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Baixista e compositor

Charles Mingus: 42 anos da morte do gigante do jazz

Charles Mingus morreu em 1979 deixando uma vasta obra, marcada pela intensa criatividade e vitalidade, que o coloca ao lado dos maiores nomes do estilo

Entre os grandes compositores do jazz, o nome de Charles Mingus figura entre os maiores, ao lado, talvez, apenas de Duke Ellington e Thelonious Monk. Várias das composições de Mingus se tornaram standards do jazz, músicas obrigatórias no repertório dos grupos do estilo. Em sua curta vida de 56 anos, Mingus escreveu mais de 300 peças, nos mais diversos estilos e para diversos tipos de formação, incluindo peças para orquestra e big bands. Mingus não chamava a sua música de “jazz”. Achava o termo muito limitador. Ele preferia dizer que sua música era “Mingus music”. Era uma combinação extensa de estilos como o gospel, blues, a música de Nova Orleans, swing, bebop, música latina e a música erudita.

Diferente de Duke Ellington, foi muito mais difícil e demorado para que Mingus fosse reconhecido pelos outros músicos de jazz pelo nível de suas composições. “Muito difícil de ser tocado” era o comentário geral.

Mingus foi também um feroz contestador das instituições e uma voz ativa contra o racismo, que ele denunciou em vários de seus discos. A música “Fables Of Faubus” se tornou uma de suas obras mais explicitamente políticas, com um alvo muito bem definido, o então governador do estado de Arkansas, Orval E. Faubus, que reforçou a política de segregação racial nas escolas do estado.

Charles Mingus foi um raro caso de contrabaixista líder de banda. Além de ser um virtuoso do baixo, também foi pianista e violoncelista. Sua música atravessou as fases mais inovadoras do jazz, começando pelo bebop, passando pelo hard bop e chegando ao free jazz e assimilando elementos da vanguarda. Mesmo após sua morte em 1979, sua música continuou sendo tocada por músicos contemporâneos como as bandas Mingus Big Band, Mingus Dynasty e Mingus Orchestra, além de influenciar músicos de diversos estilos, incluindo roqueiros como Elvis Costello, Keith Richards, Dr. John e Henry Rollins e a cantora folk Joni Mitchell, que gravou um álbum com algumas das últimas composições de Mingus.

Ele ficou famoso também pelo seu temperamento explosivo, o que causou conflitos com donos de clubes, plateias e até mesmo os seus próprios músicos. Em algumas ocasiões ele chegou a despedir músicos de sua banda no meio de uma apresentação ou mesmo a interromper um show no meio se a plateia se mostrasse desatenta.

Infância

Charles Mingus Jr. nasceu em uma base militar em Nogales, Arizona, em 22 de abril de 1922. Seu pai Charles Mingus Sr. era um sargento do exército americano. O músico cresceu no bairro de Watts em Los Angeles. Na infância, a mãe de Charles impôs ao garoto que a única música que ele podia ouvir era a música religiosa, o que se mostrou uma influência duradoura no músico. Mesmo assim Mingus desenvolveu logo cedo seu gosto pela música de Duke Ellington. Charles demorou um tempo até encontrar o seu instrumento perfeito. Ele estudou primeiro o trombone e depois passou para o violoncelo, que até o final dos anos 1930 foi seu instrumento principal.

Segundo o próprio Mingus, ele só foi tocar o baixo depois que o saxofonista Buddy Collette o aceitou como parte de sua banda de swing do colégio, mas com a condição que ele aceitasse se tornar o baixista da banda. Como a educação de Mingus até então havia sido muito deficiente ele não conseguia ler partituras com desenvoltura ou com rapidez suficiente. Isto teve um impacto importante em suas primeiras experiências musicais, que o afastaram do mundo da música erudita.

Para corrigir estes problemas, estudou baixo por cinco anos com H. Rheinshagen, músico da Filarmônica de Nova York e técnicas de composição com Lloyd Reese. As composições de Mingus nesta fase já eram bastante avançadas, num estilo que ficou conhecido como “Third Stream”, uma mistura de jazz com música clássica. Várias peças deste período foram gravadas em 1960 com uma orquestra conduzida pelo maestro Gunther Schuller e lançadas em 1961 no LP “Pre-Bird”. O nome desse disco faz referência a Charlie “Bird” Parker. Mingus foi um dos muitos músicos cuja carreira foi profundamente afetada pela música de Parker.

