Que Bolsonaro e os latifundiários que o apoiam odeiam os trabalhadores do campo, principalmente os que lutam pela posse da terra, é sabido faz muito tempo.
Que Bolsonaro atacaria os sem-terra e os pequenos agricultores também estava claro e foi devidamente anunciado por ele.
A questão era somente saber quando e como os ataques aconteceriam e em que proporção.
A imprensa burguesa deu conta de que o governo fascista prepara um mutirão para acelerar o fechamento de acordos de conciliação com fazendeiros que questionam na Justiça a desapropriação de “suas” terras para a reforma agrária.
O que está em pauta é, na realidade, a reversão do pouco que os governos pós-Constituição de 1988 fizeram em direção à reforma agrária. Latifundiários reclamam que suas terras não eram improdutivas ou que receberam muito pouco por elas.
Promessas de campanha, sem dúvida. Devolver terras desapropriadas ou encher o bolso dos latifundiários, ou as duas coisas.
Não devemos nos espantar se o governo de extrema-direita avançar sobre assentamentos já estabelecidos, produtivos, conquistados a duras penas pelos trabalhadores rurais sem terra.
A Constituição de 1988, em relação à questão agrária, em particular no que diz respeito à reforma agrária, foi, no mínimo tímida, até mesmo significou retrocessos em relação ao problema agrário. A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987/88 tratou de forma vaga, e pouco precisa, questões fundamentais como as da função social da terra, da propriedade produtiva, e das razões e critérios para desapropriação.
No entanto, mesmo nesse contexto, que ainda é o em que se moveram os governos que se sucederam após a promulgação da Constituição, a Reforma Agrária é considerada como medida de caráter redistributivo e, em grande medida, portanto, de objetivos nitidamente sociais.
A Reforma Agrária naquele momento da ANC tinha no horizonte o fato de que 48% das famílias rurais enquadravam-se no conceito de pobreza absoluta, ou seja, aproximadamente três milhões e meio de famílias (ou 18 milhões de pessoas).
Todos os governos, vamos repetir, pós-Constituição de 1988 trataram de assentar famílias, pois concordavam ser uma forma mais barata e eficaz de eliminar parte do problema da pobreza extrema no campo.
No entanto, já no governo Dilma, o número de assentados diminuiu, embora políticas de financiamento tenham sido implementadas e outras aprimoradas, dando continuidade a um processo de reorganização, reestruturação e/ou organização dos assentamentos já existentes.
Em 2015, não foi editado nenhum decreto de desapropriação. Em 2017, apenas 1 (um) único decreto foi baixado pelo governo Temer, refletindo o fato de que, em 2018, não houve[1] assentamento das famílias cadastradas.
O que pretende Bolsonaro é muito pior do que protelar ou desacelerar as desapropriações e os assentamentos, muito menos aprimorar as políticas publicas para os assentados. O que ele quer é reverter o que foi feito até o momento. Ele quer destruir o pouco que foi permitido fazer – ou que a coragem dos governos anteriores tornou possível.
Talvez o momento seja propício para aprender como se deve lidar com os latifundiários. Segundo Carlos Frederico Marés, da PUC-PR e sócio fundador do Instituto Socioambiental (ISA),
em 2003, 2004, quando o Lula não consegue alterar a estrutura jurídica para promover a reforma agrária, os setores do agronegócio e do ruralismo, junto com o Judiciário, começam a tomar cada vez mais posições francamente contrárias à reforma agrária. (…) Os setores do agronegócio começam a pressionar para a modificação das leis de dentro do governo, não de fora, nos dois governos [de Lula e de Dilma].
O II Plano Nacional de Reforma Agrária, que foi elaborado no início do primeiro mandato do governo do ex-presidente Lula, incluía a meta de assentar 500 mil famílias em 4 (quatro) anos, mas foi abandonado logo depois.
No segundo mandato da presidenta Dilma, é bom lembrar, a senadora Kátia Abreu (então PMDB-TO) foi indicada para o Ministério da Agricultura – ela foi anteriormente presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ou seja, a mais legítima representante do ruralismo, do latifúndio, sendo uma das lideranças mais conservadoras do setor.
Se isso já era ruim, uma sinalização negativa para os trabalhadores rurais, com o Golpe de 2016, mesmo sem ataques mais diretos, prepara-se o terreno para uma virada definitiva de página do que a Constituição Federal de 1988 deixou escrito e que os governos até então ainda respeitavam, apesar das pressões e de não se tratar efetivamente de uma reforma agrária verdadeira, de peso.
Após o Golpe, a paralisia nos assentamentos abriu a temporada de aumento (mais um) da violência no campo e do lobby ostensivo e bem articulado do latifúndio para colocar no poder um representante seu, não mais no Ministério da Agricultura apenas, mas no Palácio do Planalto.
Jair Bolsonaro agora sinaliza que irá cumprir com acordos feitos com o agronegócio, deixando claro que isso pode significar a expulsão de trabalhadores rurais de suas terras (que pode chegar a quase um milhão de pessoas), mesmo se fruto de assentamentos em terras desapropriadas e devidamente levadas a cabo pelo INCRA.
O próximo passo é retirar à força os trabalhadores ou apenas liberar os latifundiários e suas milicias, ávidos por sangue, para atirar e matar.
NOTA:
[1] Notícias da época indicam que, em 2017, não teria havido nenhum assentamento, mas os dados do INCRA mostram que em 2018 é que não teria havido assentamento, enquanto 2017 foi um ano ruim para a desapropriação. A Justificativa do INCRA para não haver assentamentos em 2017, ou parte dele, aponta para duas questões, uma de cunho judicial e outra burocrático: 1 – O Acórdão 775/2016 do TCU determinou a suspensão dos processos de cadastro e seleção de candidatos ao Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), no período de abril de 2016 a setembro de 2017; 2 – E, por outro lado, a Lei 13.465/2017, teria alterado parâmetros de cadastro e seleção de famílias ao Programa Nacional de Reforma Agrária. O Incra, então, teria que aguardar publicação de decreto presidencial regulamentando dispositivos da lei, sem o que não poderia retomar o ingresso de novas famílias no PNRA.