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Cisões no império

Disputa por mercado aerospacial abre crise no imperialismo

Com paralisação e crise financeira dramática por conta da pandemia, dura rivalidade comercial entre EUA e União Europeia manifesta-se na competição entre Airbus e Boeing

Há anos, as tensões que circulavam em torno das tarifas de exportação e o cenário de luta protecionista entre EUA e a União Europeia (UE) vinham se tornando mais explícitos – efeitos claros também da guerra comercial entre EUA de um lado e o polo euroasiático (China e Rússia, tendo a China como protagonista, sendo também o maior país exportador). As mesmas tensões vinham se desenhando ao redor das novas tecnologias de informação e comunicação, como o 5G, e a disputa entre EUA, China e Rússia pela hegemonia informacional e política na Europa (o cenário político atual polonês pode ser um claro exemplo da mencionada tensão). No entanto, um eixo extremamente expressivo desta disputa é o da indústria aeroespacial.

É amplamente sabido como o “velho continente” foi posto a reboque dos EUA desde a segunda metade do sec. XX e tem sido ele próprio um braço forte do imperialismo norte-americano. Forte consumidora de matéria-prima e exportadora de produtos industrializados, a Europa, mesmo tendo países como Alemanha e Franca na lista de maiores exportadores do mundo, depende muito da economia ianque e de seu mercado de ações – os EUA são o destino de mais de 20% de todas as exportações do continente. Não seria diferente em relação ao seu mercado aéreo: suas parcerias compõem o maior duopólio de produção aeronáutica do planeta, com Boeing ao lado dos Americanos e a Airbus do lado da União Europeia. Para ilustrar o cenário adjacente ao núcleo da questão, seria importante observar a proporção média de importação europeia de produtos norte-americanos: enquanto os EUA importaram €376 bilhões da Europa em 2017, por exemplo, exportaram ao continente €256 bilhões, ou seja, o valor importado pelos EUA de toda a União Europeia é equivalente a 67% de todas as exportações norte-americanas direcionadas ao mesmo continente: uma quantidade assombrosa. Estas mesmas exportações da UE para os EUA foram quase duas vezes maiores que para a China, segundo maior parceiro comercial da UE.

Não é possível separar este aspecto da parceria comercial entre EUA e UE (e suas devidas tensões) das intrigas e acordos no duopólio global da Boeing/Airbus na produção de aeronaves civis e militares, assim como mísseis e foguetes espaciais. A Airbus constituiu-se como conglomerado aeroespacial e bélico europeu há décadas, formada pela fusão de empresas de tecnologia e produção industrial aérea da Espanha, França, Reino Unido, Alemanha e Países Baixos, justamente para fazer frente à gigante Boeing. No outro polo, a Boeing, conglomerado norte-americano, busca há anos não permitir a hegemonia da Airbus no mercado mundial – tendo inclusive incluído a Embraer recentemente como “alavanca” de sua linha de enfrentamento com a Europa -, mesmo que operem ambas através de acordos mútuos e criem um vínculo de dependência (cujo lastro sempre se reflete nas importações e exportações gerais entre ambos os blocos).

A grande questão são os acordos travados através da Organização Mundial do Comércio (OMC). Um dos principais ataques de ambos os lados diz respeito a subsídios estatais para escalonar a competição, ou seja, o Estado norte-americano subsidiando a Boeing através de reembolsos e investimentos conjuntos com a aeronáutica ianque além dos limites legais acordados na OMC, enquanto a União Europeia ofereceria parcelas de crédito além do acordado desde 1992 (os Estados europeus não poderiam realizar empréstimos de mais do que 33% dos valores equivalentes a cada novo projeto de produção aérea da Airbus).

Apesar de tais alegações não serem novidade – trata-se da mais longa disputa intermediada pela OMC, na qual tanto EUA quanto UE já foram penalizados por subsídios ilegais, como a Airbus em 2016, ao comprovar-se US$22 bilhões investidos pelo Reino Unido, Alemanha, França e Espanha –, os humores tinham refreado e se tornaram hesitantes, por medo da ascensão da empresa aeroespacial chinesa, a CASC (China Aerospace Science and Technology Corporation). Assim, entre 2018 e 2019, tal disputa resultou apenas em ameaças de sanções comerciais entre os dois blocos que não chegaram a ser conclusivas, apesar de certamente ameaçadoras.

