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Economia mundial entra em nova etapa de crise

As manifestações populares, inclusive violentas, como reação a políticas econômicas são a parte visível da nova etapa da crise do capitalismo, em todo o mundo.

Karl Marx critica com veemência os economistas burgueses e o modo como burlam a realidade, ao separar o sistema de produção de seus atributos sociais específicos.

Ao ignorar que a produção não seria apenas uma produção particular, mas que corresponderia sempre a um certo corpo social, um sujeito social, ativo numa totalidade maior ou menor de ramos de produção, esses economistas justificam ideologicamente a sociedade como algo abstrato, ao mesmo tempo em que a produção estaria “encasulada em leis naturais eternas e independentes da história, nas quais a oportunidade das relações burguesas são então introduzidas sub-repticiamente como leis naturais invioláveis nas quais está alicerçada a sociedade teórica.”[1]

Não devemos nos enganar, na realidade o objetivo ideológico de tais economistas é exatamente esse, não se trata apenas de um problema epistemológico, um erro de análise, de pressupostos falsos, mas de ocultar a relação das formas políticas e/ou jurídicas como constituintes orgânicos dos sistemas produtivos e apresentá-la como, no máximo, uma relação acidental, fruto de ligações meramente reflexivas.

Enfim, a economia política burguesa procede a uma universalização das relações de produção sempre que analisam a produção abstraindo suas determinações sociais específicas.

Ao longo da história do capitalismo, em suas diversas formas, a burguesia foi aprimorando as estratégias de ocultação do como a base produtiva reflete-se nas formas políticas, sociais e jurídicas, nas formas de propriedade e dominação, a fim de dificultar que a população, os trabalhadores, identifiquem de pronto as crises, políticas e sociais, como decorrentes da economia.

O neoliberalismo é mais uma forma assumida pelo capitalismo, com estratégias atualizadas para definitivamente levar para dentro do Estado os valores do mercado, transferindo os métodos de administração do setor privado para o público e transformar o governo em governança, ou seja, num governo sem governo, outro nome para Estado mínimo. Mas não apenas isso, a política vai sendo escanteada e a economia e a ‘gestão’ assumem seu lugar.

Aliás, a política é culpada de todos os erros até então ocorridos, de forma que a salvação do mundo passa por expurgar o político, a soberania do estado passa para o mercado travestida pela ‘governança’ e dissimulada na ‘colaboração’ público-privada.

A luta política é mitigada com a descentralização e a delegação, com a ‘colaboração’ do setor privado. Tudo se transforma em mera questão administrativa, de gestão. Tudo se reduz a alcançar metas e o orçamento tem que se submeter a avaliações de, entre outras coisas, eficiência. O que é feito a partir de modelos, e sob supervisão, de organismos a serviço do imperialismo, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A palavra que melhor define o cerne dos modelos é austeridade, econômica e fiscal, ou seja, um controle do orçamento público que visa a reduzir ou eliminar políticas sociais – ao que se dá o nome de ‘controle dos gastos públicos’, privatização, fim de serviços públicos de saúde e educação, desregulamentação das relações de trabalho, precarização, desemprego, eliminação de garantias, sem aumento de impostos que afetem a burguesia.

Na prática, o neoliberalismo, que se tornou quase política única no mundo capitalista, significa um aumento sideral da desigualdade, pauperização, desemprego, falta de proteção ao trabalhador e ao cidadão, impossibilidade ou dificuldade de se aposentar (com valores cada vez menores), privatização total dos serviços de saúde e educação, eliminação da assistência social, impossibilidade de acesso a saneamento básico, casa própria….

A última etapa da atual crise histórica do capitalismo mundial, iniciada com a crise financeira de 2008[2], ainda não chegou no seu ápice, mas apenas tem sido contida, à custa da vida de milhões de seres humanos, à custa do enriquecimento dos já absurdamente ricos. O colapso dos mercados foi de tal ordem que tanto o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA), como o Banco Central Europeu (BCE) se viram obrigados a injetar centenas de bilhões de dólares e a baixar as taxas de juros.

Enquanto a União Europeia injetou mais de 1 trilhão de Euros na economia (além da compra de títulos do Banco Central Europeu na faixa de 2,6 trilhões de Euros) –  sem que uma parte mínima disso chegasse até os mais pobres, o governo dos Estados Unidos usou, a fundo perdido, US$ 700 bilhões em dinheiro público para salvar o sistema financeiro. Nenhum banqueiro foi punido, mas milhares perderam suas casas e ficaram endividados.

Em nenhum momento, os economistas burgueses, como já tinha identificado Karl Marx no século XIX, cogita em relacionar a crise com o próprio capitalismo. Fala-se em desaceleração da economia global, como se fosse um problema ocasional, talvez o uso de modelos e medidas erradas. A austeridade continua sendo o remédio único e necessário, embora amargo.

