Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Victor Assis

Editor e colunista do Diário Causa Operária. Membro da Direção Nacional do PCO. Integra o Coletivo de Negros João Cândido e a coordenação dos comitês de luta no estado de Pernambuco.

Culinária pernambucana

Bolo de rolo

A análise política local não pode deixar de lado essa iguaria

Em março de 2020, os cientistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) receberam, enfim, a autorização dos capitalistas para reconhecer que o coronavírus havia se tornado uma pandemia. A informação causou um imenso impacto em todo o mundo, que assistiu aos operadores das bolsas de valores perderem quase todos os cabelos em uma semana. Seguindo o clima de desespero disseminado pela imprensa capitalista, vários estabelecimentos fecharam as portas — seja por medo do contágio, seja por causa dos decretos emitidos pelo conselho de sábios da federação brasileira. As padarias decidiram seguir a sabedoria ancestral dos governadores estaduais e também desligaram os seus fornos.

Houve muita gente, no entanto, que não quis atender aos clamores da OMS. Por mais que a venerável imprensa golpista instruísse o povo para não sair de casa, por algum motivo inexplicável — afinal, nem tudo precisa ter um explicação, não é mesmo? —, milhões e milhões de ignorantes continuaram indo às ruas. Profundamente egoístas, essas pessoas diziam que tinham de trabalhar! Ora, por causa de uma mesquinharia dessas, desobedeceram as tábuas sagradas da OMS e puseram em risco o destino de toda a humanidade!

Dentre os egoístas que estavam saindo de casa, sob o pretexto de ter de ganhar seu salário, havia os irresponsáveis, de número cada vez maior, que estavam organizando protestos contra o governo Bolsonaro. No dia 20 de maio, alguns desses insensatos puseram para correr um bolsonarista que tentou agredir os manifestantes. No dia 31 de maio, a insensatez foi ainda maior: centenas de pessoas, a maioria delas composta por torcedores do Corinthians, enfrentaram os bolsonaristas que estavam nas ruas defendendo a ditadura militar.

A ação dos torcedores foi uma ação direta contra o fascismo. Gritando “democracia”, os manifestantes varreram das ruas os que pediam a intervenção das Forças Armadas. Ao que parece, no entanto, essa maneira de se posicionar — isto é, sair às ruas e enfrentar a extrema-direita — não seria a mais adequada para combater o fascismo. Contrariando a irresponsabilidade desses torcedores, milhares de pessoas em todo o País passaram a ensinar a melhor maneira de combater o fascismo: por meio de figurinhas nas redes sociais. E, na medida em que os sábios foram caducando e decidiram reabrir o comércio, as padarias também voltaram a ligar os seus fornos. Para a felicidade de todos, com a volta das padarias, voltaram os bolos, que fizeram questão de ensinar aos torcedores como combater o fascismo:

O que causou uma estranheza, no entanto, foi o fato de que os bolos, que estavam adormecidos durante três meses de pandemia, por algum motivo, decidiram se apresentar como grandes líderes do movimento antifascista. Quanto aos bolos virem ajudar na luta contra o fascismo, ninguém vai se opor, pois quanto mais gente estiver disposta a lutar contra a extrema-direita nas ruas, melhor. Mas a pergunta que todo mundo fez, especialmente os insensatos que estavam nas ruas durante os três meses, foi: o que é que os bolos têm a ver com a luta contra o fascismo? A resposta é simples: nada! Mas se a Folha de S.Paulo resolveu elegê-los como os novos líderes da luta contra o fascismo, quem são os irresponsáveis que estiveram desobedecendo as leis da ciência para se contrapôr à venerável imprensa golpista?

Considero que a pergunta acima não careça de resposta. Passo, então, aos próximos questionamentos, que inevitavelmente explodem do caldeirão em que está contido a situação política: o que defendem os bolos? Quais são suas receitas para combater a extrema-direita?

Para a impaciência de quem pergunta, respondo primeiro: não há uma única resposta para isso. Há de se considerar toda a heterogeneidade dos bolos — para cada situação, é necessário utilizar um ingrediente diferente. Por exemplo, no dia 7 de junho, como um típico domingo, era esperado que saísse do forno um bolo paulista. Os padeiros, no entanto, tiveram uma ideia muito mais criativa. Por sugestão de seus amigos fardados, que comem coxinhas frequentemente em seus estabelecimentos, os empresários da farinha resolveram produzir deliciosos bolinhos de batata. Ninguém, obviamente, gostou da opção dos padeiros, a não ser seus próprios amigos fardados, que são viciados em coxinhas de batata. Agora me surgiu a dúvida: há diferença entre os bolinhos de batata e as coxinhas de batata? Confesso que não sei… Só sei — ou melhor, me contaram — que os amigos fardados dos padeiros, em seu desejo de ver o povo paulista feliz, decidiram sair às ruas para pedir que todos fossem consumir os bolinhos de batata!

Podem falar o que quiser dos padeiros, menos que eles não se importam com sua clientela! Como os bolinhos de batata foram um fracasso, decidiram, no dia 14 de junho, atender ao desejo do povo, e prepararam o bolo paulista. No entanto, eu não saberia dizer por que — volto a dizer, nem tudo na vida precisa de explicação — os bolos paulistas saíram bastante murchos. Ao que me contaram, havia até alguns pedaços mofados, com coloração azul e amarela… Bom, mistérios da alta culinária que não cabe a nós, pobres mortais, entender.

