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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

França

Esquerda e Macron estendem o tapete para Le Pen chegar ao Eliseu

A crise política em um dos principais centros imperialistas é cada vez mais profunda. A extrema-direita tem chances reais de assumir o governo francês em 2022

Temos discutido diariamente em nossa imprensa a crise histórica das direções da esquerda, que se aprofunda conforme desmorona o regime ao qual elas se agarram. Mas isso, naturalmente, não é um fenômeno exclusivo da esquerda brasileira. É internacional.

Na França, por exemplo, a situação é tão ou mais preocupante do que aqui. A um ano das eleições presidenciais, as perspectivas não poderiam ser piores. Todas as pesquisas indicam um segundo turno entre o atual presidente Emmanuel Macron e a líder fascista Marine Le Pen. E, para o desespero da pequena burguesia “bem pensante”, há chances reais da extrema-direita tomar o poder. Pesquisa do IFOP aponta a vitória no 1º turno de Le Pen (28% dos votos) contra Macron (24%). A maioria dos levantamentos, contudo, dá vitória apertada do representante dos banqueiros no 2º turno, como expressa a pesquisa Harris Interactive publicada no jornal L’Opinion: 53% contra 47%. A esquerda, sem uma política vinda das massas operárias e destinada a elas, não tem nenhuma força eleitoral competitiva.

Diante de tal cenário, o que faz a esquerda?

A maior parte dela tem vergonha de anunciar publicamente o apoio a Macron, mas, no geral, parece estar se preparando para correr para o colo da alta burguesia se Le Pen ameaçar vencer em maio de 2022. O Partido Socialista é quem encabeça a ala dos que pensam seriamente em optar pelo “mal menor”. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o primeiro secretário do partido, Olivier Faure, junto com o ex-presidente da república, François Hollande, são claros apoiadores da frente ampla à francesa, a chamada “frente republicana”, contra a extrema direita.

Hidalgo, cuja administração à frente da capital nacional é notadamente direitista e impopular, já disse que a tarefa principal nas eleições é barrar Le Pen. Por sua vez, Hollande, que governou para o imperialismo francês entre 2012 e 2017, elogiou Macron no combate à pandemia – “combate” esse que já matou quase 100 mil cidadãos, estabeleceu medidas repressivas e, no entanto, deixou as escolas abertas para que alunos, professores e, como consequência, toda a população continuassem se contaminando.

Em entrevista à Folha de S.Paulo (com a clara intenção de promover a política de frente ampla no Brasil), o ex-presidente francês esclareceu qual é a política que irá promover nas eleições francesas: o apoio de toda a esquerda a Macron.

A esquerda nos Estados Unidos –porque é assim que podemos considerar os democratas americanos– foi capaz de se unir em torno de Joe Biden, cujo passado e experiência eram testemunhas de seu compromisso e despertaram confiança. Foi assim que Trump pôde ser derrotado. Foi por pouco, e isso só foi possível porque o conjunto dos democratas, para além de suas diferenças, juntaram suas forças. O papel da esquerda, portanto, é fazer de tudo para impedir que os populistas cheguem ao poder e, quando eles chegam, de retirá-los democraticamente propondo ao povo uma solução crível. (Folha de S.Paulo, 22 de março de 2021)

Responsável pela invasão de tropas francesas ao Mali, Hollande é um defensor da “renovação” da esquerda de seu país e, inclusive, da mudança de nome do PS – algo que poderá ocorrer em breve. Quando vemos que, no Brasil, o PCdoB tem exatamente a mesma opinião sobre as eleições dos EUA, e de que a esquerda deveria seguir a mesma estratégia no Brasil, bem como sobre mudar de nome e de cores, não nos espantemos: não passam de oportunistas teleguiados pelo imperialismo “democrático”, cuja esquerda institucional é a principal expressão política.

A ala direita do PS (um partido por si só já fortemente direitista) ficou com os olhos brilhando quando um senador dos Republicanos (partido de Nicolas Sarkozy), da direita tradicional, declarou que votaria em qualquer um contra Le Pen e o Reagrupamento Nacional. Trata-se de uma clara manobra para fisgar a esquerda ingênua e depois botar-lhe um par de chifres – da mesma forma como faz a imprensa capitalista, que pressiona a esquerda francesa a sair de cima do muro e declarar seu apoio a Macron (mais uma coincidência com o que vivemos no Brasil).

Os Verdes têm o mesmo posicionamento de aderir a uma frente de todos, direita e esquerda, para evitar a vitória do fascismo. Esses são os verdadeiros “amigos da onça” da esquerda, isto é, direitistas que se passam por defensores do meio ambiente para enganar a pequena burguesia de esquerda, mais preocupada com os pandas chineses do que com os operários esquartejados pela exploração laboral. Esse é um partido da pseudoesquerda que, aliado tanto da esquerda como da direita, serve como uma ponte para unir os dois espectros políticos em uma frente ampla. No Brasil, funciona da mesma maneira, ao PV e à Rede se juntam, e desempenham de modo ainda mais agressivo esse papel, o PDT e o PSB. Até mesmo Jean-Luc Mélenchon, um político pequeno-burguês que é muito mais esquerdista que quase toda a esquerda brasileira, estendeu a mão aos Verdes e esboçou uma aliança com eles.