O próprio Fundo Monetário Internacional culpa a guerra comercial, um abstrato e limitado espaço para uso de políticas, os riscos geopolíticos (como se não fossem consequências), os níveis crescentes de endividamento (provocado por acordos chancelados pelo próprio FMI) e ‘vulnerabilidades financeiras’, pela continuidade e piora do quadro crítico da economia global.

Os causadores da crise, portanto, a continuam alimentando, buscando salvar apenas a si mesmos, propondo os mesmos amargos remédios (para os países em desenvolvimento e para os mais pobres), sem admitir em momento algum que as reações violentas às políticas econômicas por eles chanceladas, que se espalham mundo afora, tenham de fato relação com o neoliberalismo, com a crise atual do capitalismo.

Na Europa, os países do Sul foram os mais duramente afetados pela crise econômica naquele continente, e a resposta foi a mesma de sempre: a aplicação de políticas de austeridade, sendo os setores da saúde, educação e de seguridade social os que sofreram mais cortes. A Grécia, que praticamente condenou seus idosos à morte com sua política de austeridade é um exemplo paradigmático. Mas temos Portugal (ligeiramente recuperada) e Espanha como exemplos que reagiram, ao menos parcialmente, de forma diversa aos efeitos da crise.

Com a crise global, refletida no aumento do fluxo migratório, esses três países, mais a Itália, fizeram severos cortes, incluindo as políticas que beneficiavam os migrantes. Enquanto Portugal e Grécia ficaram sujeitos a uma intervenção externa da Troika[3] a fim de controlar as despesas públicas. Espanha e Itália, por sua vez, ao partilharem políticas regionais fortes não assinaram nenhum memorando de rendição total à Troika. Por outro lado, tiveram que introduzir medidas pontuais e de autorregulação.

Mas até mesmo países como a Inglaterra foram afetados, com a paralisação da atividade industrial, baixa geração de emprego – além de falta de perspectiva entre trabalhadores jovens sem experiência e da força de trabalho de idade avançada.

Na América Latina, as consequências da crise demoraram a se fazer sentir, mas agora vemos explodir a própria reação popular a elas. As mais recentes ocorreram no Equador, cuja população de maioria indígena fez o governo neoliberal de Lenin Moreno recuar em algumas políticas de aumento de preço de combustíveis, mas que ainda promete muito estrago no país com seu pacote de austeridade e privatização.

O Chile é o caso mais relevante no momento porque foi o primeiro país no subcontinente a ser submetido a uma transformação radical, desde o golpe de 1973, que derrubou o “socialista” Salvador Allende, e instalou uma ditadura com política econômica importada de Chicago.

Praticamente tudo foi entregue à iniciativa privada: não há sistema de saúde pública, a educação é quase totalmente privada, o sistema de pensões é privado (por meio de capitalização), que transformou os idosos em miseráveis e retirou da população qualquer perspectiva de futuro, graças a altos índices de desemprego ou de empregos precarizados, com baixos salários e aposentadorias irrisórias, dificuldade ou impossibilidade de pagar pelo ensino superior e acesso oneroso a médicos e medicamentos.

A população se levantou contra décadas de políticas de austeridade e de pauperização, com níveis de desigualdade e quase estagnação no que diz respeito à mobilidade social. A consciência da superexploração dos mais pobres e o enriquecimento obsceno dos já ricos promete manter as ruas em tensão crescente.

O Peru encontra-se nesse momento em estado de tensão permanente, em uma crise política que não é estranha no continente. Lembrando que, em 1992, o então desconhecido Fujimori, um golpe impôs uma ‘governança’ neoliberal ao país, legitimada pela Constituição de 1993, que culmina em um conjunto de governos fracos – e uma fracassada transição democrática (2001), cuja falsa estabilidade se pôs em frangalhas com (como aconteceu no Brasil) uma série de denúncias de corrupção que envolvem todos os ex-presidentes, ex-candidatos à presidência, os três poderes do Estado e grupos empresariais.

Essa profunda crise política, com direito a renúncia de presidentes, pedido de prisão de outros, incluindo o suicido de Alan Garcia, fechamento do parlamento etc, reflete a luta da extrema-direita para retornar ao poder. A população ensaia reações, com convocações de greves e manifestações.

A Colômbia que mantém governos de direita a mais tempo, com a militarização tendo sido naturalizada com a desculpa do enfrentamento da guerrilha, e com a presença norte-americana no país sob desculpa do combate ao narcotráfico, tem sido paulo de manifestações de trabalhadores e  estudantes, principalmente universitários, em todo o país, protestando contra a corrupção para pressionar o governo a cumprir  acordos para a área.

Some-se a isso a violência contra antigos membros das Farcs, a volta de grupos armados, em um país totalmente submetido ao imperialismo norte-americano, vemos o barril de pólvora que brevemente pode ser acesso.