Em 2018, por exemplo, Trump já vinha aplicando tarifas cada vez mais rigorosas às importações, como 25% na importação do aço e 10% sobre as de alumínio, praticando progressivamente um forte protecionismo, enquanto a UE recorria à Organização Mundial do Comércio (OMC) para exigir isenções. O “baile” seguiu com ameaças de mais tarifas do lado norte-americano e mais retaliação do lado dos europeus – até mesmo tarifas sobre automobilísticos foi ameaça posta sobre a mesa por parte de Trump, o que exasperou as economias europeias. Uma trégua foi negociada entre Trump e Jean Claude Juncker (irônico sobrenome…), presidente da comissão europeia. As ameaças recíprocas seguem no início de 2019. Em seguida, o vinho francês entra no jogo. E claro, o maior medo europeu: a tributação sobre automóveis.

Chegamos, então, à pandemia. Sendo os Estados Unidos e Alemanha países fortemente afetados pelo COVID-19, estando as ações norte-americanas em forte queda econômica (e seu resultado nas bolsas europeias, fortemente vinculadas ao mercado norte-americano), a escalada da crise do capitalismo invariavelmente elevam essas contradições a nível global e a um momento decisivo, forçando as hesitações anteriores a se dissolverem. Com a dramática queda nas negociações de aeronaves por conta da paralisação de voos e fechamento de fronteiras, tanto a Boeing quanto a Airbus registraram dramáticas perdas no mercado, somando um prejuízo de US$4,3 bilhões no primeiro trimestre de 2020 para ambas. Dificilmente isto não intensificaria novamente a rivalidade, que em outubro de 2019 passara a se desenhar de forma mais nítida, com a ameaça norte-americana de taxar US$7,5 bilhões em produtos da UE, e a UE alegando que estaria pronta para retaliar. O momento, portanto, tornou-se atualmente propício para a guerra tarifária. De acordo com a agência de notícias Bloomberg, os EUA cogitam atualmente impor tarifas de US$3,1 bilhões em produtos da França, Alemanha, Reino Unido e Espanha, incluindo itens como cerveja, azeitonas e caminhões. Esta imposição automaticamente causou fortes quedas nas bolsas europeias, ainda mais do que as que se desenhavam com as quedas anteriores causadas pela bolsa americana, que assim convocam, sem dúvida, retaliações a serem enunciadas pelos europeus.

Como isso pode afetar a totalidade do imperialismo? A pergunta é certamente ampla demais para este espaço, mas podemos pensar em um dois sintomas que se manifestam imediatamente e podem ser um índice de como haveria um possível resultado imediato no Brasil, ao qual devemos estar atentos. Lembremos do cenário selvagemente privatista em nosso país. Esta mesma escalada de tensão, que tem por eixo o mercado aéreo (e, jamais esqueçamos: bélico) se esboça em meio a duas operações, uma mais diretamente vinculada ao tema, e outra aparentemente mais distante: 1. a desistência da Boeing em levar a joint venture com a Embraer adiante, lançando-a “de lado” na atual disputa pelo mercado aereoespacial; 2. o “novo marco regulatório do saneamento básico” (melhor conhecido como “privatização total da água”).

Para a desistência da Boeing de incluir a Embraer em seu plano de colonizar a empresa brasileira (que já enunciava consequências para nossa economia e nosso setor bélico, além de influência política a partir dos EUA), o cenário de desinteresse e “abandono” da Boeing num momento em que ela se defronta com uma grave crise (que também atinge a Embraer) pode ser um duro golpe para uma indústria brasileira já decadente e com sérias dificuldades de inserção no mercado mundial – as esperanças da Embraer voltam-se para a joint venture com a CASC (China Aerospace Science and Technology Corporation), da China. Para bom entendedor, “meio Guedes” basta. Contudo, aqui temos “um Guedes inteiro”! Do outro lado, um resultado mais a longo-prazo dos dois contextos concomitantes seria a disputa entre o bloco europeu e norte-americano se imiscuir agressivamente no projeto de privatização total da água no país, podendo vir a ser um “degrau” de apoio numa possível escalada ainda maior da guerra comercial que se desenha no horizonte, consequências que seriam extremamente trágicas (e aceleradora de tragédias) para o país – além de também um acelerador dos próprios processos no âmbito dos negócios e conflitos entre norte-americanos e europeus – em especial neste ponto do embate do capitalismo consigo mesmo e por sua sobrevivência em meio à ampliação da crise histórica. A história chilena e de sua privatização selvagem (a da água inclusive) pode nos dar uma boa ideia de para onde isso pode caminhar. Há a possibilidade, contudo, de tomar a circunstância crítica para trazer o povo às ruas e impedir o projeto altamente destrutivo. Sem o povo nas ruas, a crise do imperialismo que se desenha nos conflitos geopolíticos e comerciais terá o Brasil como uma fronteiriça linha comercial de batalha de proporções dramáticas.

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