O músico profissional

No início dos anos 40, Mingus começou a tocar profissionalmente, conseguindo trabalho nas orquestras de Barney Bigard, Louis Armstrong (1943), Russell Jacquet (1945) e Howard McGhee (1945). No final dos anos 40 se juntou à banda do vibrafonista Lionel Hampton, que gravou várias das composições de Mingus.

Entre 1950 e 1951 Mingus formou um trio com o vibrafonista Red Norvo e o guitarrista Tal Farlow, que teve muitas críticas positivas, um exemplo do chamado jazz de câmara. Red Norvo foi outro grande pioneiro, um dos músicos que ajudaram a estabelecer a marimba, o xilofone e o vibrafone como instrumentos de jazz.

O trio foi uma grande experiência para Mingus, permitindo a ele experimentar novas sonoridades e harmonias. Mas Mingus era o único negro do trio e isso causou muitos problemas com os donos dos clubes onde o grupo se apresentava. A gota d’água foi quando Mingus foi substituído por um baixista branco para uma apresentação na televisão. Foi apenas mais um capítulo de racismo em uma vida repleta deles.

Em 1953 Mingus entrou para a orquestra de Duke Ellington. Mas o notório temperamento do baixista fez com que ele se tornasse um dos poucos músicos despedidos pelo próprio Duke Ellington.

A relação com Charlie Parker

Ainda nos anos 50 Mingus fez vários shows com Charlie Parker, que ele considerava como um gênio e o maior inovador do jazz. Mas sua relação com ele era, ao mesmo tempo, de amor e ódio. Mingus repudiava os hábitos autodestrutivos do saxofonista e sua postura romantizada com a heroína, uma droga que ele costumava oferecer aos outros músicos. Parker foi um virtuoso do saxofone, que inovou ao ser um dos principais criadores do bebop, o estilo que desafiou a predominância do swing com a elevação da figura do solista virtuoso, capaz de tocar centenas de notas por minutos, muito mais rápido que qualquer músico de swing era capaz de fazer. Isso acabou por criar legiões de músicos imitadores que se diziam mais rápidos que Charles Parker.

Em resposta aos muitos saxofonistas que imitavam Parker, Mingus intitulou uma de suas músicas “If Charlie Parker Were A Gunslinger, There’d A Whole Lot Of Dead Copycats” (se Charlie Parker fosse um pistoleiro, haveria um monte de imitadores mortos).

Em 15 de maio de 1953 Mingus se juntou a Dizzy Gillespie (trompete), Charlie Parker, Bud Powell (piano) e Max Roach (bateria) para um concerto no Massey Hall em Toronto, Canadá, um show lendário que se tornou a última gravação de Parker e Gillespie tocando juntos. O show foi lançado em disco em 1956 com o título “Jazz At Massey Hall” pela gravadora Debut Records, que foi fundada por Mingus e Max Roach.

Em 1955 aconteceu outra reunião de Mingus com Parker, Bud Powell e Max Roach. Só que nesta época Bud Powell sofria de alcoolismo e problemas mentais, que possivelmente foram exacerbados por episódios de espancamento pela polícia e tratamentos de choque. Powell teve que ser retirado do palco, incapaz de tocar ou mesmo de falar de maneira coerente. Indiferente a isso Charlie Parker foi ao microfone falando “Bud Powell, Bud Powell”, por vários minutos, como que pedindo a volta do músico ao palco, para desespero de Mingus. Este acabou pegando outro microfone e anunciou à plateia: “senhoras e senhores, por favor, não me associem a nada disto. Isto não é jazz, estas pessoas são doentes”. Esta foi a última apresentação pública de Charlie Parker, que morreu uma semana depois, resultado de anos de abuso do uso de drogas como a heroína.

Líder de banda

O ano de 1955 foi o que Charles Mingus fundou o seu Jazz Workshop, um conglomerado de músicos variável, onde podia explorar novas técnicas de composição e novos meios de improvisação coletiva. Dentre os muitos músicos que participaram do Jazz Workshop estavam nomes como Jaki Byard (piano), Booker Ervin (sax tenor), Eric Dolphy (sax alto), Rahsaan Roland Kirk (sax tenor), Dannie Richmond (bateria) e muitos outros. Com o Jazz Workshop, Mingus compôs suítes extensas, peças para grandes orquestras, canções com seções de improvisação, hinos políticos, canções com ritmos caribenhos e africanos. Foi um veículo para o período mais prolífico do artista.

