Nesta semana, o governador maranhense Flávio Dino (PCdoB) foi às redes sociais para defender o Supremo Tribunal Federal (STF) depois dos ataques do bolsonarista Daniel Silveira (PSL) à Corte. Juntando-se a outros parlamentares da esquerda nacional, Dino decidiu entrar na defesa apaixonada das instituições “democráticas”, como se tal coisa fosse algum avanço na luta contra a extrema-direita.
Logo após o ministro golpista Alexandre de Moraes ter ordenado a prisão de Daniel Silveira, Flávio Dino falou o seguinte:
“Decisão histórica do STF, em defesa da Constituição. Espero que sirva de mensagem para todos que fazem apologia de crimes e criminosos, tais como golpe militar, tortura, etc. E que venham outras decisões em defesa da democracia, ameaçada por milicianos, insanos e extremistas”.
Se de fato a prisão de um deputado bolsonarista for uma “decisão histórica”, há apenas duas conclusões possíveis: ou o STF nunca havia sido atacado e, por isso, a Corte teria demonstrado estar preparada para sempre reagir à altura dos acontecimentos, ou o STF sempre ignorou as ameaças que recebeu e resolveu, dessa vez, agir. A primeira hipótese é absurda, uma vez que inúmeras figuras da extrema-direita já xingaram o STF e defenderam o seu fechamento por uma intervenção militar. O cantor Lobão, impulsionado pelo imperialismo para fazer campanha contra o governo do PT, chegou a divulgar onde um ministro do STF morava para que ativistas da extrema-direita fossem ameaçá-lo.
Em nenhum desses casos o STF emitiu qualquer ordem de prisão. Pode-se concluir, portanto, que, para Flávio Dino, a tal “decisão histórica” se deve ao fato de que o STF teria, por algum motivo inexplicável, mudado a sua política em relação às ameaças que sofre. Ou seja, que apenas neste momento o STF teria agido de acordo com base em princípios democráticos. Tal conclusão, entretanto, não procede.
Em abril de 2018, o então comandante do Exército, o general golpista Eduardo Villas Bôas, utilizou as redes sociais para ameaçar o STF. Naquela época, a Corte estava prestes a julgar o habeas corpus do ex-presidente Lula. Como o tribunal estava dividido e a ministra que teria o voto decisivo, Rosa Weber, já havia se posicionado contra a prisão após condenação em segunda instância, Villas Bôas deu o seu recado:
Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) April 3, 2018
Para bom entendedor, meia palavra basta. E como todo o mundo sabia o que estava em jogo naquela semana, todos entenderam que, se Rosa Weber defendesse o habeas corpus de Lula, Villas Bôas colocaria os tanques na rua.
O STF inteiro ficou calado naquela época. Ninguém cogitou a prisão do comandante do Exército. Recentemente, Villas Bôas confirmou, por meio de um livro de entrevistas, que sua “mensagem” foi publicada em comum acordo com toda a cúpula das Forças Armadas. Quando o cínico ministro Edson Fachin demonstrou espanto, Villas Bôas ainda debochou da “demora” para alguma reação: “3 anos depois”.
E o que disse Flávio Dino naquele momento? Nenhum pedido de prisão, nem qualquer punição ao general. Muito pelo contrário. O governador se limitou a criticar moralmente Villas Bôas:
“Em nenhuma democracia do Planeta um comandante do Exército se pronuncia nesse tom às vésperas de um julgamento importante da Suprema Corte. Obviamente ultrapassa a missão institucional das Forças Armadas, que não estão acima dos 3 Poderes constitucionais”.
Haveria alguma diferença entre um caso e outro, que faria Flávio Dino sair em defesa da punição hoje e fechar os olhos para as ameaças em 2018? O pior é que existem diferenças, mas que tornam a política de Flávio Dino ainda mais aberrante.
No caso de Daniel Silveira, a ameaça parte de um mero deputado, que não controla qualquer setor social importante. Nem mesmo sobre a militância de extrema-direita bolsonarista Daniel Silveira tem controle. Ele pode rosnar e prometer tomar conta do País inteiro, mas não tem qualquer poder real para isso. Já com Villas Bôas, trata-se do caso oposto. Como comandante do Exército e, ainda mais, tendo o aval de toda a cúpula, o general teria plenas condições de dar um golpe militar no País. E, na medida em que o STF admitiu isso, houve um golpe militar virtual. Bastou o general usar as redes sociais que forçou o Estado a seguir a sua política.
O STF aceitou as ameaças do Exército porque, no fim das contas, a Corte é comandada pelo Exército. Quando Dias Toffoli foi presidente do STF, as Forças Armadas colocaram um general para lhe tutelar. Outro golpe militar, uma vez que um dos principais objetivos disso era impedir que Dias Toffoli, que havia se posicionado a favor do habeas corpus de Lula, pudesse fazer alguma coisa que resultasse na soltura do ex-presidente. O STF aceita calado a tutela porque a cúpula das Forças Armadas responde aos mesmos patrões do STF: o imperialismo. Não é à toa que, durante a ditadura militar, as Forças Armadas fecharam o Congresso, mas não o STF…
Se o STF é uma instituição que representa se curvou às ameaças dos militares, então não pode ser uma instituição que combata seriamente a extrema-direita. Pior: quando aparenta combater a extrema-direita, está levando adiante uma política que leva justamente aonde a extrema direita quer chegar: a uma ditadura.
No caso, é bem claro o interesse. O STF, em primeiro lugar, usou a prisão de Daniel Silveira para se recuperar de sua própria desmoralização, na medida em que Villas Bôas escancarou o golpe virtual de 2018. Em segundo lugar, a Corte está contendo um setor da burguesia que pretende ter uma maior independência dos setores tradicionais da burguesia, que é o bolsonarismo. Por fim, os ministros ainda avançam na sua sistemática retirada de direitos democráticos desde o golpe de 2016.