Há uma clara divisão no interior do bloco político que a burguesia organizou para dar o golpe de Estado no país, com o impedimento da presidente Dilma Rousseff em 2016 e que teve como consequência a eleição de Bolsonaro. Os setores mais importantes da burguesia brasileira, mais estritamente ligada ao capital imperialista e, cujos representantes são os partidos tradicionais da burguesia e os grandes monopólios da imprensa capitalista, encenam uma oposição ao governo federal. Bolsonaro por sua vez permanece sendo apoiado pela parcela mais débil da burguesia, pelo aparato repressivo do Estado e por uma base popular, que torna-se cada vez menor, mas que ainda existe. Todos eles, no entanto, estão unidos contra a esquerda.
No que se refere ao governo Bolsonaro, criou-se um impasse. O apoio que o governo tem em um parcela dos capitalistas, notadamente os pequenos e médio, assim como no aparato Estatal repressivo e a fraqueza desse bloco supostamente oposicionista, do ponto de vista de uma base social, impedem que esses setores, os mais poderosos da burguesia, se lancem a substituir Bolsonaro. O risco de que o tiro saia pela culatra é enorme, seja pela possível proporção que reação dos setores que apoiam o governo pode atingir, podendo desestabilizar por completo do regime, mas principalmente, porque pode abrir caminho, não para que um legítimo representante dessa direita chegue ao poder, mas justamente o contrário, que uma ação enérgica abra caminho para a esquerda.
Assim restou a “estratégia Joe Biden”, aqui denominada frente ampla, que ilumina agora os caminhos da direita tradicional. Sustentam o governo Bolsonaro, aliás obra deles mesmos, ao mesmo tempo em que encenam uma oposição, ora mais contundente, ora menos, em nome da democracia. Dão sustentação ao governo, e é evidente já que quem trava todos processos de impeachment, por exemplo, são os partidos tradicionais que dominam o Congresso, porque o próprio processo político levaria a uma maior polarização, deslocando as massas para a esquerda.
Não obstante, apresentam-se como oposição ao governo, tendo como justificativa principal a defesa da democracia, do Estado de direito e das instituições democráticas. Naturalmente, não se trata de sinceros democratas. Longe disso, são tão ou mais autoritários e ditatoriais que Bolsonaro, mas o argumento lhes permite criar uma falsa oposição entre si e o bolsonarismo/fascismo; uma fantasia em que estaria em luta dois campos, a democracia e o fascismo.
Nessa “luta”, a esquerda, e com isso as massas, são convocadas, com muita demagogia e retórica pseudo-progressista, a renunciar a seus programas, estratégias e políticas reais para produzir a unidade necessária na luta da democracia contra o suposto fascismo, mesmo que isso signifique eleger um elemento de direita.
A burguesia, portanto, não pretende de maneira alguma derrubar Bolsonaro, mas tão somente criar as condições para vencê-lo nas eleições de 2022 ou, se não for possível a vitória sobre Bolsonaro, ao apoiá-lo nessa ocasião, terão condições de exigir uma política mais condizente com seus interesses políticos e econômicos. No final, a oposição falsa entre democracia e fascismo, nada mais é que a luta entre dois setores da burguesia pelo controle do Estado.
Toda essa estratégia é muito bem descrita no editorial do jornal golpista Estado de S. Paulo da última quinta-feira (21), cujo título é: “A alternativa a Bolsonaro”. Nela, ao mesmo tempo em que ataca Bolsonaro, como um indigente político, ataca também a esquerda e o ex-presidente Lula como corruptos e incompetentes. Nesse cenário vaticina:
E continua:
Isso é a frente ampla, a utilização demagógica do termo democracia, a utilização demagógica de demandas sociais e morais, etc., a utilização do fascismo como espantalho, tudo para subordinar a esquerda à direita tradicional na sua luta contra outros setores da classe dominante. A política da frente ampla somente pode levar à derrota da esquerda e sua completa subordinação à burguesia tradicional, que do ponto de vista da nocividade aos trabalhadores é maior que a de Bolsonaro.
Para a esquerda é preciso romper completamente com essa política de subordinação, é preciso uma saída para as massas pela esquerda, criar um movimento independente e de massas contra Bolsonaro e contra a burguesia tradicional, inimigos dos trabalhadores. Para unificar a esquerda e as massas, lutar pelos direitos políticos do ex-presidente Lula, pela sua candidatura, pelo fora Bolsonaro e por eleições gerais.