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A inércia por trás do discurso

Doze cidades da Grande SP não têm leitos de UTI

"Indeciso" sobre a quarentena e seus limites, Dória mostra que fala para ouvidos desejantes, mas seu obscuro "Plano São Paulo" é um só: falar muito, não agir nada e deixar morrer.

Em pouco mais de duas semanas, o número confirmado de mortos por COVID-19 mais do que triplicou na cidade de São Paulo. O número de novos casos suspeitos mais que quadruplicaram. Do dia 9 de abril ao dia 27, o número confirmado de óbitos passou de 422 a 1.337. Se forem considerados os casos suspeitos, o salto é de 1.110 para 3.030. Mais um dado aterrador é que, nesta última quarta-feira (29), o estado teve, oficialmente, 198 mortes em 24 horas. Ao mesmo tempo, a Grande São Paulo já tem 85% dos leitos de UTI ocupados, segundo secretário Estadual da Saúde, José Henrique Germann. O Hospital das Clínicas, por exemplo, contava com 92% de seus leitos ocupados já no dia 20 de abril. Hospitais públicos da periferia – Parelheiros, Itaquera, Ermelino Matarazzo, Tiradentes e outros- já registravam então ocupação total de seus leitos.

No início da epidemia, em parceria com a Universidade de Harvard e o Ministério da Saúde, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) havia dado inclusive uma data específica para que os leitos começassem a lotar: 19 de abril. A previsão não concretizou-se com atraso. Desde então, apenas novas promessas de leitos circulam discursivamente, para o desespero dos paulistas e paulistanos – especialmente os que depende da rede pública. Mesmo tendo tal previsão em mãos, a prefeitura de São Paulo havia determinado apenas no dia 16 de abril (três dias antes da catastrófica previsão se concretizar) que os hospitais privados passassem a enviar diariamente informações sobre a disponibilidade de leitos em suas unidades – vejam, apenas “informar”, e não providenciar os leitos. Antes disso havia apenas uma “diretriz” de 31 de março, por parte do estado, que “orientava” os hospitais privados ao preenchimento de formulários online com dados de pacientes com COVID-19.

Por volta destes mesmos mencionados dias – mais especificamente no dia 22 -, quando os dados já se apresentavam conforme demonstrado, assim como as tendências, João Doria já anunciava, com o “Plano São Paulo”, a possibilidade de reabertura da quarentena, um “talvez sigamos, talvez não”, sinalizando ao mercado e à indústria que estava disposto a jogar conforme a opinião generalizada, seja ela qual for, de acordo com a massa que estiver melhor lhe ajudando a fazer frente a seus atuais inimigos políticos – visando, obviamente, uma vida longa e mais poderosa no cenário federal (talvez uma presidência em 2022?). Tanto faz para João Doria se essa massa for, numa semana, o empresariado que deseja boa parte da indústria seguindo a todo vapor e o sacrifício dos trabalhadores, e na outra, uma larga camada da população que já não tem confiança no delírio de Bolsonaro de que tudo pode voltar à “normalidade”, enquanto os empresários se contentam em defender a quarentena parcial, mandar empregados para casa, desde que possam saquear o Estado via Banco Central (diante dos não mais falsificáveis números da pandemia, novas falsificações são necessárias, mesmo que o objetivo siga o mesmo – inclua-se nessa massa, portanto, este mesmo empresariado que havia alegado que “não poderia parar”).]

Mesmo que já não houvesse cabimento algum julgar que havia a possibilidade de uma “normalidade” num horizonte tão próximo como 11 de maio, naquele momento esta era a pressão que vinha do lado que Doria não desejava deixar descontente. Dizia que, caso o isolamento se mantivesse acima de 50%, a abertura seria perfeitamente possível, acenando no palanque que se tratava, em verdade, de jogar bem com os números para manter o apoio popular. E por que? A estratégia é simples. Doria e Covas sabiam da provável manutenção de uma baixa porcentagem no isolamento. Não é necessário pensar demais: por um lado, o governo federal e o bolsonarismo está exercendo uma fortíssima pressão ideológica, cartada que é nuclear em seu programa, de movimentação contínua, e usando de todas as suas armas para o retorno da “normalidade” do trabalho e a negação da pandemia. Estas armas são um clamor popular de mais de 30% de brasileiros bem organizados e mobilizados, e uma elite empresarial que, ela mesma, não deseja revelar à população que pouco se importa com quantos irão morrer e sob qual discurso, desde que morram e que eles possam lucrar com isso independente do resultado – não é sem motivo que, para ela, o embate entre Doria e Bolsonaro é muito benéfico: escudos e bodes expiatórios para que sigam por trás das cortinas; Por outro lado, temos a informalidade de um gigantesco número de trabalhadores aos quais a quarentena é negada, além de muitos setores não paralisados, mesmo que formais, que seguem normalmente, mesmo com força de trabalho reduzida. Estes setores são, obviamente, ocupados pela parcela mais pobre da população e que, nas condições sociais e econômicas, previsivelmente não podem e nem irão integrar-se na porcentagem isolada (tampouco na porcentagem que será atendida nos hospitais). Assim, Doria pode cumprir em palavra o que sabe que não pode cumprir na prática e, ao mesmo tempo, agradar “gregos e troianos”, em meio ao sacrifício de milhares de escravos entre os dois polos. Tampouco deseja de fato cumprir, já que o isolamento indicado, se forem consultadas as reais exigências para conter a epidemia, é de 70%: praticamente impossível (e mesmo que fosse, jamais seria aceito pelas elites paulistanas ou sequer praticável sem uma revolução social proporções imprevisíveis).

