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Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Filho do golpe

Boulos, a flor da bosta

No momento de maior retrocesso político do País, surge, de dentro do próprio regime, um novo líder

Segundo os dados ultraconservadores e fraudados da Human Rights Watch, a ditadura militar no Brasil, em vigência entre 1964 e 1985, torturou 20 mil pessoas, assassinou outras 434 e destituiu 4.841 autoridades de seus cargos. O número não corresponde, nem de longe, àqueles apresentados por ditaduras semelhantes, como a chilena e a argentina, o que levaria o mais cético dos historiadores a multiplicar o número de vítimas do regime brasileiro.

Esse regime terrorista, violento e de tipo fascista acabaria sendo derrubado. Mas não por causa dos discursos inflamados de Ulysses Guimarães ou de qualquer outro oportunista do MDB. O que liquidou a ditadura foram as mobilizações gigantescas e com características revolucionárias da classe operária.

A partir de 1974, após a crise do petróleo, a ditadura entrou em uma grande crise. Neste período, a burguesia substituiu o governo Médici pelo governo Geisel, introduzindo uma série de mudanças que marcariam um processo de distensão. Por um lado, as mudanças partiam da exigência de um setor mais fraco da burguesia, que abandonou o regime e passou a apoiar o MDB para reivindicar determinados interesses. Por outro, foram resultado de uma insatisfação cada vez maior da população com a ditadura militar, que seria expressa nas eleições. O regime era tão impopular que, mesmo com todo o controle que a ditadura tinha na época, o MDB venceu as eleições de 1974, 1976 e 1978.

A participação da esquerda nessas eleições, por meio do MDB, não contribuiu em praticamente nada para o fim do regime. Apenas serviram para legitimar as fraudes da ditadura e prolongar as torturas e perseguições por mais 10 anos. Não fosse a ação decisiva das massas, o regime não teria caído.

Depois de três anos de intensa crise do regime, a ditadura ainda proibia todo tipo de manifestação. Até mesmo as passeatas durante as eleições eram proibidas — coisa que os fascistas do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Pernambuco (TRE-PE) repetiram neste ano. No entanto, diante da revolta crescente, uma parcela expressiva dos estudantes saiu às ruas.

A burocracia do movimento estudantil, controlada pelo PCdoB e pelo MDB, se colocou contra a realização de atos na rua. O pretexto da época era o mesmo que se vê hoje: sair provocaria mais repressão. Trata-se, inclusive, do mesmo tipo de argumento que o blogueiro Jones Manoel, fazendo jus ao histórico pelego do PCB durante a ditadura militar, utilizou para ficar contra os protestos no Carrefour.

Felizmente, os setores mais independentes do movimento estudantil não deram ouvidos aos “sábios” da esquerda pequeno-burguesa. Resultado: os estudantes realizaram uma passeata tão grandiosa que o regime sequer conseguiu reprimir. No ano seguinte, o movimento estudantil continuou organizando manifestações, algumas delas enfrentando a polícia. Em 1979, a ditadura se viu obrigada a permitir que os estudantes realizassem o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

A mobilização estudantil estabeleceu todo um clima de enfrentamento à ditadura. Todavia, foi a mobilização dos trabalhadores que inviabilizou de vez a repressão.

Em 1978, os trabalhadores do ABC Paulista da fábrica da Scania começaram uma greve, que acabou se espalhando pela região durante duas semanas. Os sindicatos, na época, acabaram negociando com seus patrões e tiveram algumas reivindicações atendidas, fazendo o movimento refluir. O mais importante é que, diferentemente do que acontecia antes, a ditadura não foi até as fábricas para reprimir as greves.

Em 1979, os metalúrgicos do ABC chamaram uma assembleia com mais de 50 mil operários. Começou, a partir de então, uma greve gigantesca, que a ditadura não tinha mais como reprimir. Uma passeata desse período chegou a reunir quase 100 mil pessoas. Em 1980, os operários do ABC organizaram uma greve ainda maior, ao mesmo tempo em que a luta contra a ditadura se espalhava por todo o País. Neste ano, seria fundado o PT. Em 1983, quando mais de 3 milhões de trabalhadores participaram de uma greve geral nacional, era fundada a CUT.

