A Agência Russia Today (RT) ofereceu espaço para que o cineasta Woody Allen publique sua autobiografia após anúncio feito pela editora norte-americana Hachette desistindo de lançar o livro. O cancelamento se deu após um protesto realizado, na última quinta-feira (5/03), por funcionários da editora sediada em Nova Iorque. O livro intitulado “Apropos of Nothing” seria lançado no início de abril.
Segundo a porta-voz do Hachette Book Group, a editora leva muito a sério sua relação com os autores e não costuma cancelar livros. No entanto, “seguir em frente com a publicação seria inviável”, afirmou. A editora também devolveu os direitos da obra ao diretor de cinema.
Nesta segunda-feira (9/03), o site russo RT publicou uma nota assinada pela editora-chefe, Margarita Simonyan, oferecendo a publicação do livro de memórias de Allen. Entre os argumentos levantados na nota, Simonyan destaca que não há nenhuma prova contra o diretor norte-americano, acusado de abusar sexualmente de uma das filhas adotivas com a ex-esposa, Mia Farrow. Ela finaliza afirmando que vai publicar o livro porque “acredita em liberdade de expressão” (a nota por ser lida na íntegra ao final da matéria).
Por último, até o aclamado escritor Stephen King se manifestou sobre o caso criticando a censura prévia do livro. “Não é por ele, eu não dou a mínima para o senhor Allen. É a mordaça que me preocupa”, publicou em sua conta no Twitter. “Se você acredita que ele é um pedófilo, então não compre o livro, não veja seus filmes, não o escute tocando jazz.”
A polêmica sobre Woody Allen ganhou força após sua filha adotiva com a atriz Mia Farrow, Dylan Farrow, denuncia-lo por abuso sexual em 2014. As acusações nunca foram provadas e Allen, que nega tudo, também não chegou a ser condenado pela justiça.
Apesar disso, há uma campanha incentivando o boicote ao trabalho do cineasta em Hollywood. A campanha é endossada por movimentos como o “Me Too” que reúne atrizes denunciando o assédio sexual na indústria de cinema. O filho de Allen com Mia Farrow, o jornalista Ronan Farrow, que ajudou a lançar o movimento “Me Too”, afirmou que romperia relações com a editora novaiorquina caso lançasse o livro do cineasta.
Agora, com a desculpa de defender a mulher, a imprensa promove uma espécie de linchamento virtual e boicote à obra de artistas antes celebrados. Isso tudo acontece na dita “terra da liberdade” e da democracia.
Embora a decisão da Hachette tenha sido tomada após pressão, inclusive dos próprios funcionários da empresa, é curioso que justo uma agência estatal russa tenha oferecido a publicação do livro. Ainda mais se considerar que o país se encontra sob a liderança de Vladmir Putin, um notório direitista. Em outras palavras, o caso mostra que a imprensa russa pode ser mais progressista do que a norte-americana.
Um outro ponto possível de discussão é o livre acesso à arte, à cultura e à literatura de qualquer gênero. Em um país democrático, qualquer pessoa deveria ter acesso à leitura que quiser. Assim como escreveu a editora-chefe do RT, pessoas adultas devem ter liberdade para escolher ler ou não ler uma obra literária, independentemente do seu conteúdo.
Leia a nota do site de notícias RT (tradução):
Woody Allen, publicaremos seu livro
Publicaremos seu livro, se desejar, porque acreditamos que a história de vida de ninguém deve ser silenciada e que todos os lados merecem uma audiência justa.
Publicaremos seu livro porque acreditamos que os adultos devem ter liberdade para escolher lê-lo ou não.
Publicaremos seu livro porque somos contra a covardia corporativa que se torna a censura corporativa.
Publicaremos seu livro porque não apoiamos o justiçamento e as listas negras do Twitter.
Publicaremos o seu livro porque você não foi considerado culpado de nenhum crime perante a lei, mas isso não adiantou de nada.
Publicaremos seu livro porque ainda nos lembramos de uma época em que os livros eram banidos e não queremos viver isso novamente.
Woody Allen, publicaremos seu livro porque acreditamos na liberdade de expressão.
Margarita Simonyan, editora-chefe da RT