Como fica nítido, temos aí o grito de guerra bolsonarista contra a ameaça de um “centrão” tentando não ser varrido do cenário e que se oferece como uma nova conciliação para as massas entre as oligarquias econômicas e os trabalhadores. Do lado deste “centrão”, que já se considerava condenado (e capitulara à extrema-direita sem problemas), a pandemia lhes deu uma oportunidade de encontrar um cantinho ao sol gelado do fascismo, uma esperança mórbida da direita contra a extrema-direita (por isso, só “levantou a voz” contra o bolsonarismo, de fato, neste novo cenário): eles “oferecem”, então, quarentena – esta para acalmar a pequena-burguesia e partes da alta-burguesia que já abandonaram o bolsonarismo, justamente por não conseguirem mais negar a ameaça do vírus e por não desejarem se associar ao suicídio econômico (e físico) – para a pequena e média burguesia, não para a alta – que seria o retorno total e incondicional a todas as atividades, temendo os atuais e já não mais tão livremente manipuláveis números do COVID-19 (além de poder contar com a esquerda liberal neste acordo); e também há trabalho explorável que não para e nem irá parar (os “braços indispensáveis”, obviamente, dos pobres) e acumulação radical de riqueza não precisa ser impedida (seguem as propostas privatistas e os acenos de submissão neoliberal, inclusive no setor da saúde) – afinal, uma minoria será protegida, e a maioria pagará, com o sangue, o custo desta proteção; uma combinação astuta… seguirá o policiamento brutal e assassino nas favelas (aliás, com uma lei mais rigorosa de isolamento, ficaria até mais fácil!); seguirá a uberização da economia e o crescimento do trabalho informal, seguirão as privatizações e, assim, os efeitos calamitosos de tudo isso podem ser colocados na conta da pandemia, afinal, também crescerá a incapacidade dos mais pobres de combater a doença, sendo mais uma arma no percurso de seu crescente genocídio (que as elites aprovaram, seguem aprovando e com o qual elas lucram e desejam lucrar).

Com uma política de posicionamento ao lado da “razão” e da “prudência” (apenas em discurso, porque em termos práticos, o máximo da inércia que for possível na administração da pandemia é o plano central) e num embate teatral contra a “irracionalidade” federal e do bolsonarismo, é perceptível, como já dito, que o governador sabe jogar muito bem com sua própria impopularidade atual com Bolsonaro e com os bolsonaristas, apoiadores ferrenhos da abertura total a qualquer custo e que vêm sendo instigados e provocados abertamente (e estrategicamente) por Dória, sendo uma importante causa para a queda do isolamento (junto de outras, produzidas inclusive por momentos em que Dória e Bolsonaro se abraçaram alegremente e juntaram forças). Tudo isso, sem que Dória e Covas sejam expiados pela calamidade que, por trás desse falso bipartidarismo, acontece. Bolsonaro é o fascismo real, mas Dória é o soco no estômago que quer se apresentar desejável quando se tem uma pistola apontada para a cabeça. Dória agora anuncia que medidas mais rígidas de quarentena podem ser tomadas mediante os novos números e o agravamento da crise do setor de saúde, voltando atrás com o tal “Plano São Paulo” (em termos, já que ainda considera a abertura de diversos setores “com o devido cuidado”). O fascismo, aqui, parece ter duas faces contrárias. Mas, no fundo, trata-se de um só rosto por trás de duas máscaras.

Vejamos de que se consiste, concretamente, a performance discursiva desta empreitada do governador e do prefeito conjugada com sua inércia no combate concreto à pandemia. Ao mesmo tempo que os aliados Doria e Covas demonstram sua “racionalidade”, 12 cidades da grande São Paulo não têm leitos de UTI (nem mesmo no setor privado). Juntas, elas somam 825.339 pessoas, já possuem o registro de 364 casos confirmados e 33 mortes. Embu das Artes está em 2º lugar em número de infectados dentre essas cidades, com 105, atrás apenas de Santana de Parnaíba (108), e contabiliza 12 mortos (Santana de Parnaíba registrou 3 mortes). Para se ter uma ideia, Embu das Artes tem 100 mil habitantes a mais do que a cidade de São Caetano do Sul, que é tida tradicionalmente como um “exemplo de IDH” no país. Esta última possui 248 leitos de UTI existentes (contando com os leitos UTI tipo II COVID-19) – contudo, notem: apenas 23 estão disponíveis para pacientes do SUS. Se observarmos outras cidades, algumas inclusive com leitos presentes, veremos que o caos não é diferente. Os hospitais de Santos chegaram a 95% de lotação de leitos de UTI e os hospitais públicos do litoral já atingiram 100% de sua capacidade. A prefeitura apenas agora parece estar “tentando” projetos de parceria fatual com hospitais privados – e veja, apenas “parcerias” -, que inclusive alegaram, oportunamente (o que não significa que seja mentira), que os estados e prefeituras têm levado muito tempo para buscarem seu auxílio. Fica, diante de tantos fatos, impossível não conceber que o que este é o único “Plano São Paulo”: deixar-nos morrer. Seria só um problema “de comunicação”?

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