Dando sequência à publicação de uma série de textos do revolucionário bolchevique Leon Trótski, fundador e organizador do exército vermelho, oferecemos ao público a tradução da Declaração à Imprensa sobre Aliança Soviético-Alemã, escrita por Trótski em 1939.
Declaração à Imprensa sobre Aliança Soviético-Alemã
Leon Trótski
(Setembro de 1939)
De muitos lados, tenho sido indagado por que eu não me expressei mais cedo sobre o pacto Germano-Soviético e suas consequências. Eu fui impedido por circunstâncias pessoais acidentais (doença e uma partida da Cidade do México para uma aldeia). Eu pensei, ademais, os acontecimentos em si foram tão claros que eles não precisavam de comentários. Mas provou-se ser de maneira diferente: em diferentes países ainda há pessoas – em números decrescentes, é verdade – quem tem a coragem de retratar a traição do Kremlin como um ato de virtude política. De acordo com aqueles cavalheiros, Stalin e Hitler tem fins comuns que eles estão perseguindo com métodos de diplomacia secreta no interesse de… paz e democracia. Esse argumento não é uma baboseira repugnante?
Desde 1933, tenho mostrado e provado na imprensa internacional que Stalin tem buscado um entendimento com Hitler. Em particular, provei esse prognóstico em minhas declarações perante a Comissão Dewey de Inquérito em Coyoacán em Abril de 1937 (Caso Leon Trótski, Harper’s and Bros., New York). Agora, os cínicos a serviço do Kremlin estão tentando representar a questão como se o programa deles – “aliança das democracias” e “segurança coletiva” – foi corroborado; entretanto, meu prognóstico estava errado: eu previ, alega-se, a conclusão de um pacto militar agressivo, enquanto Stalin e Hitler concluíam apenas um pacto de mutua não-agressão pacifista, humanitário (Hitler é, como é conhecido, um vegetariano rigoroso).
Não está tudo tão claro por que Hitler iniciou o ataque à Polônia imediatamente após o abraço de Ribbentrop e Molotov? Alguns dos defensores menos inteligentes do Kremlin lembraram-se, inesperadamente, (eles não sabiam disso antes) que a Polônia é um “Estado semifascista”. Parece que, sob a influência benéfica de Stalin, Hitler iniciou uma guerra contra o “semifascismo”. Ou talvez Hitler apenas a impôs sobre a confiança infantil de Stalin? Se assim fosse, Stalin poderia ter dissipado prontamente a ilusão. Mas, na verdade, o Soviete Supremo ratificou imediatamente o pacto no mesmo momento em que as tropas alemãs cruzaram a fronteira polonesa. Stalin sabia muito bem o que estava fazendo.
No intuito de atacar a Polônia e conduzir uma guerra contra a Inglaterra e a França, Hitler precisava da amigável “neutralidade” da URSS, além da matéria-prima soviética. Os pactos político e comercial asseguraram Hitler de ambos.
Em uma sessão do Soviete Supremo, Molotov elogiou as vantagens de um acordo comercial com a Alemanha. Não há nada de surpreendente nisso. A Alemanha precisa de matéria-prima a qualquer preço. Ao conduzir uma guerra, as despesas não são contadas. Usurários, especuladores e saqueadores sempre prosperam na guerra. O Kremlin forneceu petróleo para a campanha italiana contra a Abissínia. Na Espanha, o Kremlin cobrava um preço duplo pelas armas ruins que fornecia. Agora o Kremlin espera obter um bom preço de Hitler pelas matérias-primas soviéticas. Os lacaios do Comintern, mesmo aqui, não se envergonham de defender as ações do Kremlin. Todo trabalhador honesto deve cerrar os punhos nesta política!
Uma capitulação ao fascismo
Rebaixando-se às profundezas do cinismo, os defensores do Kremlin veem o grande mérito de Stalin em não estar atacando diretamente a Polônia. Nessas circunstâncias, também, descobriram a refutação de meu prognóstico. Mas na realidade eu nunca previ que Stalin concluiria um pacto agressivo com Hitler. Stalin, sobretudo, tem medo da guerra. Sua política de capitulação em relação ao Japão nos últimos anos atesta isso. Stalin não pode fazer uma guerra com trabalhadores e camponeses descontentes e com um Exército Vermelho decapitado. Eu disse isso muitas vezes nos últimos anos e repito novamente. O Pacto Germano-Soviético é uma capitulação de Stalin perante o imperialismo fascista com a finalidade de preservar a oligarquia soviética.
Em todo pacifismo mascarado organizado pelo Comintern, Hitler foi proclamou o chefe, se não o único agressor; pelo contrário, a Polônia era para eles um cordeiro inocente. Agora, quando Hitler passou das palavras às ações e iniciou a agressão contra a Polônia, Moscou passou às ações, também… e está ajudando Hitler. Esses são os fatos simples. É impossível escapar deles com pobres sofismas.
Os defensores do Kremlin estão se referindo ao fato de a Polônia ter recusado a permitir a entrada do Exército Soviético em seu território. Não sabemos o curso das negociações secretas. Podemos admitir que a Polônia avaliou incorretamente seus próprios interesses quando recusou a ajuda direta do Exército Vermelho. Mas será que, a partir da recusa polonesa em permitir exércitos estrangeiros em seu território, segue o direito do Kremlin de ajudar na invasão da Polônia pela Alemanha?
Os defensores do Kremlin referem-se finalmente ao fato de que o pacto Germano-Soviético rompeu o “eixo”, tendo isolado o Japão. Na realidade, a URSS ocupou o lugar do Japão na estrutura do eixo. A ajuda do distante Mikado às operações militares de Hitler na Europa teria um caráter quase ilusório. Pelo contrário, a ajuda de Stalin tem um valor profundo e real. Não é surpreendente que Hitler preferisse a amizade de Stalin à amizade do Mikado. É possível que “pacifistas”, “democratas” e “socialistas” possam falar sem corar sobre esta nova combinação diplomática?
Ignorar as Necessidades da Classe Trabalhadora
E sobre a classe trabalhadora esses senhores não pensam nada. Entretanto, o caos provocado pelos zigue-zagues do Comintern nas mentes dos trabalhadores é uma das principais condições para as vitórias fascistas. É necessário penetrar por um momento na psicologia de um operário revolucionário alemão, quem, em perigo de vida, está liderando a luta ilegal contra o Nacional Socialismo e, de repente, vê que o Kremlin, que comanda grandes recursos, não só não combate Hitler, pelo contrário, conclui um negócio vantajoso na arena do roubo internacional. Não tem o operário alemão o direito de cuspir na cara dos professores de ontem?
Sem dúvida, os trabalhadores o farão. O único “mérito” do pacto germano-soviético é que, ao revelar a verdade, quebrou a espinha dorsal do Comintern. De todos os países, especialmente da França e dos Estados Unidos, vêm os testemunhos de uma aguda crise nas fileiras do Comintern, de partidas dos patriotas imperialistas por um lado e dos internacionalistas por outro. Nenhuma força no mundo pode impedir essa decomposição. O proletariado mundial irá passar por cima da traição do Kremlin e também do cadáver do Comintern.