A greve dos policiais militares no Ceará, encerrada após uma série de acontecimentos, incluindo o enfrentamento do senador Cid Gomes (PDT), representando as oligarquias nordestinas, e os agentes armados, abriu uma vasta polêmica entre as posições deste diário e as de vários setores da esquerda nacional. Neste artigo, continuaremos a discussão sobre um aspecto fundamental, que é o de que o direito de greve deve ser defendido irrestritamente — até mesmo o de categorias como a Polícia Militar, que não pertence à classe operária — e de que, nesse direito, está incluído o direito de os envolvidos na greve se envolverem diretamente com partidos políticos.
É fato que largas parcelas dos agentes da PM são bolsonaristas. E isso se dá por razões mais ou menos óbvias: a PM concentra a principal base da extrema-direita nacional e foi uma das principais bases para a qual Bolsonaro fez campanha nas eleições, prometendo aumento de efetivo, mais armamento e mais condições para a repressão. Assim, nada mais natural do que haver, na greve da PM, agentes que apoiem expressamente o presidente ilegítimo Jair Bolsonaro. Esse fato, no entanto, levou setores da esquerda nacional a cometer um grave equívoco: o de criticar a greve por ser politizada.
O argumento de que a greve não poderia ser politizada é um argumento típico da classe dominante — isto é, da burguesia. É o mesmo argumento que se vê quando, por exemplo, a imprensa burguesa ataca o movimento operário dizendo que uma greve de metalúrgicos ou de petroleiros é um movimento de petistas. Visto por esse ângulo, seria absurdo ser contra a politização de uma greve, pois a greve, justamente por ser um fenômeno político, costuma ser feita justamente pelos elementos mais conscientes da categoria — e que, portanto, tendem a ser os mais politizados.
Como não é possível defender direitos parcialmente — ou seja, defender que a esquerda tenha um determinado direito e a direita, não —, a campanha contra a politização na greve da PM é uma campanha contra a politização em qualquer movimento paredista e, portanto, contra a politização das greves operárias. Sem a politização das greves, jamais teria sido formado o Partido dos Trabalhadores (PT), tampouco jamais Lula teria se tornado uma das maiores lideranças populares do mundo.
Para que não haja dúvidas de que a posição contra a politização das greves é uma posição da direita, basta acompanhar o que a imprensa burguesa tem falado sobre isso. Apenas nas edições mais recentes, as Organizações Globo, por meio de seus órgãos de imprensa, publicou ao menos duas matérias com posições explícitas contra a mobilização dos policiais militares. No dia 9 de março, O Globo publicou um editorial intitulado É preciso mobilização política constante contra anistia a PMs. O texto, que é um claro apelo pela criminalização da greve da PM, destaca a relação entre os grevistas e o presidente ilegítimo Jair Bolsonaro:
Se, por um lado, a PEC é um alento para impedir que policiais que desrespeitam a Constituição fiquem impunes, por outro, o problema está longe de ser resolvido. O lobby a favor de corporações de policiais é forte e conta com apoios de peso, como o do próprio presidente Jair Bolsonaro, para quem a paralisação dos PMs no Ceará foi uma greve, e não um motim.
No dia 10 de março, outra matéria de O Globo, intitulada Politização acende alerta e gera reação, dá continuidade à campanha contra a politização e defende iniciativas que tornem ainda mais restritas a vinculação das greves aos partidos políticos:
A percepção de que o risco de politização das forças de segurança é real já começou a gerar reação também em Brasília. O envolvimento de parlamentares nas negociações no Ceará, e a informação de que alguns de seus líderes avaliam se candidatar nas próximas eleições municipais, impulsionaram o andamento de um projeto apresentado pelo deputado Fabio Trad (PSD-MS) que cria uma quarentena eleitoral para juízes, integrantes do Ministério Público e policiais. O texto estabelece novos prazos de desincompatibilização, determinando aos que desejam ingressar na política que se afastem de suas atividades até seis anos antes do pleito.
A campanha da Família Marinho contra a politização revela, deste modo, uma frente entre a esquerda pequeno-burguesa e os setores mais reacionários e pró-imperialistas da burguesia. É preciso, portanto, de maneira a se contrapor a essa colaboração, desenvolver uma política de total independência das organizações populares e democráticas da burguesia. Isto é, um programa verdadeiramente democrático, que coloque em seu centro a luta dos trabalhadores pela dissolução do regime político burguês: dissolução da PM, direito irrestrito de greve, anulação das eleições e fim do governo Bolsonaro, total liberdade de expressão, liberdade para todos os presos políticos!