Em coluna publicada na edição de ontem do Estadão (“O pino da granada”, 19/12/2020), Eliane Cantanhêde defende que o ministro do Supremo Tribunal Federa (STF), Ricardo Lewandowski, “tirou o pino da granada” ao permitir aos advogados do ex-presidente Lula acesso aos arquivos hackeados da Lava Jato. Segundo Cantanhêde, ao permitir à defesa jurídica de Lula acesso aos documentos, o ministro ameaça o regime com “uma explosão política com epicentro no Supremo Tribunal Federal e estilhaços nas eleições presidenciais de 2022”, acrescentando ainda que “Lewandowski escolheu o momento a dedo, com o Supremo já em chamas.”
Famosa pela expressão “massa cheirosa” ao referir-se a correligionários do PSDB, a colunista do Estadão nunca fez questão de esconder sua posição de defensora da burguesia. E é justamente esta classe que se posiciona, através de Cantanhêde, quando a jornalista expressa suas preocupações quanto às possíveis consequências de se conceder o direito à ampla defesa ao ex-presidente:
“Se o STF declara a suspeição de Moro, tudo volta à primeira instância, à estaca zero. E Lula se torna elegível em 2022.”
Descrevendo a decisão de Lewandowski como “lenha, álcool e palha na fogueira do Supremo em 2021”, Cantanhêde não deixa dúvida sobre o temor da burguesia com a mera possibilidade de Lula disputar as eleições presidenciais de 2022.
Profundamente incomodada diante de tal perspectiva, a burguesia ainda conta com o ministro indicado ao STF por Bolsonaro, Kássio Nunes Marques, para votar contra o habeas corpus que pede a suspeição de Sérgio Moro, de modo a anular os processos contra o petista. Ainda assim, a classe dominante decidiu não esperar.
Alvo prioritário
A decisão da burguesia, de abrir fogo desde já para evitar que a crise no STF ameace o projeto político dos golpistas, reforça o fato de que Lula é o principal alvo do golpe de Estado, sendo o primeiro fator considerado em todas as movimentações da direita, incluindo-se aí a frente ampla.
Principal liderança política da classe trabalhadora desde meados dos anos 1970, Lula é o único político popular no País. Por isso mesmo, o ex-presidente configura-se na maior ameaça aos interesses da burguesia, por mais que sua política seja a procura pela conciliação com a burguesia.
Isso se dá justamente pela independência que tamanha popularidade garante a Lula. Sem o controle direto do petista e sabendo ser este um representante dos trabalhadores brasileiros, o que o torna politicamente mais sensível às pressões populares do que a burguesia pode aceitar, a guerra dos capitalistas contra Lula é uma consequência natural do desenvolvimento da luta de classes no País.
Fraude eleitoral
Os transtornos para a burguesia exercer livremente seu domínio sobre o País começam pela própria eleição. Isto porque um placar eleitoral de 55% a 44% dos votos válidos, para ser pacificamente aceito, só pode ocorrer em uma disputa entre um virtual desconhecido do lado da esquerda, como Haddad, e o candidato da direita.
Nesse sentido, a operação que levou Bolsonaro à presidência da República poderia ter um desfecho imprevisível se as eleições de 2018 tivessem a participação de Lula. Os próprios institutos de pesquisa da burguesia apontavam para uma grande possibilidade de as eleições serem ganhas pelo petista ainda no primeiro turno, mesmo preso e sob ataque constante da máquina de propaganda capitalista.
Este aspecto do problema representado por Lula é explicitado pela própria Cantanhêde ao manifestar temor pela possibilidade de que Lula se torne elegível nas próximas eleições presidenciais.
Frente ampla
Outra manobra da burguesia para controlar o regime político, a frente ampla revelou no último período que também tem Lula como seu alvo principal, muito embora apresente-se como uma articulação anti-bolsonarista.
Em debate realizado na TV 247, envolvendo os presidentes dos principais partidos da esquerda brasileira –PCO, PT, PCdoB e PSOL-, foi demonstrado que, a despeito de uma enorme disposição de partidos como PCdoB e PSOL fazerem as mais controversas alianças, essa disposição acaba quando se trata de “unir a esquerda” por Lula.
Mesmo no PT, inúmeros ataques contra Lula apareceram após o resultado das eleições municipais. Nomes como Jaques Wagner, ganharam páginas do jornal golpista O Globo para defender a aposentadoria da principal liderança de seu próprio partido.
Sem surpresa, os responsáveis por críticas ao ex-presidente – também no PT- são os que mais se destacaram em sua disposição a aliar-se com a direita, particularmente o setor mais poderoso da direita, ligada ao imperialismo e principal articuladora do Golpe de Estado de 2016.
Sob a fórmula genérica de “unir o campo democrático”, a política dos amplos setores direitistas dentro da esquerda é a mesma: isolar Lula, tal qual o desejo da burguesia, particularmente do imperialismo.
Lutar contra o golpe é lutar por Lula
A política de cerco promovida pela burguesia contra Lula não deixa margem para dúvidas quanto ao fato do petista ser o maior alvo da política golpista. As capitulações da esquerda nesse caso especial, a defesa de Lula, ilustram o tamanho da influência dos articuladores do Golpe de 16 junto aos meios da esquerda pequeno-burguesa.
Para combater as consequências nocivas desta política contrária aos interesses dos trabalhadores, é preciso impulsionar as lutas da população e reafirmar a necessidade de uma frente única dos trabalhadores por Lula presidente.
Para isso, torna-se vital a mobilização das vanguardas populares, organizações operárias, estudantis, movimentos sociais diversos e mesmo os elementos mais vanguardistas dos partidos da esquerda pequeno-burguesa.
Não se sabe como terminará a crise anunciada no STF. Contudo, a esta altura dos acontecimentos – e considerando o papel desempenhado pelo órgão no passado recente e mais antigo- seria uma insensatez suicida acreditar que o setor judicial da burocracia irá mobilizar-se contra os interesses da burguesia.
Estes setores devem ser mobilizados por fora Bolsonaro, pelo fim da política genocida que já condenou dezenas de milhares à morte e, para evitar que a burguesia simplesmente substitua o funcionário a comandar o genocídio em andamento no País, devem também ir às ruas por Lula presidente e pelo governo dos trabalhadores.