Após uma série de gigantescas manifestações populares, que deixaram o governo direitista de Sebastián Piñera por um triz, aparentemente o clima político resfriou. Aproveitando o fato de que o reação popular se deu após o aumento do preço dos combustíveis, similar ao que vimos recentemente no Brasil no caso dos caminhoneiros, um setor da esquerda chilena entrou em um acordo com o governo Piñera, sob a promessa de que ele recuaria na questão dos combustíveis.
Há no Brasil quem procure ridicularizar os índios brasileiros, que aceitaram trocar metais preciosos e outros recursos naturais por espelhos. O que dizer então deste setor da esquerda chilena, que trocou manifestações populares enormes, que inclusive já pediam o “Fora Piñera”, por um acordo em troca de um recuo momentâneo do governo com relação ao preço dos combustíveis? Quer dizer, diante do fundamental na política, que é a questão do poder, esta esquerda se contentou com o que não poderíamos chamar sequer de migalhas.
Pois bem, e para o povo, que se mobilizou heroicamente nas ruas, qual o saldo final? Além de ter que aturar por mais tempo o governo Piñera, que pode reverter a qualquer momento o frágil acordo em torno dos combustíveis, os dados são alarmantes. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que é ligada à OEA, a brutal repressão militar às manifestações no Chile tinham somado até agora 42 mortos, 12 mulheres estupradas, 121 desaparecidos e milhares de torturados. Se levarmos em consideração de que os dados foram divulgados em uma matéria publicada no dia 23 de outubro deste ano e que a OEA é um instrumento do imperialismo na América Latina, chegaremos à conclusão de que a realidade é muito pior do que estes números revelam parcialmente.
Esta brutal repressão militar feita no Chile é fundamental para que possamos caracterizar estes acontecimentos na América Latina de conjunto. Diferentemente do que dizem setores da esquerda, que procuram apresentar a ideia de que cada país é um país, com as suas particularidades, e que portanto devem ser analisados isoladamente, estamos diante de uma ofensiva generalizada, articulada pelo imperialismo estrangeiro, em aliança com as Forças Armadas, a burguesia e a extrema-direita de cada país.
Se por um lado, no caso da Venezuela, as Forças Armadas ainda não tenham se bandeado para o lado do imperialismo, temos apenas mais uma comprovação da nossa tese, afinal, trata-se de um dos únicos governos nacionalistas que ainda se mantém. Dado o golpe militar na Bolívia, alguns intelectuais mais afoitos se apressaram em dizer que o caso da Bolívia é um “caso isolado”, como se no restante do continente estivéssemos a salvo de um golpe militar. Essa profunda repressão no Chile, que foi apenas a ponta do iceberg da repressão real que ocorreu no país, o golpe militar na Bolívia, o governo Bolsonaro e os seus generais fazem parte do mesmo movimento político: a imposição de ditaduras militares em toda a América Latina.