Essa era uma época em que as assembleias operárias eram realizadas em estádios de futebol, tamanha o seu volume. Por mais de uma vez, a população enfurecida colocou a polícia para correr. Foi tão somente por causa dessa situação explosiva que a própria burguesia acabou tomando a iniciativa de organizar a transição para um novo regime, de maneira a controlar a oposição e impedir que a derrubada violenta da ditadura militar levasse a um governo efetivamente popular.

Em meio a esse ascenso é que surgiu a figura de Luiz Inácio Lula da Silva. Reconhecido como representante da luta contra a ditadura por uma ampla parcela do movimento, Lula fincou, naquele período, a sua posição de liderança operária e popular mais importante do País. Hoje, em que o País ainda não passou por uma nova experiência semelhante, Lula permanece como uma liderança inigualável. Isto é, como um patrimônio do povo brasileiro que colocou a ditadura militar abaixo.

Embora ainda não haja uma mobilização com as mesmas características da luta contra a ditadura, há, neste momento, uma clara luta em curso: a luta contra o golpe de Estado de 2016. O golpe continua se aprofundando e sendo a principal política dos inimigos do povo. E, na medida em que a revolta contra os ataques da direita golpista é cada vez maior, a polarização política entre a classe trabalhadora e a burguesia vai aumentando, permitindo aos trabalhadores assimilarem, de maneira mais clara, quem são os seus inimigos e quais são as suas ferramentas na luta por sua sobrevivência.

Embora o imperialismo já tivesse iniciado sua nova etapa de golpes na América Latina a partir de 2009, foi apenas em 2012 que a ofensiva se tornou mais transparente no Brasil. Com o julgamento do mensalão, a burguesia condenou um dos principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores — outro patrimônio da classe operária na luta contra a ditadura militar. José Dirceu foi sentenciado à prisão sem qualquer prova contra si. E não foi só isso: a burguesia utilizou toda a propaganda da “luta contra a corrupção” para estabelecer um regime cada vez mais antidemocrático. Em 2014, a direita impulsionou a campanha contra a Copa do Mundo, tentando desestabilizar o governo de Dilma Rousseff. Em 2015, iniciou, de maneira mais aberta, uma campanha pelo seu impeachment. Em 2016, conseguiu efetivamente a sua derrubada. Em 2017, condenou o ex-presidente Lula. Em 2018, o colocou na cadeia e cassou seus direitos políticos. Em 2019, manteve Bolsonaro no poder, apesar de todas as barbaridades de seu governo. Em 2020, lavou as mãos diante da epidemia mais mortal das últimas décadas.

Em todos esses momentos, a população reagiu, de maneira ora mais, ora menos intensa, aos ataques da direita. Como ainda está em uma situação defensiva, o movimento ainda não tem uma perspectiva bem definida e, portanto, ainda não foi capaz de apontar claramente uma liderança dessa nova etapa de lutas. Até porque suas antigas lideranças, como é o caso do próprio Lula, têm demonstrado uma posição confusa e vacilante diante da ofensiva da direita.

Neste período, a única força presente em todas as manifestações é o Partido da Causa Operária (PCO), que, em todos os momentos, teve uma política clara e centrada na mobilização contra os golpistas. Foi o único partido a denunciar o julgamento do mensalão, a defender os direitos políticos de José Dirceu, a denunciar a fraude da campanha contra a Copa do Mundo, a lançar a palavra de ordem de “mobilização permanente” contra o golpe de Estado, a lutar pela anulação do impeachment, a organizar uma campanha nacional de agitação e propaganda contra a prisão de Lula, a organizar caravanas pela liberdade de Lula, a defender até as últimas consequências a candidatura de Lula em 2018, a lutar verdadeiramente pelo Fora Bolsonaro e a apresentar uma política de combate à direita golpista durante a pandemia de coronavírus.

O PCO é, neste sentido, o grande patrimônio da luta contra o golpe: multiplicou por várias vezes seu quadro militante, adquiriu larga influência na política latino-americana e estabeleceu um importante aparato de imprensa, contando com o mais importante jornal partidário na internet, o único jornal impresso de esquerda do País e uma TV com sinal 24 horas. É a organização que concentra todo o aprendizado e o espírito de luta da classe operária nos últimos 8 anos.

