Em seu artigo de balanço do aniversário de quatro anos do golpe de 2016, Valério Arcary, dirigente do Resistência/PSOL, reintroduz uma tese ultra-sectária bastante difundida na esquerda pequeno-burguesa: a de que o golpe teria acontecido por culpa de Lula e do Partido dos Trabalhadores. Seguindo a tradição dos agrupamentos morenistas, como o PSTU, Arcary procura explicar o golpe a partir de uma falta de compromisso de Lula com as esperanças do povo.
Logo no início de seu texto, Valéria Arcary nos apresenta a seguinte interpretação da história política recente:
“Lula conquistou, entre 1978 e 1989, a confiança da imensa maioria da vanguarda operária e popular. A proeminência de Lula foi uma expressão da grandeza social do proletariado brasileiro e, paradoxalmente, de sua inocência política. (…) Um gigante social muito combativo, mas embriagado de ilusões reformistas. Uma imensa expectativa de que seria possível mudar a sociedade sem um conflito de grandes proporções, sem uma ruptura com a classe dominante, era majoritária, e a estratégia do “Lula lá” embalou as expectativas de uma geração. O sonho se realizou com a vitória eleitoral de 2002, mas virou um pesadelo treze anos depois”.
Como veremos mais na frente, o dirigente do PSOL dirá que o “pesadelo” é o que levou ao golpe. Antes de chegar a esse ponto, é preciso esclarecer, desde já, que a eleição de Lula em 2002 nunca significou a possibilidade de a classe operária tomar o poder e realizar mudanças profundas na sociedade. Lula chegou à presidência após três eleições bastante fraudulentas e controladas firmemente pela burguesia. Em 2002, a burguesia permitiu a vitória eleitoral de Lula porque, em primeiro lugar, o desgaste do governo de Fernando Henrique Cardoso tinha praticamente liquidado a direita, e porque, em segundo lugar, o PT já estava completamento integrado na política de frente popular. Desde 1989, Lula teve como candidato a vice-presidente um elemento da burguesia, o que mostra que a política de Lula sempre foi reformista.
Lula nunca prometeu, em troca de votos, fazer uma revolução no País. Se Arcary tinha essa expectativa, não pode creditar seu erro de análise à política do ex-presidente. Mesmo tendo seguido uma política reformista, limitada, Lula foi, por meio da experiência, se dando conta de que seria necessário mudar de postura para sobreviver diante da ofensiva golpista. E se a direita teve um relativo sucesso em derrubar o governo de Dilma Rousseff e em colocar na cadeia o ex-presidente Lula, isso não se deu por causa das características dos governos petistas, mas sim por razões muito mais complexas.
O golpe aconteceu porque o imperialismo conseguiu se sobrepor à luta dos trabalhadores contra o golpe. Mesmo com várias manifestações contrárias ao golpe, que foram bastante importantes para retardar o processo, os trabalhadores não conseguiram reunir todas as suas forças para derrotar a burguesia. E isso não aconteceu, sobretudo, porque as direções da esquerda nacional, pressionadas pelos seus setores pequeno-burgueses e direitistas, vacilaram em organizar a reação contra o golpe. Arcary, no entanto, não considera que esses setores tenham sido um peso contra a luta política, creditando as derrotas a política do ex-presidente Lula:
Assim como o PSTU e a imprensa burguesa, o dirigente do PSOL chega à conclusão, portanto, que “a culpa é do PT”. Até mesmo por ter sofrido um golpe. Mais do que uma análise equivocada, isso demonstra a posição que Valério Arcary ocupa na política nacional: a crítica ao PT serve apenas para ocultar o fato de que ele nunca esteve envolvido na luta contra o golpe. Na época em que a direita preparava o golpe, inclusive, Arcary chegou a declarar que o imperialismo não queria o golpe. Arcary, portanto, não reconhece o papel da pequeno-burguesia em travar a luta contra o golpe porque, ele próprio faz parte dessa classe.