A esquerda francesa corre o risco de repetir o que fez em 2017. No 2º turno daquela eleição presidencial, boa parte dos votos que permitiram a Macron vencer Le Pen foi puxada pelos partidos de esquerda. Venceram o fascismo? Claro que não! A pesquisa Harris Interactive mostra que entre 84% e 90% dos que votaram em Le Pen em 2017 repetirão o voto em 2022. Essa é uma das expressões estatísticas não apenas do crescimento do fascismo na França nos últimos anos, mas também de sua consolidação. Aquela já havia sido a melhor eleição para a extrema-direita em toda a história da 5ª República, quando Le Pen chegou ao segundo turno e alcançou 34% dos escrutínios. E o Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional) não é, nem de longe, a única organização de extrema-direita no país. Nos últimos anos, ela tem crescido vertiginosamente, como em toda a Europa. Não podemos esquecer que a França é o berço da extrema-direita mundial e, portanto, um termômetro para medir as capacidades tanto eleitorais como organizativas da extrema direita internacional.

Esse crescimento foi possibilitado, em grande medida, pela paralisia e integração da esquerda ao regime político putrefato do imperialismo. Hollande chegou ao governo como reflexo da crise de 2008, que destruiu os pilares de sustentação da direita tradicional e fez com que a burguesia optasse pela sua ala esquerda. Na presidência, ele aplicou uma política de forte ataque aos trabalhadores e de manutenção da agressividade colonial do imperialismo francês, levando as massas a realizarem grandes mobilizações contra seu governo neoliberal, tendo sido a França um dos países com maiores agitações sociais do período.

Com a sua substituição por Macron, com medo do fascismo a esquerda já integrada ao regime manteve-se distante das massas e se recusou a apoiar os coletes amarelos – principal manifestação da revolta popular no país -, tachando-os, em um primeiro momento, de massa de manobra de Marine Le Pen. Assim, aqueles caminhoneiros, trabalhadores desqualificados, empobrecidos e desorganizados, viram-se sozinhos, sem mesmo o apoio dos sindicatos. O aumento impressionante de sua mobilização, cada vez maior, somando centenas de milhares de pessoas pelo país em 2019, e, concomitantemente, de sua repressão pela polícia e até mesmo pelo exército, atraiu cada vez mais setores proletários para as ruas. Isso obrigou a esquerda a intervir, mas, confusa e perdida como sempre, ela já não conseguiu organizá-los e, já há um bom tempo, não temos mais notícia dos bravos gilets jaunes.

A vitória sobre o maior movimento popular desde maio de 1968 expressou um deslocamento à direita de Macron e de todo o regime político. Desde então, o presidente neoliberal vem aplicando uma política cada vez mais dura contra os trabalhadores – desde medidas econômicas draconianas a leis repressivas nas universidades, como a atual caça às bruxas contra os acadêmicos islâmicos. Aliás, a questão do “terrorismo” tem sido frequente em seu governo. Primeiro com os atentados do Estado Islâmico, depois com episódios isolados que, no entanto, geraram grande polêmica na França, como o caso do professor degolado por alunos árabes. As próprias declarações públicas de Macron não deixam dúvida de seu deslocamento à direita. Quando da decapitação de Samuel Paty (professor que zombava dos muçulmanos, oprimidos tanto dentro como fora da França), o chefe do imperialismo francês culpou a “loucura islâmica” e disse: “os islamistas querem nosso futuro.”

Esses fatos só fazem crescer a legitimidade da propaganda da extrema-direita contra os imigrantes dos países atrasados, a favor da repressão e, consequentemente, de um governo mão de ferro. O episódio mais recente é a tentativa da extrema-direita de dissolver a União Nacional dos Estudantes Franceses (UNEF), órgão tradicional da combativa juventude francesa. O fato é que Macron está pavimentando o caminho para os fascistas assumirem o poder. E tudo isso com a complacência (para não dizer o apoio) da esquerda francesa. “A esperança depositada nele por uma parte da esquerda claramente não viu resultados”, disse à imprensa o vereador de Paris Hermano Sanches Ruivo (PS). “E, de fato, também por causa da pandemia as pessoas estão em muito mais dificuldades e não há forma de se expressar, já não há coletes amarelos, assim a melhor forma será pelo voto.”

