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Coronavírus

“É o povo da favela que está morrendo”

Gilson Rodrigues, coordenador do G10 das Favelas e líder popular em Paraisópolis, em entrevista exclusiva à COTV, denunciou a situação na periferia, negligenciad durante a pandemia

Na última quarta-feira (27), o programa Página 1, da Causa Operária TV, entrevistou Gilson Rodrigues, coordenador do G10 das Favelas e líder popular em Paraisópolis. Reproduzimos aqui alguns momentos dessa importante entrevista, que trata fundamentalmente o abandono do povo nas favelas e da necessidade de se mobilizar diante do descaso do Estado e meio à pandemia.

Situação nas favelas

 

Conforme vem sendo denunciado neste Diário, a situação nas periferias é de total abandono por parte do Estado, o que impossibilita, na prática, que qualquer medida efetiva seja tomada para combater o coronavírus. Sobre isso, disse Gilson Rodrigues:

O problema da pandemia, neste momento, evidencia os problemas que a favela vem sofrendo Há muitos anos, que é o problema de infraestrutura, o crescimento desordenado, a falta d’água, as áreas de risco. Isso tudo está evidenciado mais nesse momento diante da situação da pandemia, porque as recomendações que são dadas para a população nas periferias em Paraisópolis, nas periferias do Brasil, é praticamente impossível de serem feitas, porque está faltando água na favela, as pessoas moram de maneiras aglomeradas, com casas pequenas e famílias bastante grandes, então por conta disso é difícil fazer isolamento.

Dois “brasis”

 

Segundo descrito pelo líder comunitário, o País hoje está dividido basicamente em dois segmentos distintos, entre os que podem e os que não podem fazer uso do isolamento social:

A situação já é grave pra gente, né, porque 34 mortes aqui já é bastante coisa pra essa população que precisa de apoio neste momento. O que eu tenho visto é como se nós estivéssemos vivendo dois Brasis. O Brasil que pode ter acesso ao home office, à sua quarentena, ter acesso à máscara e álcool gel enquanto olha pra janela e vê lá embaixo milhares de pessoas lotando os ônibus, sem acesso à água, morando em cima do córrego e onde a fome já começa a chegar. Então, nós precisamos criar uma condição no Brasil para que todos os brasileiros possam superar essa pandemia.

Como Paraisópolis está “se virando”?

A grande maioria da população pobre no País, que está sendo a mais atingida neste momento, seja por meio de demissões, seja por meio do empobrecimento em geral. O abandono do Estado, neste sentido, é uma condenação à morte. Para evitar que a situação piore ainda mais, os moradores de Paraisópolis estão procurando “se virar”:

Concretamente não existe essa situação de isolamento aqui em Paraisópolis por alguns motivos. O primeiro, concretamente, é porque muitos de nós continuamos a trabalhar diariamente. Nossa população, em sua maioria aqui, elas trabalham na área de serviços, então esses serviços [como] supermercados, farmácias, trabalhadores domésticos, no geral, foram poucos os que pararam. Muitos foram demitidos e aqueles que continuaram a trabalhar e estão indo todos os dias. Não é à toa que nós estamos vendo ônibus e metrôs lotados. É povo da periferia que tá tendo que trabalhar, enquanto muita gente tá em casa curtindo a sua quarentena como se estivesse de férias, então é uma realidade diferente aqui pra nossa população. Ainda assim as pessoas que foram demitidas e que estão, em tese, podendo ficar em casa, elas ficam numa condição bastante complicada, porque as casas são pequenas. Quando tá calor, tá muito calor, quando tá frio, tá muito frio. Famílias, muitas vezes, como muitas crianças… Então, essa tensão de ficar em casa, ela gera outras tensões na comunidade, seja com relação a violência doméstica, violência com relação à criança, então ela gera conflitos de alguma forma. É o que a gente tem percebido: o aumento disso, né?! Ao mesmo tempo que não se tem uma condição que garanta que a pessoa que precisa fazer isolamento, possa fazer. Aqui em Paraisópolis nós criamos uma iniciativa que faz casas de acolhimento. Nós ocupamos uma escola aqui da comunidade, reformamos [a escola], e nós estamos abrigando pessoas que estão testando positivo, para que elas possam fazer o isolamento nesse espaço.

 

O “lockdown”

 

Outro tema discutido por Gilson Rodrigues foi o da repressão do Estado, que sempre está presente nas favelas, mas que se tornou ainda mais agressiva com as medidas ditatoriais do “lockdown”:

Quando chega o Estado, é uma situação de repressão. É uma situação em que a comunidade é tratada como delinquente, marginal… Nós estamos vivendo uma situação da pandemia agora, mas ainda nem saímos do luto do assassinato dos nove jovens que foram encurralados, pisoteados e mortos pela polícia em primeiro de dezembro. Então, esse tema está esquecido pela pandemia, mas que perdeu seus filhos não esquece. A nossa comunidade não esquece do que aconteceu. Ainda mais, de que a alegação principal foi legítima defesa, então, nós queremos justiça pra essas famílias e a presença do Estado, que não seja só uma repressão policial, mas com educação, saúde, cultura. Porque diante dessa pandemia nós estamos abandonados. Vamos ter que esperar outra pandemia, outra crise para poder pensar em como resolver os problemas, e resolver os problemas?! Nós não podemos viver de crise, em crise, de morte em morte, pandemia em pandemia. Você veja, por exemplo, a situação dos nossos companheiros lá do Rio de Janeiro, têm sofrido com as mortes, como os assassinatos dos seus filhos ainda jovens lá. Então, é um absurdo o que estão fazendo com o povo na favela, que além de uma situação de ausência de Estado, ainda tem que sofrer com essa situação da polícia, né?!

