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Criminalização da “LGBTfobia” não vai surtir efeito, apenas vai aumentar a repressão contra os pobres

Na última quinta (23), um voto do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, impulsionou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), impetrada pelo partido golpista PPS, que aponta omissão do Congresso Nacional em não editar lei que criminalize “atos de homofobia e transfobia”. Embora o julgamento ainda não tenha chegado ao fim, a maioria dos magistrados já votou favoravelmente ao Mandado de Injunção (MI) 4733 impetrado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), contra o Congresso Nacional. A ação visa a assentar o entendimento de que a discriminação de homossexuais é equiparada de discriminação racial ou de gênero, devendo portanto ser também criminalizada.

Trata-se, evidentemente, da usurpação de uma prerrogativa do Congresso Nacional – apesar de tudo o Poder mais democrático da República. A ABGLT recorreu ao STF num momento sombrio de nossa história, em que o imperialismo avança ferozmente sobre os direitos de nossa população. O mesmo STF que avalizou o processo de impeachment contra Dilma Rousseff e protelou sua anulação; o mesmo STF que permitiu os mais variados arbítrios perpetrados pelo Mussolini de Maringá, Sérgio Moro, a serviço do Departamento de Justiça Norte-Americano; o mesmo STF que negou sucessivas vezes o direito a liberdade de Lula e por conseguinte seu direito a se candidatar à Presidência da República; o mesmo STF hoje sob o comando das Forças Armadas que tomaram de assalto o País, na figura do general Ajax Porto Pinheiro, “assessor” do presidente da Corte, o trêfego Dias Toffoli.

É portanto de um ato que deve ser entendido no contexto do golpe de Estado, em que intensificam-se os ataques dos golpistas à população, por meio da completa liquidação do Estado, da destruição dos direitos trabalhistas, do fim da aposentadoria, da privatização completa de nossos sistemas de saúde e educação, da entrega de nosso patrimônio ao estrangeiro.

Meu corpo, regras da burguesia: crime de opinião e liberdade de expressão

Em seu conjunto a criminalização da opinião deve ser entendida como a força oposta à liberdade de expressão – um dos pilares do direito iluminista, irmã da expansão industrial da imprensa. Quanto mais opiniões tipificadas como crime, menor a liberdade de expressão.

Como se sabe, o Poder Judiciário e as forças de repressão policiais são braços institucionais e armados a serviço da classe dominante – a burguesia. Sabe-se também que a esmagadora maioria de nossa população carcerária é constituída por pobres da classe trabalhadora, a maioria negros. E não se trata de um contingente pequeno. Cerca de 750 mil pessoas estão trancafiadas em verdadeiros depósitos de carne, amontoadas em condições subumanas em presídios superlotados. Mais de um terço dos detentos ainda aguarda julgamento – justamente aqueles sem recursos para pagar fiança. Quanto mais opiniões tipificadas como crime, de mais instrumentos dispõem as Forças de Repressão para prender, torturar matar – ironicamente também negros, mulheres e homossexuais.

A pretexto de proteger os elementos mais vulneráveis da sociedade, setores reacionários desses grupos, julgando-se protegidos por sua própria condição econômica, acabam por alavancar o aumento da criminalização da maioria absoluta de nossa população: os 80% pobres. A pretexto de “proteger seus corpos”, reforçam os instrumentos da classe dominante para oprimir o restante da sociedade.

Nosso sistema legal já traz em si todo tipo de contradição capaz de permitir o uso da letra da lei para práticas arbitrárias. Se nossa Constituição Federal assegura nos incisos IV e IX de seu art.5º que “é livre a manifestação do pensamento” e “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, o Código Penal de 1940, ainda vigente, tipifica como infração a injúria – ou ofensa da dignidade e do decoro. Trata-se, evidentemente de um recurso reacionário destinado a proteger a burguesia de elementos da classe trabalhadora que lhes questionem o direito à opressão.

Escravidão, racismo, crime de racismo

Ser negro no Brasil é praticamente sinônimo de ser proletário. Não é ao acaso a coincidência estatística: 80% dos brasileiros são pobres, 80% dos brasileiros são negros. Acabar com o racismo, portanto, é acabar com a dominação da burguesia sobre o proletariado. Tal dominação não cessará sem uma mudança radical no modo de produção, sem a expropriação da burguesia e a socialização dos meios de produção de modo a distribuir seus frutos entre todos de modo mais justo. A luta do negro hoje, no Brasil, é a luta do proletário, e todas as suas conquistas não brotam de mentes iluminadas de legisladores brilhantes como raios em céu azul, mas são frutos de tensões e lutas políticas reais travadas nas ruas.

Embora a história oficial trate da abolição da escravatura entre nós como um presente da Casa Real Luso-Brasileira aos negros secularmente massacrados no Brasil, a realidade é que – tanto quanto qualquer outra conquista popular – cediam à pressão das ruas e aos movimentos de insurreição popular promovidos pelos negros às portas da industrialização nacional, em que a alta concentração populacional das cidades ameaçava criar uma tensão social insustentável. Junto aos imigrantes italianos, alemães, japoneses e árabes, formaram a primeira grande geração do operariado fabril no Brasil.

