Carta Capital faz frente única com a extrema-direita para prender Cesare Battisti

A revista Carta Capital, que prega um progressismo moderado e tradicionalmente apoia o ex-presidente Lula, publicou sexta-feira (14) em sua página na Internet uma matéria caluniosa contra o ex-ativista italiano e perseguido político Cesare Battisti. Em um tom difamatório, a matéria é uma mistura de notícia e artigo de opinião, mas não apresenta as qualidades de uma notícia nem é assinada como um artigo de opinião (também não é um editorial).

O texto, intitulado “Entenda: Battisti não é um perseguido político” afirma que “o italiano alimentou o mito de ser um militante político de esquerda perseguido por seus ideais, mas o histórico de suas condenações revela apenas um ladrão comum e um assassino covarde”.

Covarde, no entanto, é o autor do “artigo”, que ataca uma pessoa perseguida pelo Estado italiano e o Estado brasileiro, pela imprensa, pelo judiciário e pela polícia direitistas, e, ainda por cima, não tem a coragem de assinar o texto. Mas o pior é que, não bastando vociferar contra Battisti, a matéria simplesmente difunde mentiras ao distorcer a história do ex-militante.

Cesare Battisti está sendo perseguido há quase 40 anos apenas e tão somente por se opor à direita. Ele é considerado um “criminoso” exclusivamente por ter feito oposição política a um regime altamente opressor e de extrema-direita.

O pesquisador Carlos A. Lungarzo, em seu livro “Os Cenários Ocultos do Caso Battisti”, apresenta uma investigação extensa e minuciosa baseada em documentos oficiais da Itália, relatórios de ONGs, jornais e documentos públicos das décadas de 1970 e 1980, além de entrevistas com testemunhas oculares, que desmentem as acusações injuriosas da Carta Capital.

A revista assegura que Battisti “passou a se autodenominar ativista de uma agremiação chamada Prolelários Armados para o Comunismo (PAC)” somente depois que obteve asilo na França e que “não existem registros concretos dessa militância”.

Entretanto, Lungarzo relata que Battisti, já nos anos 1970, era próximo de coletivos de esquerda que faziam trabalho de base na Itália. Seu primeiro contato com alguém do PAC foi em 1977, no cárcere da cidade de Udine, onde havia sido preso por suposto furto. Em 1978, Battisti participou de sua primeira ação pelo agrupamento. Em entrevista a Lungarzo, o ex-ativista afirmou que entrou no PAC porque o grupo, em seu início, não pregava a luta armada, e ele não era adepto dessa tática. Na mesma entrevista, que consta no livro, Battisti destacou que, após a primeira execução (que será relatada mais abaixo) ele abandonou o PAC.

Antes de esclarecer os alegados crimes de Battisti, é preciso contextualizar resumidamente o que era a Itália de sua época. Após a queda do regime fascista de Benito Mussolini, com a derrota na 2ª Guerra Mundial, o “novo” regime que se seguiu continuou controlado pela direita, pela extrema-direita e por elementos fascistas. A Itália, ao contrário do que diz a propaganda imperialista, não era um regime minimamente democrático. Era a continuidade do regime fascista e suas prisões contavam com milhares de presos políticos.

Havia uma intensa perseguição política à esquerda e ao movimento operário, sendo empregado contra eles o terrorismo de Estado. Além disso, como é de praxe da extrema-direita, grupos fascistas (frequentemente em ações conjuntas com as forças do governo) armavam atentados para culpar a esquerda. Diante da intensa repressão, da política de extermínio e aniquilação do movimento popular, milhares de jovens decidiram adotar uma tática desesperada: a luta armada.

O PAC aderiu a essa tática no decorrer de sua trajetória como organização para vingar as vítimas do terror estatal e fascista executando os carrascos e assassinos do povo. A Carta Capital relata de maneira extremamente superficial as execuções promovidas pelo PAC, atribuindo-as, no entanto, apenas a Battisti, e afirmando que foram crimes comuns motivados por “vingança e sem nenhuma relação com atividades políticas”.

Battisti foi acusado sem provas pela justiça fascista italiana (da qual a Carta Capital comprou a versão de maneira acrítica) de ter cometido quatro assassinatos entre 1978 e 1979, os quais ele nega até hoje.