Enquanto isso, na Argentina, vemos um país destroçado por mais um governo neoliberal, que com apoio externo, elevou a miséria do país a níveis jamais vistos (e a Argentina já conheceu tempos muito ruins). As mesmas receitas: privatização, desregulamentação, precarização do trabalho, redução das aposentadorias, redução ou eliminação do orçamento para políticas públicas sociais, aumento de preços etc.

Os argentinos fizeram diversas greves/paralisações, enfrentaram a violência do estado com perseverança, e devem destituir o presidente Macri, nas próximas eleições. Não há no horizonte mudanças profundas, mas há uma resposta da população às políticas de austeridade.

A Bolívia acaba de reeleger Evo Morales que levou o país a níveis permanentes de crescimento e implementou políticas sociais de peso, dando uma feição indígena, se podemos assim dizer, ao governo do país – inclusive claramente descrito em sua nova Constituição.

Como a burguesia sabia que perderia mais uma eleição para Evo Morales, e assim como aconteceu no Brasil, no Equador, em Honduras, no Paraguai e em outros países do subcontinente, ela optou por abandonar a máscara de democrata e usar de violência e do seu poder econômico para retornar ao poder. Acusa as eleições de fraudulentas, usa a imprensa para atacar os governos mais progressistas e financia tumultos e ações terroristas, como fez na Venezuela.

O Brasil, com o golpe de 2016, acelerou as receitas neoliberais para o país, com Temer e  Bolsonaro, eleito em um pleito fraudulento. Retirada de direitos e garantias para o trabalhador, austeridade fiscal (que significa na prática garantir o pagamento da dívida e limitar investimento no país), privatização, desemprego, precarização do trabalho, eliminação de políticas sociais e de proteção social, desindustrialização, abertura do mercado para capital estrangeiro etc.

Além disso, claro, o tom fascista do governo de extrema-direita detonou de vez o pouco que restava da já falida democracia representativa, agora uma caricatura de circo mambembe, com direito a censura, perseguição, assassinatos, ameaças públicas, inclusive de fechamento do regime.

O ataque à Venezuela e à Nicarágua,  o golpe no Brasil, o golpe dissimulado no Equador e na Argentina – com a participação ativa da imprensa burguesa, com a criminalização da política e das esquerdas e movimentos sociais, o golpe escancarado em Honduras, o golpe no Paraguai com seu falso impeachment, tensão no Panamá, Guatemala, ameaça de mudanças políticas no Uruguai, tudo isso não pode ser compreendido fora dos interesses econômicos do imperialismo. Ao mesmo tempo, as políticas neoliberais que proliferaram no continente mostram que o capitalismo não contém sua crise, e que a reação popular tende a aumentar muito, como já aconteceu em Honduras, no Equador, no Chile, na Argentina, na Venezuela (de forma distinta, como reação a golpes da direita)…

A questão da Catalunha igualmente não pode ser avaliada corretamente se pensada como um problema interno, da Espanha, ou meramente decorrente do identitarismo catalão.

O problema é complexo, mas passa igualmente pelo fato de a região, que tem 16 % da população do país, ser subjugada pelo governo central como vem sendo. Embora tenha um território correspondente a 6,3% do país, a Catalunha tem um desempenho econômico excelente quando comparado a outras regiões. As atividades na região respondem por aproximadamente 20% do PIB da Espanha – o que chega a representar R$ 1,19 trilhões para a economia espanhola.

Os separatistas reclamam que a região recebe repasses pequenos do governo central, além de serem penalizados com impostos exagerados por sua posição econômica.

Em pleno século XXI, os catalães se veem ameaçados pela polícia e pelo judiciário nacional de forma continuada e efetiva, com perda de direitos, condenações e prisões. A população se organiza de diversas formas e movimentos, mobilizando-se para protestos, até agora pacíficos, mas a situação tem ficado cada vez mais incontrolável desde que a Suprema Corte da Espanha condenou à prisão várias lideranças políticas.

Do mesmo modo, a crise migratória, ainda não contornada, continua gerando tensão e deve piorar junto com o péssimo desempenho econômico dos países europeus.

Seja lá o nome que se dê às crises: humanitária[4], migratória, política… elas são reflexo ou não podem ser entendidas plenamente fora do quadro da crise maior que é a do capitalismo.

____________________________

NOTAS:

[1] MARX, Karl. Grundrisse.

[2] Ela foi denominada de Crise do subprime, uma crise financeira que tem origem em julho de 2007, com a queda do índice Dow Jones que, por sua vez, foi motivada por concessão de empréstimos hipotecários de alto risco (subprime loan), o que levou muitos bancos à insolvência. Obviamente, o impacto nas bolsas de valores ao redor do mundo foi estrondoso. Cf.: BRESSER-PEREIRA, L. C. (2010) e  FREITAS, M. C. P. (2008).

[3] Que é composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

[3] Aqui estamos pensando no que sofrem países africanos e do Oriente Médio, como Iemem, Somália, Ethiopia, Afeganistão….

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