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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Frente com golpistas

Dois papas

Recentemente, duas bestas-feras da burguesia se tornaram santas e entrevistaram Lula e Guilherme Boulos

A entrevista de Lula para o ex-fascista e hoje bolchevique Reinaldo Azevedo foi apresentada por setores da esquerda como um dos maiores eventos da Era Cenozoica. Não foi nada disso, mas apenas uma entrevista que chamou a atenção por reunir, no mesmo programa, o maior líder popular do País, perseguido pelo golpe de Estado, e uma figura execrável, capacho do PSDB, contratado para servir ao mesmíssimo golpe de Estado.

Essa, no entanto, não foi a única entrevista em que a esquerda esteve reunida com a direita golpista. Nesta semana, o ex-candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, participou do programa de José Luiz Datena, ex-futuro-vice-prefeito do PSDB e dono de um dos programas mais fascistas da TV aberta. Qual o significado de ambas as entrevistas e qual a diferença entre elas?

O significado é bastante evidente. Trata-se de um esforço para conciliar a esquerda, que deveria representar os interesses do povo, e a direita, que é a representação política dos assassinos do povo. O esforço, que aparece sob o disfarce de “diálogo”, “contra a polarização”, “democracia” e outras tantas cretinices, é simplesmente a expressão da política de colaboração de classes. Ou, dito de outro modo, a política de submissão do proletariado aos seus inimigos políticos.

Não é segredo algum que Lula esteja em busca de uma política de boa convivência com a burguesia. O ex-presidente já falou várias vezes que não era um “revolucionário” e que, em seu governo, os bancos faturaram bilhões. O próprio PT é, em essência, um partido reformista extremamente moderado, sem qualquer pretensão de rompimento com o regime. Já os laços cada vez mais apertados de Boulos com a burguesia também não são novidade, visto que o psolista deu inúmeras demonstrações nas últimas eleições de que estaria disposto a seguir exatamente a cartilha dos capitalistas. No entanto, casos como esses sempre devem ser trazidos a público porque há, ainda hoje, uma campanha do PSOL para se apresentar como partido socialista, revolucionário e mais progressista que o PT, quando, na verdade, não passa de mais uma legenda da esquerda reformista. Quem tanto acusou Lula de ser conciliador por causa de sua participação no programa de Reinaldo Azevedo se calou quando Boulos visitou Datena.

Guardadas as devidas semelhanças — Boulos e Lula estariam se confraternizando com elementos da burguesia, expressando uma política de colaboração de classes —, os casos apresentam diferenças muito importantes. Em primeiro lugar, já chama a atenção que, ao participar do programa de Reinaldo Azevedo, Lula aumentou a audiência em cerca de 10 vezes! O programa, que costuma ser visto por 200 mil pessoas, foi visto por 2,2 milhões, se contarmos apenas o que foi assistido pelo YouTube… Já Boulos, no programa Manhã Bandeirantes, apresentado por Datena, foi visto por nada mais que 500 pessoas, o que é a média da audiência tradicional do programa e mais de quatro mil vezes menor que a audiência de Lula!

Esses dados, traduzidos, nos mostra o seguinte: Lula não precisa da burguesia — são os setores falidos da burguesia que tentam explorar a sua popularidade para se reciclar; Boulos, por sua vez, necessita da burguesia — sem a imprensa burguesa, o psolista não seria conhecido por ninguém. E isso faz toda a diferença.

Embora a política de Lula seja um equívoco, pois a burguesia apenas atrasa o desenvolvimento da luta da classe operária por um governo próprio, seu objetivo é tentar chegar a um acordo com a classe dominante a partir de um determinado capital político que o ex-presidente tem. Isto é, pela limitação do programa do PT e da política do próprio Lula, que é empírica e, portanto, centrista, o ex-presidente não acredita, neste momento, que seja possível chegar ao poder sem certa concessão dos capitalistas. Seu método, portanto, não é o de abandonar a luta dos trabalhadores e apoiar um governo da direita, mas sim de buscar um acordo que permita fazer algum tipo de política social. Como vimos durante o golpe, essa política não resolve nenhum problema fundamental: é hora, portanto, de o movimento operário, a partir dessa experiência, marchar para uma independência total da burguesia e levar sua liderança, Lula, consigo.

Neste momento de ofensiva do imperialismo, em que a direita não consegue sequer tolerar a política moderada dos governos petistas, a burguesia não quer um governo Lula, pois sabe que o movimento que o apoia é tão forte que inviabilizaria a política neoliberal “puro sangue”. Isso facilita bastante para que os trabalhadores aprendam o único caminho para a sua libertação, que é o da independência de classe. O Santo Padre Reinaldo Azevedo, eleito papa na votação secreta e obscura dos ideólogos da esquerda pequeno-burguesa, é, neste sentido, apenas uma excrescência — um abutre que está sendo escanteado pela setores dominantes da burguesia que tenta se passar como esquerdista para se manter vivo.

Já Boulos, que não tem capital político algum, não está na posição de sequer tentar um acordo com a burguesia. Boulos é um político pequeno-burguês, sem apoio real algum. Portanto, quando se une à direita, não tem nada a oferecer: acaba virando, inevitavelmente, uma marionete dos golpistas. Boulos é incapaz de se impor e, portanto, quando propõe uma “frente ampla”, está propondo, portanto, o seu apoio à direita nacional.

