A Comissão de Mulheres e Equidade de Gênero da Câmara dos Deputados chilena inicia, no dia 13 de janeiro deste ano, os debates sobre o projeto de lei (PL) que despenaliza a interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana. Participam da audiência representantes das organizações Mesa Acción por el Aborto en Chile e Corporación Humanas, que defendem a legalização, assim como as deputadas autoras do projeto de lei. O fato de o congresso chileno colocar em pauta a discussão sobre a legalização do aborto, deve ser visto com ressalvas, pela posição direitista e fascista que caracterizam o seu parlamento.
O convite foi estendido à ministra da Mulher e Equidade de Gênero do Chile, Mónica Zalaquett Said, que demonstrou várias vezes ser contrária ao aborto legal, inclusive nos casos previstos pela legislação do país. A criminalização do aborto foi estabelecida pela ditadura de Augusto Pinochet pouco antes de deixar o poder, em 1990, e perdurou até o ano de 2017, quando foi aprovada lei que passou a permitir a interrupção da gravidez decorrente de estupro, em caso de inviabilidade do feto ou risco de morte para a mulher.
Porém, em 2018, o governo der Sebastián Piñera modificou o protocolo de aplicação da lei do aborto em três situações aprovada sob a administração de Michelle Bachelet, para facilitar que instituições privadas apelem à “objeção de consciência” e não pratiquem a interrupção da gravidez. Com isso, 51% dos médicos obstétricos do sistema público declararam objeção de consciência, ou seja, se recusaram a realizar o procedimento, dificultando enormemente a implementação da lei. Em 2019, por exemplo, dois anos após a promulgação da lei, o Ministério da Saúde do país relatou apenas188 casos de aborto legal, dos quais 150 em decorrência de um estupro, segundo a ONG Corporación Miles. Quando o esperado, era de que mais de mil mulheres decidissem anualmente interromper a gravidez devido a estupros.
O projeto de lei que começa a ser discutido no Congresso chileno na semana que vem, propõe mudar o Código Penal do país para despenalizar o aborto em todas as circunstâncias, até a 14ª semana de gestação. Leia trecho do PL:
“A criminalização do aborto constitui uma violação gravíssima dos direitos humanos da mulher, que ignora sua condição de sujeito de direitos, de cidadã plena e soberana de seu corpo. A criminalização do aborto é criminalizar sua capacidade moral e sua autonomia para tomar decisões a respeito de sua vida. A criminalização não impede as mulheres de abortar nem as dissuade de não praticar o aborto. O único efeito das leis punitivas é o sigilo e a insegurança das mulheres que decidem abortar, além do estigma que lhes é imposto”.
O Chile, que principalmente nos últimos dois anos, mostrou uma massiva mobilização popular, contra os impactos do neoliberalismo que liquidou com as condições de vida da população, conseguiu em outubro, um plebiscito para uma nova Constituição. Contudo, como vem sendo alertado aqui no DCO, esse processo, comandado por direitistas, não deverá promover grandes avanços para os direitos sociais dos chilenos. Em certa medida, há muita demagogia com o tema, que apenas recentemente é tratado no Chile. Além do mais, Piñera é declaradamente contrário ao aborto e pode barrar o processo.
Na última segunda-feira (4), a Justiça chilena indeferiu uma ação movida pela polícia contra as quatro integrantes do grupo feminista LasTesis, reconhecidas pela performance “Um estuprador no seu caminho”, na qual foram acusadas de “incitação à violência”. A performance do grupo se tornou um hino feminista mundial e foi apresentada pela primeira vez em novembro de 2019 nas ruas de Valparaíso, 120 km a oeste de Santiago, em meio a protestos sociais que explodiram no Chile a partir de 18 de outubro daquele ano. O grupo, formado pelas artistas Paula Cometa, Lea Cáceres, Sibila Sotomayor e Dafne Valdés, afirmaram que não lutam apenas contra o aborto, mas sim pelo fim do patriarcado. É nesse sentido que deve ser direcionada a luta da mulher, pois não adianta esperar que só o congresso votando vai resolver o problema do aborto. É preciso uma ampla mobilização popular pelo direito ao aborto, e pelo fim do patriarcado, do capitalismo e do imperialismo.