Por Victor Assis
A versão mais difundida do hino real britânico tem início com os seguintes dizeres: “Deus salve nossa graciosa rainha, longa vida à nossa nobre rainha!”. A letra, que estaria sendo difundida há quase três séculos, é levada a cabo no Reino Unido até hoje, inclusive — e principalmente — em tempos de pandemia: segundo o tabloide britânico Daily Mail, Elizabeth II só irá retornar às suas atividades públicas após a descoberta da vacina para o coronavírus!
Nesses termos, a rainha não precisará de “Deus” para ser salva — digo, do ponto de vista material, que é, no fim das contas, o único que verdadeiramente importa. Bastará, para isso, que permaneça trancada em um de seus incontáveis quartos construídos no interior do Castelo de Windsor. E que, obviamente, uma cadeia gigantesca de pessoas, desde quem prepare as suas refeições até mesmo quem bata na porta de seu quarto, trabalhem para que seus suprimentos cheguem desinfectados.
O hino britânico, no entanto, não termina por aí. Na segunda estrofe da canção, encontramos os seguintes clamores: “Ó Deus, nosso senhor, venha dispersar seus inimigos e levá-los ao chão. Leve-os à confusão, fruste seus truques rasteiros. Em ti, depositamos nossas esperanças — Deus salve a todos nós”. Isto é, o mesmo “Deus” que deveria salvar a rainha, deveria salvar a todos. Mas não é o que irá acontecer…
Isso porque o isolamento — isto é, o “Deus” da rainha Elizabeth II — só é possível nas mais altas cortes do Reino Unido. Para que os banquetes da decadente monarquia britânica permaneçam fartos e as paredes do castelo, desinfectadas, os trabalhadores ingleses terão de se expor ao vírus. Neste exato momento, enquanto a monarca aguarda pacientemente a chegada de uma vacina para a doença que já matou mais de 280 mil pessoas, o primeiro-ministro Boris Johnson anuncia o seu plano para a retomada econômica após uma fajuta quarentena. Segundo a própria imprensa burguesa, a retração no Reino Unido poderá atingir 35% até o fim do ano por causa da pandemia — diante de tal quadro, os capitalistas não deixarão o povo em casa. Os trabalhadores de setores como manufatura, construção civil, logística e distribuição já deverão voltar imediatamente aos seus postos.
Como se vê, são os próprios capitalistas quem operam os “truques rasteiros” contra o povo e cuja política ardilosa leva a população à confusão. O “Deus” da rainha e o “Deus” do povo, finalmente, não é o mesmo. Ou melhor, é o mesmo! Pois que não há como atender aos interesses dos parasitas imundos que habitam o planeta, dos quais a burocracia da realeza britânica é representante legítima, e, ao mesmo tempo, atender aos interesses do povo que é explorado.
A profunda hipocrisia registrada na sociedade britânica serve como alerta para a esquerda em todo o mundo. Até o momento, a pequena burguesia, de uma maneira geral, tem se deixado corromper pelo discurso cretino, genocida e, no fim das contas, mentiroso por parte da direita, que procura opor a morte pelo coronavírus ao isolamento social. Esse isolamento, impossível para a classe operária, é impossível para quase todo o mundo. Apenas quem tem condições de se enclausurar em uma fortaleza medieval e ser atendida pelos seus servos exclusivamente dedicados poderá fazer uso de tal expediente.
É preciso, portanto, abandonar a campanha cínica da burguesia de ficar em casa. Dia a dia, o povo está morrendo, não por ignorância, como atesta a direita, mas sim porque é obrigado a vender sua força de trabalho para sustentar a farra dos capitalistas. Se não há condições de trabalho, que se cesse o trabalho! A principal tarefa da etapa em que nos encontramos é a de organizar os trabalhadores para assumir o controle da saúde e de tudo que é de seu interesse.