Escrevo essa coluna diretamente da Capital Federal, onde tive a oportunidade de trabalhar na construção do Partido durante algumas semanas.
Nesse período, passei uma parte do meu tempo em uma Super Quadra, na Asa Norte do Plano Piloto. Posso estar falando grego para os leitores de outras partes do país, eu sei. Era grego para mim também. Acontece o seguinte: Brasília, como todos sabem, é uma cidade planejada. Seu desenho se assemelha ao de um avião. As asas (em amarelo no mapa ao lado) são divididas em “Super Quadras”, que abrigam blocos de prédios residenciais. São áreas arborizadas, sem trânsito intenso, servidas de comércio local e com baixa densidade populacional. Entre elas está o Eixo Monumental (a linha em verde que vai de um lado a outro no mapa ao lado), onde estão a zona comercial mais densa e os edifícios públicos desenhados por Oscar Niemeyer.
Mas é das Super Quadras que eu quero falar, essa utopia pequeno-burguesa de que é possível viver em harmonia, paz e tranquilidade em meio à sociedade burguesa, violenta, caótica, anárquica e opressora em que vivemos.
Utopia era o que Lúcio Costa e Niemeyer prometiam e, até certo ponto, entregaram. Mas as contradições da sociedade capitalista inevitavelmente penetraram o concreto armado, as formas esculturais da arquitetura moderna, enfim, a civitas idealizada.
Planejada para ser a cidade do funcionalismo público federal, um paraíso da classe média, Brasília tem inúmeros problemas como qualquer capital. Não é o caso de mencionar todos eles. Basta resumi-los a um só: é uma cidade anti-operária. Isso não se dá simplesmente porque o equipamento público é insuficiente e restringe as possibilidades de vida de pessoas que não têm o privilégio de salários maiores (alguns na casa dos cinco dígitos) e horários de trabalho menores do que a média nacional. É produto de uma política nacionalista burguesa, fundamentalmente contra a classe operária e as necessidades reais das massas trabalhadoras.
Por esse motivo, os trabalhadores que construíram Brasília e os que aqui chegaram depois foram empurrados para fora do Plano Piloto. Colocados às margens da utopia de classe média nas cidades-satélite. Igualmente, o desenvolvimento industrial foi contido propositalmente (para não atrair novas levas de “candangos”) e, com isso, também sofreu o econômico, que depende do maior PIB per capita do Brasil, inflado artificialmente pelos salários e benefícios do funcionalismo público.
Ocorre que Brasília não está à margem da luta de classes. O golpe de Estado de 2016 mudou as coisas de dentro pra fora no caso da capital federal. Na sede do poder político, habitam os golpistas de ontem, os fascistas, os militares e, claro, os militares fascistas. Sobre todo o funcionalismo, dos altos escalões aos estafetas, pesa a ameaça constante de uma reformulação das relações com seu empregador, o Estado. Sobre eles, como sobre toda a população, pesa também o golpe de Estado, o ascenso do fascismo, a prisão do ex-presidente Lula, a fraude eleitoral, as conspirações e o profundo ataque às condições de vida da população almejados por quem tomou o poder no tapetão.
Viver em uma Super Quadra, no entanto, tem suas vantagens, ainda que estas resumam-se ao puramente anestésico. Cercados de árvores, os blocos residenciais que integram o metro quadrado mais caro do Brasil parecem alheios à turbulência política. A luz dos acontecimentos não penetra totalmente. O rumor da luta em curso nacionalmente quase não alcança os ouvidos de seus moradores.
Mas há um monstro lá fora. Quem tem a força necessária para derrotá-lo é a classe operária. Ela pode não estar ou circular muito pouco pelas ruas do Plano, mas sua existência e importância não pode ser negada nem mesmo em uma cidade anti-operária. Os trabalhadores, na verdade, fazem cerco permanente à Capital da Esperança. Para combater o inimigo, será preciso cruzar as fronteiras desse grande parque urbano, arborizado e organizado para tornar a vida da classe média mais leve e tolerável.
A classe operária precisará invadir Brasília se quisermos derrotar o golpe de Estado, o fascismo, por para fora o governo Bolsonaro e libertar o ex-presidente Lula. Nosso Partido deve ter essa tarefa presente ao organizar suas atividades, ao levar à periferia suas palavras de ordem, ao se dirigir aos trabalhadores, nos prédios do Plano Piloto, e nas ruas, praças, lojas e empresas das cidades-satélite, para não esquecer dos assentamentos de sem-terra e ocupações de sem-teto no seu entorno.
A classe média composta pelo funcionalismo público mais bem-pago de todo o país, essa pequena burguesia “moderna e elegante”, precisará escolher no momento decisivo de que lado vai se colocar. Alguns já foram forçados pela pressão da direita, da burguesia, a tomar partido do golpe de Estado e de tudo o que está atrelado a ele. É o acordo entre o pescoço e a guilhotina. Outros refletem e conjecturam, no mundo das nuvens, sobre o que outras pessoas e classes deveriam fazer.
A classe operária precisa se organizar, levantar a cabeça e intervir na situação política com uma orientação independente, em defesa de seus próprios interesses em oposição aos da burguesia e do imperialismo que a domina. Somente demonstrando sua força será capaz de arrastar detrás de si os setores que hoje estão indecisos, que vacilam, que são inconsequentes. Nossa tarefa é contribuir com a organização dessa força poderosa que é classe operária, orientá-la politicamente, apontar o caminho da luta para derrotar os golpistas e por onde passará também a luta por sua emancipação do jugo e da tirania da burguesia, pela revolução, o governo operário e o comunismo.