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Decisão da OAB de tirar inscrição de advogado para quem supostamente praticar violência contra mulher é ato antidemocrático

O plenário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aprovou, nesta segunda-feira 18, a edição de uma súmula transformando acusações de agressões e violência contra a mulher fatores impeditivos para a inscrição de bacharéis em Direito nos quadros da entidade.

Nesses tempos estranhos, onde o judiciário legisla, o Ministério Público aloca verbas de estatais para criar fundações e que o presidente abre mão da Amazônia com base na “materialidade do fato”, a OAB inaugura uma nova modalidade de discriminação contra o trabalhador: impedir a inscrição do bacharel em direito aprovado em suas provas, nos quadros da OAB, desde que acusado de “violência contra a mulher” (…), “independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.”

Não há o que se discutir quanto ao problema constituído que é a violência contra a mulher, de seu agravamento pela crise econômica e pela histeria ideológica fascista emergente no bolsonarismo. As estatísticas demonstram que denúncias de violência contra mulher aumentaram 30% em 2018 no Brasil em relação a 2017, número a ser ultrapassado em 2019.

O que neste espaço vamos analisar é o texto da Súmula e sua eficácia no plano material.

Redação da Súmula: “Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática violência contra a mulher, assim definida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.”

Três pontos chamam a atenção:
-Requisitos para a inscrição
-independente da instância criminal
-assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto

Ou seja, trata-se de requisito para os não inscritos. Os advogados atuantes, aprovados ou não no ditame, não serão auditados quanto a sua ficha corrida pregressa, nem mesmo cometendo a partir de agora o ato de violência, não terão qualquer sanção aplicada de forma sumária, como a disciplinada pela súmula.
A independência da instância criminal, cria a possibilidade de que a mera acusação impeça a inscrição e, por consequência, o exercício da profissão. Isso num país, onde em média uma ação na esfera criminal leva um prazo médio de quatro anos e quatro meses para que tenha proferida a sentença em 1ª instância.

Uma súmula que vincula ao Conselho da Seccional da própria OAB, este formado por um corpo de advogados, usurpa a atribuição de julgar e assim ultrapassa a competência do poder judiciário, incluindo a possibilidade de negar de plano a inscrição de bacharéis com base em acusações. Trata-se da inauguração de um tribunal administrativo de uma corporação a decidir os requisitos do direito de acesso à advocacia. Valores regionais, políticos, de associação e até mesmo de reserva de mercado terão relevância acima e além da lei, antes da aplicação desta, na decisão sobre quem pode ou não trabalhar.

Em suma, profissionais estabelecidos julgarão administrativamente, quem pode ou não se inscrever na OAB. Farão isso, internamente, nas seccionais regionais. Julgarão respaldados por súmula formulada interna corporis, em um momento crítico para a advocacia, em que o próprio presidente ilegítimo Bolsonaro encabrestando politicamente a Ordem usa de demagogia eleitoral contra o Exame da admissão em seus quadros. Lembrando da função deste enquanto mecanismo de reserva de mercado. Agravada a situação pela iniciativa da União por meio de Paulo Guedes, de não abrir mais concursos, ou seja, do iminente e massivo redirecionamento dos anseios de milhares de bacharéis, diretamente dos concursos para a prova da Ordem.

Temos, portanto, bacharéis sendo julgados administrativamente com base em acusações, por advogados já estabelecidos, antes mesmo de adentrarem os quadros da ordem. Sem respaldo em lei e anteriormente ao processo penal. Isso tudo num momento de crise econômica e desemprego endêmico nas profissões jurídicas. Resta claro que essa iniciativa da OAB não só se alia a outras medidas de reserva de mercado, assim como resguarda advogados já inscritos, que já cometeram ou que venham a cometer violência contra as mulheres.

Quais serão os critérios para instauração do processo administrativo? Notícia crime ou “clamor social”? Qual peso terá sobrenome e origem social do acusado? Esses processos serão transparentes, possibilitando a consulta pública aos autos? A OAB está pronta a usar as conclusões desse processo interno como forma de colaboração com o Ministério Público e autoridades policiais? Uma vez condenado, quanto tempo durará essa vedação? Após vários anos, uma vez criminalmente absolvido o bacharel, qual será o posicionamento da OAB em relação ao dano emergente e lucro cessante por todo esse período?

Tantos questionamentos que não foram vislumbrados pelo simples fato de que a OAB não tem capacidade legislativa, por não ter experiência na redação de leis, não possuir um corpo técnico adequado. São todos fatores que refletem na má redação da súmula, assim como, sua incapacidade de vislumbrar as consequências e desdobramentos desta, além de ser absolutamente incompetente para a matéria. Não apenas, cabe aqui lembrarmos, é a única corporação a decidir por meio de prova instituída por ela mesma, quem pode ou não exercer uma profissão, ainda mais, sem respaldo constitucional.

O bacharel acusado, idealmente, sob o Estado de Direito burguês, deveria sofrer a ação penal estatal. Condenado em última instância, submeter-se ao rigor da lei. Pois, preceitua-se que apenas o Estado guardaria o monopólio do poder de punição e por isso mesmo, é vedada a qualquer organismo privado a possibilidade de autotutela contra um cidadão.

Fica clara que a adoção pela OAB e por outras corporações, onde se incluem o Ministério Público Federal e a magistratura enquanto corpo, da iniciativa legislativa, de criar leis à margem do parlamento burguês, tem como finalidade fazer demagogia, criar reservas de mercado, encastelar-se no poder estatal e perseguir quem não pertence aos seus quadros e deixar impune os seus. Medida demagógica, que é comemorada pela esquerda pequeno-burguesa apenas por sua aparência, esta que embarca na onda punitivista, moralista, quando deveria exercer sua características essenciais de crítica e denúncia e por isso mesmo questionar: Quem vai julgar? Quem vai aplicar a regra? Quem será o sujeito médio a ser julgado. Por fim, quem se beneficia?

Vejamos, por exemplo, o caso de uma juíza que mandou prender advogada negra e foi inocentada. Trata-se de uma violência estatal amplamente documentada, reforçada e aplicada com atuação de servidores e uso de verbas públicas. Toda essa máquina contra uma trabalhadora, de forma vexatória, em pleno exercício de seu labor. Não seria o caso de a OAB cassar o “registro” da magistrada?

Essa mesma OAB não tem poderes sobre os juízes, não consegue “influenciar” o CNJ nem mesmo para aplicar a lei vigente no caso concreto e incontroverso, apesar do apoio da opinião pública. Esta mesma entidade vai possibilitar a um corpo interno, criar lei, julgar e aplicar pena. Esgotada essa etapa, em última instância dar àqueles magistrados, que perseguem e humilham advogados, o poder de vedar o acesso a profissão a qualquer bacharel.

A OAB pode em resposta a qualquer questionamento, alegar a morosidade do judiciário, ou da ineficácia deste, ou que diferentemente da regra vigente, no seu tribunal interno haverá justiça, o direito a ampla defesa e o contraditório, esses ideais que nunca são aplicados a quem está em busca de um trabalho. Em última instância, as mesmas alegações de Dalagnol ao se apropriar de verbas públicas em nome de uma fundação, que ele e sua turma acabaria por gerir. “Faço por que posso!”

A esquerda tem de reconhecer que essa é a mesma OAB que foi passiva em 1964 e 2016, que não tentou se impor contra a reforma trabalhista, que não esboça reação contra a reforma da previdência, que não denunciou a fraude eleitoral e que, em meio a uma crise econômica e desemprego em massa, quer impor um juízo de exceção que já mira sua expansão também para outras formas de acusações contra bacharéis.

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