O obscurantismo reacionário que grassa no País tentou mais uma vez deixar sua marca nefasta. Durante uma aula de Canto na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora propôs o estudo das “Toadas de Xangô”, do compositor Guerra Peixe, para sua turma. Imediatamente, um aluno evangélico se levantou e disse: “E se eu receber alguma entidade”? (sítio Bem Blogado, 06/09). Ato contínuo, a professora que sugeriu o estudo da peça musical rebateu, com argumentos plausíveis, a indagação/provocação direitista do aluno evangélico, argumentando “que a universidade não é um espaço de rito, de prática religiosa, e que aquela música entra ali como arte, vista de uma perspectiva laica, de conhecimento”. (idem, 06/09).
Outros vultos ligados à musica clássica e sacra, como os compositores Francisco Mignone e Villa-Lobos, duas das maiores expressões da cultura nacional também estão sob o fogo cruzado da malta reacionária e direitista que emergiu no país pós-golpe. “Tivemos polêmica com “Cânticos de Obaluayê”, de Francisco Mignone, “Abalogun”, de Waldemar Henrique, “Xangô”, de Villa- Lobos. E até com músicas que não falam de orixás, mas que têm palavras como “macumba”, como é o caso de “Estrela é lua nova”, de Villa-Lobos, declara a professora Andrea, que coordena o Africanias, grupo de pesquisa de repertório brasileiro, com ênfase nas influências negra e indígena” (idem, 06/09).
O golpe de Estado de 2016 fez despertar e avolumar no país todas as mais retrógradas e obscuras tendências de caráter abertamente reacionárias e fascistóides, estando estas direcionadas particularmente contra a cultura, a liberdade de expressão e o conhecimento, torpedeadas pela tentativa de impor a censura e a cassação a obras literárias, peças de teatro, ao cinema e até mesmo a livre manifestação ao canto das torcidas nos estádios onde ocorrem as partidas de futebol. Trata-se, inequivocamente, de uma ofensiva de setores ligados à extrema direita nacional, que não só apoiou e financiou o golpe contra o governo petista eleito em 2014, como hipotecou, decisivamente, o apoio à eleição fraudulenta de Jair Bolsonaro, em 2018, contribuindo para a instalação de um governo que ostenta características abertamente fascistas, inimigo da cultura e do conhecimento.
Muito tem contribuído para esta ofensiva da direita nacional – e isto não pode deixar de ser dito – a postura que vem sendo adotada por setores da esquerda pequeno burguesa, parlamentar, institucional, que não só vem apoiando leis repressivas e de caráter cerceadoras, como ela mesma (a esquerda) vem propondo a instituição de leis que avançam sobre o direito à liberdade de expressão (criminalização da homofobia, censura ao canto das torcidas nos estádios), se colocando como força auxiliar dos obscurantistas reacionários que conduzem a cruzada moral no país contra o progresso científico, o conhecimento e a cultura.
A luta contra a extrema direita nacional exige, por parte não só da esquerda, como de todos os setores democráticos e progressistas que se colocam no campo de luta contra o bolsonarismo, uma delimitação clara em relação a todas as variantes do pensamento retrógrado, obscurantista e reacionário, apoiadores do regime golpista e da fraude eleitoral que elegeu um ocupante clandestino para a cadeira presidencial. Não pode haver luta consequente contra o governo direitista e reacionário de Jair Bolsonaro sem que haja também uma luta intransigente e sem tréguas contra a censura, contra o cerceamento à liberdade de expressão; em defesa da garantia dos direitos democráticos da população; em defesa da livre manifestação do pensamento, da cultura e do conhecimento.