Do mesmo modo, foi ainda sob influência das extensas mobilizações populares que derrubaram a ditadura militar que se promulgou a lei 7.716 de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A norma foi iniciativa do jornalista, constituinte e Deputado Federal (PDT) Carlos Alberto Caó de Oliveira (1941-2018) e tipificava como crimes ações concretas de cunho racista, tais como impedir o acesso de alguém ao serviço público; negar ou obstar emprego em empresa privada; recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, bares, restaurantes, clubes, banhos, salões, edifícios, meios de transporte, às forças armadas, negando-se a servir, atender ou receber cliente, comprador, sócio etc.. Era uma conquista justa visando a garantir a todos o igualdade de direitos: também um dos esteios da filosofia iluminista dos tempos modernos que sustentam as repúblicas capitalistas desde o século 18.

Infelizmente, porém, – e como era de se esperar de um regime calcados na manutenção de privilégios da classe dominante – a lei foi praticamente inócua. Trinta anos após sua promulgação, os pobres ainda são majoritariamente negros, os subempregados são em sua maioria negros, os estudantes universitários são brancos, a população carcerária é negra.

Ascenso da direita, ascenso dos crimes de opinião

Durante a Ditadura Militar, promulgou-se a lei 5.250 de 1967, que “regula a liberdade de manifestação do pensamento e informação” – conhecida como Lei de Imprensa: evidentemente, peça fundamental para alavancar a censura indiscriminada, a repressão aos órgãos de imprensa, o encarceramento por crime de opinião. Em 2009, essa lei restritiva ainda vigia, e foi preciso que uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) fosse aceita pelo STF para que em seu conjunto tal lei fosse revogada por inconstitucionalidade. A própria permanência de tal instrumento de repressão é um sinal inequívoco de persistiam firmemente entranhados em nossa supostamente “sólida democracia” diversos instrumentos de repressão tão vivos quanto os militares torturadores anistiados na década de 1970.

Pior ainda, a pretexto de fomentar a redução da desigualdade novos instrumentos de criminalização da opinião passaram a ser fomentados e embutidos na legislação justamente por parlamentares da esquerda pequeno-burguesa. A lei Caó, já praticamente anódina, foi então enxertada de um artigo de criminalização de opinião. O então deputado gaúcho Paulo Paim (PT), durante o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Propôs e aprovou no Congresso a lei 9.459, de 1997, tornando crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, acrescentando ainda um parágrafo sobre discriminação de “raça, cor, etnia, religião ou origem” no Código Penal.

Na ingênua visão desses setores de esquerda, estaríamos então protegidos por lei da possibilidade de ascensão de um Jair Bolsonaro, por exemplo, pródigo em fazer discursos em apologia à ditadura e seus torturadores, detratando mulheres, negros, umbandistas, e… brasileiros como párias da sociedade. Tal lei foi completamente inócua para a questão dos negros –– nada menos que 80% de nossa sociedade.

Que significa, hoje, criminalizar a LGBTfobia?

Ao contrário do que esperavam os legisladores da esquerda pequeno-burguesa, Bolsonaro ascendeu ao poder. Isso porque em política valem as forças reais em jogo: o poder econômico e institucional da burguesia, sua capacidade inatingível de formar as ideias dominantes de nosso tempo contra a capacidade de organização e mobilização da classe trabalhadora.

Eleito Bolsonaro e um Congresso especialmente direitista, a comunidade LGBT se viu numa situação particularmente vulnerável. Aumentaram exponencialmente os casos de agressão a homossexuais, o parlamentar do Psol Jean Wyllys renunciou a seu cargo e fugiu do País. O deputado era pródigo em decretar o fim da luta de classes em prol de “novas forças em ação como os movimentos feministas e LGBT”.

A experiência concreta mostrou a futilidade de expedientes legislativos para sanar questões que na verdade têm fundo estrutural: a luta de classes, a dominação do homem pelo homem para manter vivo o zumbi do sistema capitalista que persiste em frangalhos no mundo à custa de golpes de estado e guerras. Somente numa sociedade sem classes sociais será possível atingir uma verdadeira e plena igualdade entre os indivíduos independentemente de sua raça, cor, etnia, gênero, país de origem ou preferência sexual.

A ADO do PPS (um partido direitista) não vai fazer pelos homossexuais mais do que a lei contra o racismo a que ela remete fez pelos negros: pouco ou nada. Tal recurso nada mais é que correr para os braços do inimigo em busca de salvação. Pior: esse expediente aumenta o espectro dos crimes de opinião existentes em nosso sistema legal. Uma criminalização que atingirá sobretudo os setores sem recursos para uma defesa judicial.

A comunidade LGBT já buscou apoio institucional entre os parlamentares, mas seu grande “líder” fugiu do País. De nada servirá buscar abrigo no STF golpista e militarizado. A lei sem forças políticas reais que lhe sustentem não passa de letra morta que só servirá ao aumento da população carcerária composta por pobres, negros, mulheres e homossexuais. É preciso mobilizar todos os setores mais vulneráveis da sociedade – como os LGBTs – e organizar sua autodefesa, sua mobilização na luta por seus direitos e pela derrubada do governo de fascistas e golpistas de Jair Bolsonaro.

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