Foram mais de dez dias de greve da Polícia Militar do Ceará, que se amotinou para pressionar em troca de aumento salarial, anistia aos grevistas, dentre outras reivindicações. O movimento é parte de uma crise nacional com as forças de repressão, em especial, com a Polícia Militar dos estados, que, como parte integrante das despesas dos estados, também está dentro do arrocho geral praticado pelos golpistas contra os servidores.
Cid Gomes, homem a quem se chama de “coroné”, descolou uma retroescavadeira e partiu para cima dos amotinados, que, em resposta, dispararam contra um dos representantes dos Gomes no Ceará. Aqui é preciso fazer uma clara distinção do que efetivamente aconteceu: não é que Cid Gomes estava atacando a polícia enquanto tal, ele estava atacando o direito de se manifestar dos policiais. Ele, Cid Gomes, queria que a PM estivesse nas ruas, baixando a porrada nas pessoas, como usualmente faz. Os Gomes não possuem o menor interesse no fim da PM, em sua dissolução. Pelo contrário, toda a movimentação de Cid Gomes neste caso foi para devolver a PM às ruas, tal como a conhecemos.
É preciso destacar, em primeiro lugar, que, desde o golpe de Estado, os direitos democráticos, todos, estão sendo atacados, por todos os lados. Foi o que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, e também todo o processo fraudulento que resultou na prisão de Lula, justamente para que ele ficasse de fora do pleito eleitoral de 2018, que venceria com certa tranquilidade diante da crise dos candidatos da direita. O golpe de Estado “elegeu” Bolsonaro.
A defesa da liberdade de Lula é a defesa de um direito democrático, da ampla defesa, do contraditório, da necessidade de trânsito em julgado para a efetiva prisão de uma pessoa. É que uma pessoa só pode ser presa se estiverem esgotados todos os recursos possíveis. Um direito democrático, destruído pelo golpe de Estado. Assim foi, também, a defesa da anulação do impeachment de Dilma, uma luta democrática.
O direito à greve é um desses direitos, tal como o direito de associação civil em sindicatos e organizações de interesse de classe. À PM nunca foram permitidos esses direitos porque a organização precisa ser rigidamente controlada, precisa viver, ela mesma, uma ditadura, para que atenda, sem maiores impedimentos, as ordens da burguesia golpista, de reprimir o povo, suas manifestações, suas organizações. Para que atenda, de imediato, a determinação de exterminar a população negra, pobre e trabalhadora brasileira, por isso o impedimento de ter sindicatos, de fazer paralisações.
Uma greve ou motim, como foi visto no Ceará, abre uma crise dentro da organização, posto que, diante disso, abre-se todo um questionamento dentro da corporação sobre os direitos democráticos elementares, como o de protestar diante de alguma ameaça, diante de alguma reivindicação. Abre-se o debate de não aceitar calado todas as imposições do regime, o que seria o objetivo final da Polícia Militar. Ou seja, um movimento como esses abre caminho para discussão da PM enquanto tal, coloca em xeque a própria organização, seu funcionamento, seus objetivos. E é preciso aprofundar essa crise, se querermos dissolver a Polícia Militar.
O que Cid Gomes fez foi lançar um ataque abertamente fascista contra uma mobilização. Para o azar dele, era mobilização de policiais militares, que, ao contrario das demais pessoas, andam armados, possuem o porte de arma e podem fazer valer de maneira mais concreta seus interesses. É outro debate que se abre diante da questão, que leva a necessidade de lutar pelo direito ao armamento do povo, para que este possa, também, fazer valer seus direitos contra os ataques dos golpistas. Que seria do impeachment de Dilma, da prisão de Lula se o povo estivesse armado?
O fato é que é preciso defender o direito de manifestação, greve, paralisação, motim, o que quer que seja, para qualquer organização. Os interesses, as reivindicações envolvidas ai, etc, não tem nada a ver com a defesa do direito à greve como tal. O ataque ao direito à manifestação é um ataque fascista, e tende a resultar no ataque aos direitos democráticos e às greves de trabalhadores, como foi visto na intervenção do Tribunal Superior do Trabalho (TST) contra a greve dos petroleiros.
O policial militar não é trabalhador. É um contratado do regime burguês para trucidar o povo e suas reivindicações. Nesse sentido, as reivindicações dos policiais só servem para aumentar a ditadura contra o povo. O que não quer dizer, de maneira alguma, que se deve autorizar a repressão à manifestação salarial de policiais, que se deve vibrar com a repressão às manifestações desse setor, à repressão aos motins, greves. O direito de se organizar, de fazer greve, de se sindicalizar, tal como direito de expressão e manifestação do pensamento, deve ser irrestrito, sem condicionantes, sob pena do fortalecimento geral do regime de censura e repressão. Foi no exercício desse direito, por exemplo, que João Cândido, marinheiro, realizou a Revolta da Chibata.