 

Desemprego

 

O desemprego é um problema muito marcante na favela de Paraisópolis. Segundo o próprio Gilson Rodrigues, 85% dos presidentes de rua, como são chamados os responsáveis pela coordenação da própria comunidade no combate ao coronavírus, estão desempregados:

O que estamos vendo é que, de cada 10 pequenas empresas, 6 vão fechar. Então esta é uma realidade, e que significa que milhares de pessoas, milhões de pessoas vão ficar desempregadas. Já éramos, antes da pandemia, 13 milhões de desempregados, então esse número vai subir bastante. Vem aí uma recessão, vem uma fome muito grande e nesse momento em que a gente olha e procura uma referência de governo, de política pública a gente não vê nada. A gente só vê o arrochamento do que já acontece no dia a dia, que é mais pressão, é menos direitos, é menos acessos a serviços e menos oportunidades.(…)

A minha sensação é que é uma média mais alta pra o momento, né?! Nós estamos considerando que chegar numa média tão alta quanto essa, na comunidade no geral, talvez no Brasil, a gente possa chegar a uma parcela gigante da população de desempregados. Já era um número [expressivo]… treze milhões de pessoas desempregadas no Brasil é muita gente, pode ser que isso dobre, então isso é uma situação bastante agravada. Em Paraisópolis, nós temos uma situação de agravamento ainda maior, porque 21% da população que trabalha, trabalha no nosso comércio local, e o restante trabalha na área de serviço como diarista, ou são ambulantes, ou são pessoas que dependem do trabalho diário para sobreviver. Essas pessoas, coma a quarentena, elas são obrigadas a ficarem sem trabalho. As diaristas, que é fazem se não estão sendo chamadas para trabalhar, ou os ambulantes que não tão podendo circular por aí.

 

Mobilização

 

Em relação à mobilização, Gilson Rodrigues fez questão de deixar claro que, mesmo diante das limitações que a situação impõe, é necessário sair às ruas. O líder ainda relatou como foi o protesto organizado por uma das maiores favelas do país:

 

Durante a pandemia a principal preocupação é como é que a gente consegue se manifestar pra poder ser ouvido, né?! Já antes da pandemia nós sofremos com uma série de problemas e manifestarmos já era muito difícil ser ouvido, imagine a gente numa pandemia em que não pode fazer aglomeração, que tem que evitar reuniões e grandes passeatas, né?! Então nos tira, nesse momento, uma situação que é o nosso forte principal. Não dá pra parar a Giovanni Gronchi, não dá pra parar a Avenida Morumbi. À princípio nós pensávamos assim, mas se a gente não parar, dificilmente as pessoas vão saber o que tá acontecendo aqui, que as pessoas tão tendo necessidade. Então, nós decidimos fazer um conjunto de manifestações, mas fazer ela uma manifestação organizada. Então, tem que ter distanciamentos, tem que usar máscara, tem que usar luva… Nós criamos essa manifestação, demos condições para a população para que ela possa fazer essa caminhada e temos ido constantemente buscar falar com os governos para que eles criem uma política pública pras comunidades. Então nós tivemos recentemente, na última segunda-feira, sem ser ontem, na semana passada uma manifestação grande levando os presidentes de rua até o palácio do governo para falar com o governador João Dória e com o prefeito Bruno Covas que estavam lá no prédio por conta de uma coletiva de imprensa. Eles têm feito coletiva de imprensa apenas para apresentar resultado de morte e nunca resultado de vida, são só covas sendo anunciadas e mais covas (?), nós queremos ter notícia de vida e soluções pra favelas. Mas a realidade é que chegamos perto do palácio,
fomos impedidos de passar na Avenida Morumbi por uma operação de guerra para barrar o povo de chegar até o palácio. Sequer fomos recebidos pelo governador, mas nós entendemos bem a resposta. De que neste momento a saída que tá sendo construída é da própria comunidade, da própria sociedade que tem tomado as rédeas do projeto de controle à pandemia, de apoio. Porque o governo só tá pensando em eleição, estão batendo cabeça uns com os outros sem pensar numa solução efetiva pra população que mais precisa. Então, o nosso prefeito, nosso governador e presidente são os nossos moradores voluntários, que são os presidentes de rua, que têm apoiado nossa comunidade nesse momento, nesse contexto. O governo tem que fazer a parte dele, mas infelizmente não tem feito e, à princípio, não vai fazer, então a comunidade tem se reunido, tem mobilizado e vamos continuar trabalhando.
Esse exemplo dos presidentes de rua que surge aqui em Paraisópolis hoje está sendo replicado
em trezentos e sessenta e cinco comunidades, favelas do Brasil inteiro em catorze estados,
então é a sociedade dando mais um exemplo de mobilização, de organização onde doze
iniciativas diversas que vão desde a contratação de ambulância, formação de socorrista,
montagem de casa de acolhimento, de montar projetos ligados à alimentação e distribuição de
marmitas, distribuição de máscaras… Então, são várias iniciativas que foram construídas em 34
dias pela própria comunidade. O governo, em 67 dias, não conseguiu construir

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