Quase um mês depois de o ministro Edson Fachin, do STF, anular os processos do ex-presidente Lula no âmbito da Operação Lava Jato, apenas o Partido da Causa Operária se pronunciou, em público, a favor da candidatura do petista. O PCO, inclusive, já vinha fazendo campanha pela unidade em torno da candidatura de Lula desde as eleições de 2020 — agora, no entanto, que o ex-presidente se encontra elegível, não haveria pretexto algum para que toda a esquerda não lhe declarasse apoio imediato.
Um argumento bastante recorrente, e que foi apresentado pela primeira vez por Guilherme Boulos (PSOL), quando Lula ainda estava inelegível, é o de que, antes de discutir nomes, a esquerda deveria discutir o seu programa. A isso se complementa o discurso de que, no ano de 2021, o foco da esquerda deveria estar no combate à crise sanitária, e não no candidato que apoiará em 2022. O argumento, contudo, é falso e apenas serve para encobrir as verdadeiras intenções daqueles que o veiculam.
O argumento é falso porque, em primeiro lugar, a candidatura de Lula não está garantida para 2022. A burguesia segue tentando tirá-lo da disputa de todas as maneiras, seja pelas vias jurídicas, seja pela pressão da imprensa sobre o PT, seja até mesmo pelas Forças Armadas. Para que Lula seja candidato, portanto, é necessário travar uma luta de grande envergadura. Uma luta que obrigaria os trabalhadores a investirem contra todas as instituições golpistas e até mesmo contra os dirigentes abutres da esquerda nacional, que temem que a candidatura de Lula estraguem a sua carreira no regime político. Uma luta dessa magnitude, portanto, não pode ser secundarizada, muito menos deixada para ser travada às vésperas das eleições.
Em segundo lugar, é um equívoco gigantesco achar que problemas graves como a pandemia, o desemprego e a fome sejam vencidos por meio de uma campanha genérica. Isso mostra, inclusive, como a esquerda pequeno-burguesa é incrivelmente atrasada e despolitizada.
A pandemia, o caos econômico, a miséria e todos os males pelos quais um país atrasado como o Brasil passa é o resultado da luta de classes — da disputa entre os interesses inconciliáveis da burguesia e da classe operária. Não falta vacina no Brasil por pura “burrice” do governo Bolsonaro, nem o povo está morrendo de fome porque direitistas como João Doria são simplesmente sádicos. Embora falte muita inteligência a Bolsonaro e aos gorilas de seu governo, como também compaixão não é exatamente o que define o tucanato paulista, o fato é que o Estado brasileiro é incrivelmente incompetente porque é comandado pelos capitalistas, cujo único interesse é salvar seus negócios diante de uma crise econômica de proporções ainda imprevisíveis.
Assim sendo, os setores da esquerda que acreditam que uma campanha pela vacinação simplesmente resolveria o problema da pandemia, ou que um manifesto a favor do emprego seria a solução para que os trabalhadores recuperassem seus meios de existência está jogando areia nos olhos da população. Os capitalistas estão travando uma guerra contra o povo para arrancar tudo aquilo que é seu; para que o povo não padeça, é preciso, portanto, declarar uma guerra contra o Estado de conjunto.
A candidatura de Lula, neste sentido, é uma declaração de guerra ao Estado comandado pelos parasitas e sanguessugas da burguesia. Lançar desde já uma candidatura corresponde à luta política em sua maneira mais acabada: a luta propriamente pelo poder político, pelo controle do Estado. Neste sentido, é uma contradição opor a candidatura de Lula ao problema da vacinação: fortalecer a candidatura do maior líder popular do País aumenta a ameaça de os trabalhadores tomarem o poder, e é somente essa ameaça que é capaz de fazer a burguesia se mexer.
Não é só por ignorância, contudo, que o conjunto dos partidos e da intelectualidade pequeno-burguesas ainda não decidiram apoiar Lula. O fato é que, como a esquerda pequeno-burguesa é muito ligada à burguesia, ela se sente muito pressionada a não apoiar o ex-presidente. Afinal de contas, neste momento, nenhum candidato aterroriza tanto a burguesia quanto Lula. Se nem mesmo Jair Bolsonaro, que é um direitista, lesa-pátria e lambe-botas do imperialismo, a classe dominante consegue controlar bem, o que dirá de Lula, que é apoiado por um movimento poderosíssimo e composto por milhões de pessoas.
Essa repulsa da esquerda pequeno-burguesa à candidatura de Lula pode ser vista em, basicamente, duas posições de seus intelectuais e dirigentes. De um lado, os setores mais sectários, como o PSTU e Jones Manoel e, de maneira geral, o PSOL, insistem em apontar os “defeitos” de Lula. No fim das contas, essa política só tem como fim fazer uma propaganda contra o ex-presidente, o que não ajuda a unificar os trabalhadores em torno de sua candidatura. Isto é, por aquilo que consideram como erros do passado e divergências políticas, esses setores abrem mão de apoiar uma candidatura que tem o potencial de liquidar o golpe de Estado. Ao verem qualquer mínima inclinação de Lula aos empresários, saem latindo contra o ex-presidente.
A outra posição é a dos setores oportunistas, que, embora sejam muito saudosistas da época em que usufruíam de altos cargos nos governos petistas, se mostram bastante desconfiados com a candidatura de Lula, pois o ex-presidente está muito mais radical do que em 2002 e se tornou persona non grata no interior do regime. Esses setores, embora queiram retornar para o período de antes, ficam na torcida e aplaudem qualquer gesto que Lula dê em direção à burguesia.
O Lula real, no entanto, nada tem a ver com o Lula fantasiado pela pequena burguesia, seja pelos sectários, seja pelos oportunistas. O Lula real é aquele que é apoiado por milhões de pessoas e que, independentemente do que pense, está em uma posição de confronto com toda a direita golpista. É uma expressão, portanto, da luta contra o golpe em curso.