo (romance).
NOTAS:
[1] De acordo com suas próprias palavras, registradas na obra póstuma Diário de Bitita (1986), ela foi neta de ex-escravo e filha de mãe “do ventre livre”.
[2] Quarto do Despejo foi uma obra de sucesso, traduzida para pelo menos 13 idiomas. As outras obras dela, Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963) e Provérbios (1963), não tiveram a mesma sorte e a autora seria, como é comum, esquecida, invisibilidade.