Nas entrevistas, isso ficou mais que claro. Os sectários de plantão, que acusam até as vírgulas dos discursos de Lula de serem reformistas, deram grande destaque às falas de Lula sobre as empresas de economia mista e sobre Luiza Trajano. Mas não tinha por que dar destaque: essa é a política de Lula, que todo mundo conhece, independentemente de ele estar na presença de Reinaldo Azevedo ou não. Já Boulos foi para a Rádio Bandeirantes falar exatamente o que Datena e toda a burguesia queriam ouvir.

O grande tema do programa foi o pedido de Guilherme Boulos no Tribunal de Justiça de São Paulo para exigir que a prefeitura de São Paulo colocasse 100% da frota de ônibus nas ruas. De fato, o aumento da frota nas ruas tem sido uma reivindicação dos rodoviários de todo o País — o que é natural, pois, com mais ônibus, menos lotação e, portanto, menos risco de contaminação para os trabalhadores do transporte. No entanto, a medida de Boulos tem um outro significado: serve apenas para legitimar de vez a reabertura do comércio. Afinal, Guilherme Boulos não é rodoviário, mas sim um político, que foi candidato a presidente. Teria, portanto, o dever de apresentar um programa de conjunto para a população. Se propõe aumentar os ônibus, mas não denuncia o motivo pelo qual os ônibus estão lotados — a reabertura da economia —, Boulos está apenas reforçando a política de João Doria e Bruno Covas (PSDB).

Essa não seria, nem de longe, a primeira vez. Boulos já havia elogiado o PSDB pela política diante da pandemia — seu pai, inclusive, é um dos coordenadores do chamado combate ao coronavírus no governo de São Paulo — e é defensor da volta às aulas. Logicamente, do mesmo jeito escorregadio e enrolão: em vez de dizer para o governo abrir logo as escolas, pede “volta às aulas com segurança”. E essa palavra de ordem é tão ridícula que, em sua coluna da última segunda-feira, Boulos, diante de 4 mil mortes diárias, disse: “volta às aulas somente com a vacinação dos profissionais da educação”. E o que fez Doria logo em seguida? Anunciou a vacinação — fajuta, como sempre — dos profissionais da educação. Agora sim, com quatro mil mortes por dia, vamos todos reabrir as escolas!

Além da questão da reabertura, é importante destacar que nem mesmo a preocupação com a questão do transporte público é real. Na entrevista, Boulos e Datena chegam a uma descoberta histórica: de que existe uma “máfia” dos transportes. E qual a grande solução de Boulos para combater essa máfia? Nenhuma. O “revolucionário” Boulos não propõe a estatização do transporte, nem sua gratuidade, nem tocou no problema das demissões dos rodoviários e da criminosa dupla função.

Não fosse tudo isso, Boulos ainda acabou passando o ridículo de servir de palanque para Datena. O apresentador fascista acabou falando mais que o próprio psolista e aproveitou o programa para chamar Lula de bandido, para elogiar Moro, para fazer demagogia com a luta contra a corrupção e enfiar todo um programa reacionário recebido por Boulos com um sorriso amarelo. Datena ainda aproveitou o momento para anunciar que a Band iniciou uma campanha contra a fome, que estaria servindo de modelo para várias outras campanhas contra a fome no País, e insinuou que Lula seria um bandido:

“É uma pena que o xadrez não está definido. Porque estava, mas voltaram atrás e abriram as portas do xadrez. Vai sair o Geddel, o Palocci, devia soltar o Marcola… que parece que é mais honesto que muito canalha que roubou dinheiro público”.

E a pergunta que fica, no final das contas, é: qual o ganho de servir de palanque para um picareta como Datena? Absolutamente ganho nenhum. Datena, que usou Boulos para fazer propaganda da repressão e de todo o programa da direita, não se comprometeu com coisa alguma que fosse de interesse da esquerda. Para que se tenha ideia, o que ele disse de mais progressista — e talvez de mais inteligente — foi: “Eu não tenho absolutamente nada contra o governador João Doria, mas eu também não tenho nada a favor do João Doria”.

Boulos, no final das contas, saiu humilhado do programa, pois o próprio Datena fez pouco caso de sua importância política: “você que é hoje uma figura nacional que representaria a esquerda, e se não fosse a candidatura do Lula, tenho a impressão de que você sairia novamente candidato à presidência da República”. Embora seja verdade que a candidatura de Boulos não vale de nada em comparação com a de Lula, colocar as coisas dessa forma costuma ferir o orgulho dos psolistas…

No fim do programa, Datena ainda fez um monólogo de cinco minutos em que falou as coisas mais escabrosas possíveis, encerrando o programa sem a fala de Boulos.

O santo padre que foi entrevistar Lula é, como só poderia deixar de ser, uma figura que, de tão desmoralizada, só consegue ainda sobreviver no regime fazendo alguma demagogia com a esquerda e, portanto, com o ex-presidente. É um reacionário, mas é apontado como um progressista só porque diz gostar de Chico César. Já o santo padre de Guilherme Boulos é um fascista mais escancarado, e que só é apresentado como padre porque criticou uma coisa ou outra do governo Doria. Mas, diferente do papa Azevedo, sente-se à vontade para colocar as manguinhas para fora e colocar abertamente a sua política.

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