De acordo com Lungarzo, apoiado em suas investigações, a “pretensa culpabilidade de Battisti” foi “forjada pelos delatores e os magistrados”. As sentenças contra ele e outros militantes do PAC proferidas em 1981 e 1983, ao contrário das outras, não tiveram o mínimo de difusão por parte das autoridades e da imprensa italiana, justamente porque mostram que Battisti foi acusado somente de “crimes políticos” e não de homicídio. Isto é, ele era um preso político.

Para conseguir extraditar Battisti para a Itália, em 2004 a França teve acesso a documentos do Estado italiano que mostram que, nas sentenças de 1981 e de 1983, a acusação contra ele é de ter cometido delitos políticos. Foi apenas depois de 1983, com a sentença de 1988, que se incluiu o crime de homicídio (apesar de não ter havido indiciamento, denúncia e acusação, que são as etapas anteriores a uma condenação). Isso só ocorreu após a captura de Pietro Mutti (um dos líderes do PAC), que, após ser torturado, delatou Battisti acusando-o de estar envolvido em assassinatos.

Como é possível constatar pelos acontecimentos dos últimos anos no Brasil, na operação golpista Lava Jato as delações têm sido usadas para incriminar, sem provas e através de suborno e chantagem sobre os delatores, os “inimigos” políticos da direita golpista, como o ex-presidente Lula. Na Itália, tudo indica que Mutti tenha sido forçado (sob tortura e tendo a vida em risco) a mentir sobre Battisti.

A justiça italiana não permite o acesso ao arquivo dos processos do PAC e os documentos e supostas “provas” são mantidos em sigilo. Qual o motivo de mantê-los em “sigilo”? Provavelmente, é porque eles nem mesmo existem.

As “vítimas” de Battisti

A Carta Capital garante que Battisti organizou quatro assassinatos (embora não haja provas disso) e que eles foram motivados por vingança, não por razões políticas (embora, segundo a justiça italiana, tenham sido justiçamentos políticos promovidos pelo PAC).

As “pobres” vítimas das execuções eram, na verdade, torturadores, assassinos e fiéis colaboradores de organizações fascistas e do próprio Estado italiano, herdeiro da ditadura de Mussolini. A seguir, exibimos informações das “vítimas”, colhidas na investigação de Lungarzo e apresentadas em seu livro:

Antonio Santoro, assassinado em 1978, era chefe dos carcereiros da prisão de Udine, onde Battisti fora mantido preso. Foi descrito em vários documentos como organizador de torturas e violador dos direitos dos presos. As autoridades registraram diversas denúncias de presos e seus familiares contra ele. As delações e os comentários dos juízes são divergentes sobre seu assassinato.

Lino Sabbadin, morto em 1979, era açougueiro do Vêneto e filiado ao mais tradicional grupo fascista herdeiro de Mussolini, o Movimento Social Italiano (MSI), segundo o próprio jornal de direita Il Giornale. Esse grupo paramilitar executava a sangue-frio pessoas marginalizadas, como mendigos e delinquentes. Segundo Lungarzo, Sabbadin também era membro do grupo parapolicial Maioria Silenciosa, que atacava sindicalistas e estudantes em piquetes.

Pierluigi Torregiani, morto também em 1979, era joalheiro em Milão e também integrava a Maioria Silenciosa. Andando em locais perigosos com joias caras, ele procurava o confronto com assaltantes a fim de matá-los, sempre portando armas e vestindo coletes a prova de balas, de acordo com o jornal La Reppublica.

Quase todos os jornais importantes da Itália (como La Reppublica, Corriere della Sera, Il Giornale e La Notte) noticiaram um tiroteio em um restaurante de Milão provocado por Torregiani, quando dois assaltantes haviam entrado no local e rendido os clientes. O joalheiro, então, junto com um amigo, matou um dos assaltantes e um comerciante, além de ferirem outros dois homens, conforme coincidem muitos analistas em suas versões do ocorrido.