O primeiro grande triunfo deste período da carreira de Mingus veio em 1956 com o lançamento de seu LP “Pithecanthropus Erectus”, sua primeira obra prima. Neste disco ele contou com as presenças de Jackie McLean (sax alto), J.R. Monterose (sax tenor), Mal Waldron (piano) e Willie Jones (bateria). Segundo Mingus, este foi o primeiro disco onde ele ensinou os arranjos aos seus músicos de ouvido, ao invés de usar acordes, partituras ou qualquer outro tipo de notação. O resultado foi um marco para o desenvolvimento da improvisação coletiva que teria seu auge na década seguinte.

Nos dez anos seguintes lançou 30 álbuns, uma marca impressionante para qualquer músico. Alguns dos outros discos importantes desse período incluem “The Clown’ (1957), “Mingus Ah Um” (1959), “Blues & Roots” (1960), “Mingus Dynasty” (1960), “Oh Yeah” (1962), “Tijuana Moods” (1962) e “The Black Saint And The Sinner Lady” (1963).

“Mingus Ah Um” foi o primeiro disco de Mingus pela gravadora Columbia e foi lançado na mesma época que outros importantes discos como “Kind Of Blue” de Miles Davis, “Giant Steps” de John Coltrane e “The Shape Of Jazz To Come” de Ornette Coleman.

Este disco trouxe composições famosas como “Goodbye Pork Pie Hat”, “Better Git It In Your Soul”, “Open Letter to Duke” (um tributo a Duke Ellington) e “Fables Of Faubus”.

Original Faubus Fables - YouTube
Capa do compilado que contém a música “Fables of Faubus”

Como já dito inicialmente, “Fables Of Faubus” foi composta como repúdio à atitude do governador de Arkansas, Orval E. Faubus, que em 1957 se posicionou contrariamente à integração dos negros nas escolas da cidade de Little Rock, em aberta oposição a uma decisão da Suprema Corte americana. Como a gravadora Columbia se negou a imprimir as letras da canção na capa do disco, Mingus gravou uma versão instrumental da música. Em 20 de outubro de 1960 a canção foi regravada, desta vez com as letras, para o LP “Charles Mingus Presents Charles Mingus”, lançado pela gravadora independente Candid com o título “Original Faubus Fables”.

 

A letra da canção denuncia e ridiculariza nomes como Faubus, Rockefeller e Eisenhower chamando-os de fascistas, nazistas e supremacistas, um explícito hino antirracista.

Hiato e últimos anos

Após dez anos de intensa atividade, Mingus entrou em um período de profunda depressão, que começou em meados de 1966 e só saiu por volta de 1970. Causada por vários fatores, incluindo o fracasso de suas gravadoras, problemas com apresentações e organização de shows, que se mostraram desastres financeiros. No fim de 1965 Mingus estava quebrado e desiludido e decidido a não tocar mais ao vivo.

Nesse período ele passou por necessidades financeiras, sendo expulso do apartamento onde morava e vivendo da caridade de amigos. Sua volta ao cenário musical se iniciou em 1971, quando lançou sua autobiografia, “Beneath The Underdog”, na qual trabalhou por 25 anos. Naquele ano ele foi contratado pela Universidade de Buffalo como professor de música. Sua recuperação financeira, em boa parte, se deveu à venda dos direitos dos discos que ele lançou pela sua gravadora Debut Records.

Nos anos seguintes fez muitas apresentações, inclusive pela Europa, onde sempre se sentiu bem recebido e lançou vários discos, muitos deles gravados ao vivo.

Desde meados dos anos 70 que Mingus vinha sofrendo os efeitos da esclerose lateral amiotrófica, uma doença incapacitante e incurável, que resulta na perda progressiva do uso dos músculos. Uma tragédia, realmente, quando lembramos da sua técnica formidável no baixo. Quando sua doença finalmente o impediu de continuar tocando em público, seu último quinteto, liderado por seu baterista de longa data, Dannie Richmond, tocou no Village Vanguard em julho de 1978, com Eddie Gomez em seu lugar. Mingus continuou compondo e supervisionando várias gravações de sua música antes de sua morte.

Em 1979 ele colaborou com a cantora folk Joni Mitchell, cuja música, na época, cada vez mais se aproximava do jazz. O resultado, o disco “Mingus”, incluiu quatro canções do baixista, sendo que três eram novas composições, todas elas com letras escritas por Joni.

Charles Mingus morreu em 5 de janeiro de 1979 em Cuernavaca, México, para onde tinha ido para fazer um tratamento. Suas cinzas, após um ritual hindu, foram jogadas no rio Ganges.

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