Em artigo no jornal eletrônico AbrilAbril[1], o jornalista português José Goulão, denuncia a transformação da União Europeia numa aliança militar integrada. Ele analisa as deliberações da última Conferência de Ministros das Relações Exteriores e de Defesa da União Europeia[2] realizada no dia 19 de novembro deste ano.
Nessa reunião, os ministros aprovaram 17 novas iniciativas militares[3] a serem desenvolvidas de forma conjunta, visando a aprofundar a cooperação militar entre os estados membros, no ar, terra e mar.
Em 2003, o Alto Representante da União Europeia para Política Externa e de Segurança Comum, Javier Solana, elaborou uma estratégia europeia de segurança, que foi adotada pelo Conselho Europeu em Bruxelas de 12 e 13 de dezembro de 2003. Essa estratégia foi atualizada em 2016, intitulando-se ‘estratégia global para a política externa e de segurança da União Europeia’[4], de forma abreviada: “Estratégia Global da União Europeia”[5], complementada por um “plano de implementação” sobre segurança e defesa[6].
Em 2017, como parte dessa atualização, entrou em vigor a Cooperação (Política) Estruturada Permanente – PeSCo, pelo qual os Estados-Membros da UE concordaram em intensificar o trabalho da União Europeia nas áreas de defesa e segurança, reconhecendo, segundo a versão oficial, que o reforço de coordenação, o aumento do investimento na defesa e a cooperação no desenvolvimento das capacidades de defesa são requisitos fundamentais.
A criação da PeSCo seria parte de um movimento mais amplo visando a uma União Européia de Segurança e Defesa, e inclui a criação do Fundo Europeu de Defesa[7], a Revisão Anual Coordenada de Defesa[8] (CARD), a um Plano Militar e Capacidade de Conduta[9], além de novas garantias comuns de financiamento para a Grupos de batalha.
Motivados pelo PeSCo, esses novos 17 projetos incluem uma escola de espionagem (EU Intelligence School), a ser sediada no Chipre sob a coordenação da Grécia; a produção de uma nova geração de mísseis de médio alcance (Beyond Line of Sight – BLOS), sob encargo da França; desenvolvimento de um novo helicóptero militar (Tiger), responsabilidade conjunta da França e da Alemanha; a produção de novos drones para monitorar terra e mar, com a incumbência de recolher informações geometeorológicas e oceonográficas, sob responsabilidade da Alemanha.
Países governados pela extrema-direita, como a Itália, Estônia[10], República Tcheca e Bulgária, além da Áustria – que atualmente conta com o partido herdeiro de Hitler em sua coalizão, igualmente serão responsáveis por alguns desses projetos, entre os quais: o High Atmosphere Airship (sistema baseado em balões para esquadrinhar os céus); espionagem por meio de minidrones e macrodrones; desenvolver uma rede militar europeia espacial autônoma; criação de um sistema modular no solo, não tripulado, de navegação cibernética e autônoma para planejamento de rotas e missões militares; desenvolver uma rede de vigilância química, biológica, radiológica e nuclear; instalação de meios de guerra eletrônica; intervenção submarina, entre outros.
José Goulão acerta na denúncia de que há uma escalada armamentista na União Europeia e de que a preocupação com a segurança do bloco sobrepõem-se aos interesses dos cidadãos europeus, que não são consultados sobre as propostas, indicando tratar-se da defesa de um bloco imperialista e de interesses imperialistas portanto.
Essa nova estratégia enquadra-se na disseminação do medo e de uma suposta e crescente onda de insegurança no mundo, que a imprensa imperialista alimenta e tenta moldar na opinião pública, retratada em torno da possibilidade de uma guerra contra forças exteriores ao bloco europeu, cujos inimigos virtuais iriam, alegadamente, dos Estados Unidos da América à Russia, passando pela China e por países do Oriente Médio e Asiáticos em geral.
No final, a União Europeia está sendo assumida pela OTAN[11]. Com a desculpa de tornar a Europa mais segura, ameaça-se a segurança dos cidadãos, como tem feito a OTAN desde sempre, e a do resto do mundo ao investir cada vez mais em armamento e vigilância, dando vazão a uma nova corrida armamentista – o que é bom para a indústria bélica, gerando lucros estratosféricos. Esse movimento tem um efeito devastador sobre a decadente democracia liberal, ou sobre o que restou dos valores e ideias democráticos no velho mundo.
Como diz José Goulão, está em andamento a institucionalização do federalismo na União Europeia, mas pela via autocrática da militarização, ou seja, com o abandono das ilusões de estabelecê-lo por vias abertas e democráticas. E, no final, para subordinar a Europa, militar e operacionalmente, aos Estados Unidos.
NOTAS:
[1] União Europeia prepara-se para a guerra, em https://www.abrilabril.pt/internacional/uniao-europeia-prepara-se-para-guerra
[2] No âmbito do Conselho da União Europeia, seção de Negócios Estrangeiros (Foreign Affairs Council)
[3] Cf.: https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2018/11/19/defence-cooperation-council-launches-17-new-pesco-projects/
*Em dezembro de 2017, também foram aprovados outros 17 projetos da mesma natureza.
[4] Global strategy for the foreign and security policy of the European Union
[5] European Union Global Strategy (EUGS)
[6] Implementation Plan on Security and Defense (IPSD)
[7] European Defence Fund
[8] Coordinated Annual Review on Defense (CARD)
[9] Military Planning and Conduct Capability
[10] Embora a Estônia seja vista como um país liberal e seja considerado hoje, pelas classificações de institutos burgueses, como um dos mais livres do mundo, o conservadorismo impera, e o anticomunismo é celebrado anualmente. Essa celebração do falseamento da história e da criminalização do comunismo/socialismo é uma demanda do regime político do país que pretende transformar o dia 23 de agosto no “Dia Europeu comemorativo para as vítimas dos regimes totalitários”.
[11] Organização do Tratado do Atlântico Norte (em inglês: North Atlantic Treaty Organization – NATO)