O La Notte e o La Reppublica chamavam Torregiani de “xerife pistoleiro” e “jagunço”. Ele exibia orgulhosamente em sua joalheria a foto do cadáver do ladrão que ele matou no restaurante. Ou seja, era um carniceiro fascista.

Andrea Campagna, também executado em 1979, era motorista da Divisão de Investigações Gerais e Operações Policiais (DIGOS), um departamento investigativo da polícia. Como motorista policial, ele levava os detidos do PAC entre a prisão e o tribunal de Milão. Militantes o acusaram de torturar os prisioneiros que ele deslocava.

Justiça fascista com apoio da esquerda italiana

Ainda para tentar apresentar Battisti como um criminoso, a Carta Capital cita a posição do partido “progressista” italiano, o Partido Democrático (PD), que, diz, nunca reconheceu a atividade política de Battisti e sempre o descreveu como um “matador sanguinário”. Em primeiro lugar, o PD nem de longe tem condições políticas para criticar Cesare Battisti ou a luta armada na Itália, tendo uma extensa ficha de colaboração com a extrema-direita.

Como PD, o partido esteve até recentemente no governo, tendo feito uma grande coalizão com Silvio Berlusconi (ex-primeiro-ministro, abertamente fascista – outra demonstração de que o regime político italiano nunca se desfez de sua herança mussolinista).

O PD é herdeiro do Democratas de Esquerda, denominação do antigo Partido Comunista Italiano (PCI) quando este se autodissolveu na década de 1990. O PCI, por sua vez, dominado por uma burocracia controlada pelo stalinismo soviético, sempre adotou uma política de conciliação e colaboração com a direita, começando pela supressão da revolução popular que ocorria no final da 2ª Guerra e passando pelo apoio prático ao regime de extrema-direita que implementou a brutal repressão à classe operária e ao movimento armado dos anos 1970 e 1980.

Por sua ação contrarrevolucionária ao impedir a tomada do poder pelo proletariado, o então secretário-geral do PCI, Palmiro Togliatti, foi premiado com o Ministério da Justiça em 1945. Nessa função, ele concedeu anistia para quase todos os juízes da ditadura de Mussolini, que puderam continuar exercendo a magistratura nos principais órgãos do poder judiciário da Itália. Desta forma, o judiciário italiano nada mais é, nos últimos 70 anos, do que um tribunal fascista de perseguição política contra os opositores do regime.

Posição da Carta Capital só reforça a perseguição à esquerda

Em segundo lugar, o argumento da desaprovação da esquerda italiana serve para o autor justificar sua crítica a Lula pelo fato de ele ter concedido asilo a Battisti. A decisão de Lula “figura entre os grandes erros de avaliação do ex-presidente”, opina o autor anônimo. Como defende a feroz perseguição e criminalização sem provas de Battisti, natural que a Carta Capital reprove Lula por não ter entregue o ex-ativista para que fosse jogado pelo resto da vida nos porões do Estado italiano, com possibilidade de lá ser torturado e assassinado.

Contraditoriamente, no entanto, esse posicionamento dá munição justamente para quem a Carta Capital diz combater: a direita golpista que, assim como os italianos com Battisti, persegue Lula com acusações incomprovadas de crimes que ele não cometeu.

A peça pseudojornalística poderia ter sido publicada por qualquer meio de propaganda da extrema-direita. Ao acusar Battisti de “assaltante”, “ladrão”, “bandido” e “assassino”, a Carta Capital está dizendo que quem faz oposição política contra a direita deve ser considerado criminoso, e, portanto, encarcerado. Segundo esse raciocínio, não é justa a luta contra a opressão, as atividades dos oprimidos devem ser ferozmente atacadas e os que se levantam contra a repressão devem ser dizimados, como fez o Estado italiano com a esquerda radical daquele país ou como está fazendo o regime golpista brasileiro com o PT e Lula.

Artigos como esse somente servem de apoio para a direita aumentar a repressão contra qualquer um que lute contra um regime repressivo e autoritário, seja na Itália ou no Brasil. Apenas ajuda a direita brasileira em seus ataques para esmagar os que lutam contra o golpe e contra Jair Bolsonaro. Só reforça a política da extrema-direita de perseguir, prender e condenar militantes e ilegalizar as organizações de esquerda.

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