Vejam, portanto, a dificuldade de dizer o que os bolos defendem: os bolos não são um corpo independente, dependem de seus padeiros (e dos amigos dos padeiros). Com isso, não quero, de maneira alguma, ofender os empresários da farinha. De jeito algum! Entre um café e um bolo, vi esses senhores contarem histórias que nunca ouvi antes. Uma delas, talvez a mais curiosa de todas, foi a de que a campanha pelas “Diretas já!” teria sido um sucesso. Confesso que ainda não entendi muito bem porque Tancredo Neves e José Sarney são um exemplo de sucesso, mas creio que não seja importante discutir isso…

Eu poderia passar o dia inteiro falando dos bolos e falando do quanto eles ensinaram aos ignorantes que acham que lutar contra o fascismo é estar nas ruas botando a extrema-direita para correr. No entanto, esse tempo me falta, e vou, portanto, me restringir a um tipo de bolo que me interessa particularmente: o bolo de rolo, uma sobremesa tipicamente pernambucana.

Considerado patrimônio imaterial de Pernambuco desde 2008, o bolo de rolo é composto uma série de finas camadas de massa e goiabada. Camadas, assim como a cebola é composta por camadas… Em São Paulo, ouvi uma história sobre bolos e camadas, que tem bastante a ver com o que sei sobre o bolo de rolo. Segundo esse conto curioso, para que o povo consiga derrotar o fascismo, seria preciso travar uma luta que se dá em várias camadas. Em uma camada estaria a luta pela “democracia”, em outra a luta pelos direito sociais, em outra a “defesa de outro modelo de sociedade” etc. Em resumo, para conseguir lutar pela “democracia”, seria preciso se unir aos que são contra os direitos sociais; para lutar a favor dos direitos sociais, seria preciso se unir aos capitalistas; e por aí vai. Trata-se, certamente, de uma ideia muito curiosa…

Feita essa digressão de difícil digestão, voltamos ao bolo de rolo. Essa iguaria não tem camadas iguais às da cebola — seria melhor falar que a sobremesa é composta por vários rolos. Para que não nos percamos nas ambiguidades, rolo pode ser tanto uma troca — como utilizado em “feira do rolo” — ou sinônimo para enrolação — como utilizado em “fizeram um rolo para justificar a frente ampla”. De uma maneira geral, podemos falar que os rolos dos bolos pernambucanos podem assumir qualquer um dos dois significados.

Os bolos ficaram famosos por terem ido à Folha de S.Paulo para dizer que era preciso sair às ruas contra o fascismo e que era preciso se unir a todo mundo que queria lutar contra o governo Bolsonaro. Um dos rolos pernambucanos, no entanto, consistiu no curioso fato de que a primeira reunião marcada entre todas as organizações de esquerda para discutir a luta contra o fascismo em Pernambuco, ocorrida no dia 19 de junho, foi furada pelos bolos. Sequer participaram da discussão e fizeram um rolo entre a mobilização de rua por outra coisa, seja lá qual for. Medo da reunião? Não, de jeito nenhum! Os bolos não têm medo, não têm medo de lutar!

Mesmo sabendo que a cavalaria sagrada da OMS os confunde com as coxinhas, os bolos decidiram fazer outro rolo no dia 5 de junho. No ato contra a morte do menino Miguel, os bolos trocaram de lugar com os cavaleiros fardados: os cavaleiros participaram do ato, fardados, como se fossem solidários à família, e os bolos cumpriram o papel da guarda científica, tentando forçar que a esquerda baixasse suas bandeiras e faixas repletas de coronavírus. Em outro episódio curioso, os bolos fizeram outro rolo: em vez de organizarem um ato público, decidiram fazer um ato privado. Um ato em que só os amigos mais íntimos dos bolos foram convidados. A sugestão também foi dada pelos amigos fardados dos padeiros.

Por fim, presenteio o leitor com o relato de um rolo dos bolos pernambucanos que pediram para que não houvesse carro de som em um ato. Não ficou claro o motivo, mas aparentemente, as ondas sonoras poderiam fazer com que os bolos se desintegrassem. Como dizem por aí, “o povo não poderia dormir tranquilo se soubesse como são feitos os bolos e as leis”.

Com esses breves relatos, vimos por que as confeitarias antifascistas em Pernambuco têm a preferência pelo bolo de rolo. O bolo de rolo é, afinal, um bolo de rolos — basta que se tenha muito rolo, e o bolo está feito. Pensando bem, fica agora uma dúvida: são os rolos que fazem o bolo ou é o bolo que faz os rolos? Na incapacidade de me decidir, acabo achando que as duas possibilidades se complementam.

É preciso ficar claro, portanto, que uma coisa depende da outra. Enquanto houver o bolo, continuará havendo seus rolos, pois são os rolos que o sustentam. O inverso, porém, é igualmente válido, e é justamente aqui que reside o recado mais importante. Quanto mais houver esses rolos, maior será o bolo antifascista. Aqueles que tanto faziam questão de não estarem envolvidos com as padarias, é preciso que fique claro que, enquanto estiverem enrolados nos rolos do bolo, do bolo de rolo farão parte.

Em tempo: o leitor deve ter reparado que os bolos e seus rolinhos sempre estiveram lado a lado com a santa guarda científica. Não saberia explicar a que se deve isso… Mas também não vem ao caso, não é mesmo?

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.