No dia 7 de janeiro, o portal UOL, pertencente aos golpistas do grupo que administra a Folha de S. Paulo, publicou um artigo de Diogo Schelp intitulado Por que a esquerda defende o Irã, que enforca gays e oprime mulheres?. No texto, o autor procura demonstrar que a esquerda não deveria defender o governo iraniano, pois esse desrespeitaria determinadas pautas identitárias. Trata-se, portanto, conforme discutiremos aqui, de uma posição de apoio à investida imperialista contra o Oriente Médio.
Um dos argumentos que Diogo Schelp apresenta para justificar sua tese de que o governo iraniano seria moralmente condenável é o de que sua política interna desrespeitaria tantos direitos quanto a política externa norte-americana:
Seria perfeitamente possível ficar só na crítica à decisão de matar Soleimani sem precisar partir para a defesa do Irã. Por alguma razão, porém, parte da esquerda brasileira não consegue ficar dentro desse limite.
Por que a esquerda brasileira — ou ao menos uma parte dela — se vê aprisionada na máxima de que “o inimigo do meu inimigo é o meu amigo”, permitindo que o ódio a Trump e ao presidente Jair Bolsonaro (que se enxerga como discípulo do americano) a deixe cega para o que o regime iraniano representa de pior em relação a algumas das principais bandeiras da própria esquerda, como os direitos LGBT e o feminismo?
Para quem critica Bolsonaro por ser homofóbico e misógino, a simples ideia de passar a mão virtual na cabeça de um regime que oprime as mulheres e pune a homossexualidade com a pena de morte por enforcamento deveria provocar repulsa. Mas não provoca.
As alegações do jornalista do portal UOL, no entanto, não passam de puro cinismo. A diferença entre a política externa norte-americana, que bombardeia países cuja população já é sabotada historicamente pela burguesia mundial, e a política interna iraniana, que oprime determinados setores da sociedade como parte das contradições do seu próprio regime significa muita coisa. Não se pode colocar, portanto, em uma mesma balança moral, como se as infrações morais de ambos os governos tivessem o mesmo significado para a luta política.
A diferença entre a política levada pelo governo norte-americano e a política levada pelo governo iraniano é que a primeira corresponde aos interesses do imperialismo, isto é, dos setores mais poderosos da burguesia em todo o mundo, que subjuga mais de uma centena de países sob a tutela de algumas poucas dezenas de bancos. O governo iraniano, por sua vez, representa um nacionalismo burguês – isto é, uma política desenvolvimentista que favorece os setores mais nacionalistas em suas contradições com a política neoliberal propagandeada pelo imperialismo.
Levando isso em consideração, os conflitos entre os Estados Unidos e o Irã têm um sentido muito claro. De um lado, está o imperialismo, responsável por duas grandes guerras mundiais, por centenas de golpes de estado e por sangrentas ditaduras em todo o mundo, interessado em esmagar todos os governos que se oponham à sua política de terra arrasada, própria para a atual etapa de crise capitalista. De outro, está o Irã, cujos esforços de seu próprio povo para não serem teleguiados pela política nefasta dos banqueiros internacionais empurra a sua própria burguesia para uma postura de relativo enfrentamento ao poderio do imperialismo.
A análise com base na luta de classes – isto é, entre o imperialismo e o nacionalismo dos países atrasados – não fornece qualquer dúvida de que lado a esquerda brasileira deve estar: ao lado do governo iraniano e do povo iraniano, em sua luta para frear a ofensiva imperialista que, inclusive, vem atacando brutalmente o Brasil nos últimos anos. Qualquer consideração sobre determinados aspectos do governo iraniano são, nesse momento, secundários: a melhor política para que a classe operária se veja liberta do que lhe oprime é a política que a coloca em movimento, e, nesse momento, a política que pode levar a mobilização do povo iraniano a um novo patamar é justamente a mobilização contra a ofensiva norte-americana.
A insistência da direita em utilizar as pautas identitárias para forçar a esquerda a mudar sua posição em relação ao Irã comprova, mais uma vez, o que este diário vem denunciando repetidamente: o identitarismo, na medida em que coloca a luta de classes como um fator secundário para a luta política, acaba por servir aos interesses do imperialismo.