Eis a política dos que dizem representar os trabalhadores: não há como se mobilizar, é preciso aguardar as eleições. Mas, ao mesmo tempo que desmobiliza as massas cada vez mais empobrecidas nas ruas, essa mesma esquerda vislumbra uma política eleitoral extremamente medíocre. Os mais assanhados já esboçam um apoio a Macron; os mais pressionados pelas bases, como o secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Phillippe Martinez, simplesmente transformam suas bocas em túmulos quando questionados sobre uma possibilidade de 2º turno entre Macron e Le Pen.

Isso, mesmo com as pesquisas evidenciando que a base eleitoral da esquerda detesta Macron. Tanto a Harris Interactive como a IFOP e a Ipsos dão conta de que quase metade dos eleitores de esquerda diz que não votará em Macron. Metade dos eleitores de Hidalgo (cotada para ser a candidata do PS) votaria nulo, enquanto que 52% dos eleitores de Mélenchon se absteriam e 24% preferiria Le Pen a manter Macron no poder.

Um articulista do Le Monde chamou a esquerda francesa de “kamikaze” devido à falta de unidade. Somos obrigados a concordar em parte com ele, mas o problema não é qualquer unidade. Ela faz unidade, não entre si ou com os trabalhadores, mas sim com a burguesia. E uma unidade com a burguesia significa, invariavelmente, ficar a reboque desta. Outro comentarista do mesmo jornal afirmou que as reticências de parte da esquerda em escolher entre Macron e Le Pen “põem em causa um dogma tradicional da esquerda, que é a ‘frente republicana’ contra a extrema-direita”. Infelizmente, esse não é o objetivo da esquerda francesa. Ela está louca para ingressar de cabeça na “frente republicana”. Só não fez ainda devido justamente à pressão de sua base, operária e estudantil, principalmente – como manifestado pela recusa a votar em Macron.

Porém, centrista – como é natural devido à sua origem social pequeno-burguesa -, a esquerda francesa não ouve as massas. O grande problema para ela, no entanto, é que pode ser que sequer adiantem todos os seus malabarismos para finalmente apoiar Macron. É cada vez mais possível que a burguesia imperialista francesa desmanche totalmente esse acordo e opte por Le Pen em detrimento de Macron, tão desgastado aos olhos de todas as classes sociais.

Há sérios indícios de que a solução da burguesia possa ser essa. Ora, por que o Reagrupamento Nacional cresceu tanto e manteve-se forte durante tanto tempo? Por causa do financiamento de uma parcela da burguesia francesa. Agora, contudo, o apoio pode vir também do próprio imperialismo europeu e mundial. Le Pen sempre criticou brutalmente a União Europeia e ameaçou retirar a França do bloco caso chegasse à presidência. Mas seu discurso tem mudado e se tornado mais palatável para a burguesia “globalista”. Recentemente, ela declarou: “É preciso escutar e os franceses disseram que querem permanecer na zona do euro e assim faremos.”

Aqui, mais uma vez, uma clara semelhança com o Brasil. Bolsonaro, cujos seguidores admiram Le Pen, também sempre teve um discurso “antissistema”. No entanto, carreirista como realmente é, para conseguir se apresentar à burguesia como candidato aceitável, teve de adequar e moderar seu posicionamento, tornando-se, quando eleito em 2018, um serviçal dos banqueiros. Essa estratégia – longe de ser uma invenção brasileira – já é tradicional dos fascistas: para assumir o cargo de chanceler na Alemanha, Hitler fez um acordo com Paul von Hindenburg e o conjunto da burguesia alemã, depois foi domesticado por esta e colocado em seu bolso – o mesmo bolso dos banqueiros que sempre havia criticado por estar cheio demais.

Le Pen e os fascistas podem tomar o poder na França. E, no final das contas, Macron e Cia. poderão ser seu Hindenburg, pois seu governo está estendendo o tapete para a entrada gloriosa da extrema-direita no Palácio do Eliseu. A esquerda, desnorteada, não percebe isso. Mesmo que os trabalhadores estejam tentando demonstrar que há algo de errado em sua política.

Se é verdade que a poderosa burguesia imperialista francesa pode aceitar Le Pen no poder, então os trabalhadores brasileiros também devem abrir o olho: isso significaria que o imperialismo de conjunto continua sua viragem à direita. No Brasil, diante de um impasse na situação política, o imperialismo poderá optar por um acordo com Bolsonaro para mantê-lo no governo. A esquerda, o que fará? O mesmo que na França? Aqui, entretanto, aparentemente temos mais sorte que os franceses na etapa atual: a esquerda tem competitividade eleitoral, mas para confirmá-la e explorá-la é preciso desenvolver o movimento das massas, e isso, ao contrário da França, é possível de se fazer unindo-se em torno de Lula – uma expressão dos trabalhadores -, polarizando com Bolsonaro, rechaçando uma aliança como a proposta na França pela burguesia para afogar o movimento operário e apostar na radicalização política dos explorados. A saída, lá como cá, é o rompimento das amarras que prendem a esquerda ao regime decrépito, com uma política independente, popular, operária e socialista.

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