Ao contrário do que foi Lula na luta contra a ditadura e o que é o PCO hoje na luta contra o golpe, surgiu recentemente na imprensa golpista a figura de Guilherme Boulos, o novo “líder” da esquerda. Mas Boulos, ao contrário de Lula e do PCO, não é expressão de absolutamente coisa alguma. Não denunciou o julgamento do mensalão, calando-se para a ofensiva golpista. Em 2014, despontou como principal representante da campanha contra a Copa do Mundo. Nessa época, ganhou da Folha de S.Paulo um espaço exclusivo. Em 2015, fundou a Frente Povo sem Medo, uma organização para dispersar a luta contra o golpe. Ainda em 2016, decidiu fazer campanha contra o “ajuste fiscal” do governo Dilma Rousseff, em vez de lutar contra o golpe. Em 2017, não fez campanha alguma contra a prisão de Lula. Ao contrário do PCO, que organizou dois atos nacionais importantíssimos em Curitiba, Boulos não tirou um único panfleto para defender os direitos políticos do ex-presidente. Quando, em 2018, Sérgio Moro ordenou a prisão de Lula, Boulos foi a favor de que o ex-presidente se entregasse.

No mesmo ano, Boulos lançou uma candidatura própria, visando a colher os espólios da candidatura de Lula, estraçalhada pela direita golpista,. O psolista, finalmente, acabou ajudando a legitimar as eleições presidenciais mais fraudulentas dos últimos anos. Tão logo Bolsonaro venceu as eleições, Boulos tratou de reconhecer sua “legitimidade”. Mesmo com um milhão de pessoas nas ruas em maio de 2019, o psolista não se colocou a favor do fim do governo de extrema-direita.

Em 2020, quando o povo brasileiro estava morrendo de coronavírus, Boulos se escondeu debaixo da cama, apoiou a vergonhosa campanha do “fique em casa” e assinou manifestos com Fernando Henrique Cardoso, Demétrio Magnoli, Luiz Felipe Pondé, Luciano Huck, Armínio Fraga, Felipe Neto, Cristovam Buarque, entre tantos outros vigaristas renomados.

Boulos, portanto, não só não esteve ao lado da luta contra o golpe, como, no fim das contas, sempre esteve ao lado daqueles que conduzem o golpe de Estado. Em todos os momentos em que a direita inaugurava uma nova etapa de sua política golpista, Boulos aparecia como a feição esquerdista dessa iniciativa.

Se Boulos não vem da luta contra o golpe, de onde vem sua projeção? Ora, não é difícil adivinhar. Do movimento dos sem teto não vem, uma vez que a base do MTST é toda ela lulista. Boulos é apenas um burocrata que, sabe-se lá como, conseguiu ingressar na direção do movimento. Mesmo assim, o MTST não é nada comparado à CUT e ao MST. De nenhuma greve, nem de qualquer grande movimento de rua veio Boulos. Nem mesmo das torcidas organizadas, apesar de toda a falsificação para tentar vinculá-las ao psolista. Como seu histórico deixa claro, Boulos é a liderança, à esquerda, da política oficial do golpe.

A projeção de Boulos vem do próprio regime golpista: da imprensa capitalista, do Judiciário, dos políticos burgueses, dos institutos de pesquisa, dos governos direitistas e da “opinião pública” da classe média conservadora. Enquanto as verdadeiras lideranças da classe operária vêm de um movimento real, Boulos vem, incrivelmente, do nada. Ou pior: do momento de maior confusão e dispersão da esquerda diante do avanço do golpe de Estado. O movimento do qual Boulos faz parte é o dos vídeos de Felipe Neto, das colunas de Vera Magalhães, do Brasil Urgente de José Luiz Datena, do nacionalismo de Ciro Coca Cola Gomes, do socialismo de Márcio França, das leituras stalinistas de Caetano Veloso, da ciência de João Doria e de seu pai, das novelas da Rede Globo e do gabinete do amor da GCM.

Boulos não é o novo líder da esquerda, nem mesmo uma alternativa para a luta contra o fascismo. É, se tanto, uma flor que sai da bosta. Feia, fraca e que só é capaz de enganar aqueles que, deliberadamente, tampam o nariz para toda a podridão do golpe de Estado e se entregam às ilusões e às canalhices da frente ampla contra Lula, contra o PCO e contra todo o povo trabalhador.

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