No dia 26 de novembro, o governo golpista de Jeanine Añez deu mais um passo no sentido de transformar o regime político boliviano em uma ditadura aberta contra toda a população. Após matar mais de 30 manifestantes que lutavam pela recondução de Evo Morales ao poder, o regime começou a prender os seus adversários políticos. Deisi Choque, que foi candidata pelo Movimento ao Socialismo (MAS), foi presa em casa, com direito ao mesmo sensacionalismo que a imprensa brasileira destinou às prisões políticas da Operação Lava Jato. A direita também já emitiu uma ordem de prisão para o ex-ministro da presidência Juan Ramón Quintana, considerado o braço direito de Evo Morales.
A ordem de prisão dada a Juan Ramón Quintana é um exemplo que mostra claramente qual é a política que a direita pretende levar adiante na Bolívia. Ex-militar, Quintana coordenou a campanha de Evo Morales à presidência em 2019 e era considerado como parte da “ala dura” do governo Morales. Pouco após ter sido deflagrado o golpe militar na Bolívia, Quintana declarou, em entrevista, que:
a Bolívia vai se transformar em um grande campo de batalha, um Vietnam moderno, pois aqui as organizações sociais encontraram um horizonte para reafirmar sua autonomia, soberania e identidade.
A declaração de Quintana, que expressa nada menos do que a realidade, uma vez que o povo boliviano não iria aceitar de braços cruzados que o imperialismo derrubasse um governo popular para impor um capacho seu, foi suficiente para que a autoproclamada presidente da República Jeanine Añez o acusasse de terrorismo. Cinicamente, o governo golpista culpou Quintana pelos levantes contra o golpe militar e solicitou sua prisão junto ao Ministério Público, sendo rapidamente atendido. Até o momento, o paradeiro de Quintana não é conhecido.
Obviamente, a questão do terrorismo foi apenas uma desculpa que o regime encontrou para prender um elemento que se colocou frontalmente contra o golpe. Quintana está sendo perseguido, inclusive, porque se mostrou não só como uma figura contrária ao golpe, mas alguém que, diferentemente da política de capitulação do MAS, defendeu o enfrentamento das massas à ofensiva golpista.
O avanço da direita no regime político, por sua vez, para chegar ao ponto de prender os seus adversários políticos, é resultado justamente da sequência de capitulações do MAS diante da ofensiva golpista. Os parlamentares e dirigentes do partido, em conjunto com o próprio Evo Morales, não prepararam nenhuma reação ao golpe da direita e, uma vez concretizado o golpe, se colocam contrários à mobilização dos trabalhadores. Enquanto o povo está na rua enfrentando a polícia com paus e pedras, a direção do MAS está clamando pela pacificação – pacificação essa que jamais virá por parte da direita, que , se não for combatida, levará toda a população à morte e à miséria.
Além de não organizar o povo para enfrentar a direita – considerando que o povo já está mobilizado -, os dirigentes do MAS fizeram vários acordos com a direita que estão dando sustentação ao governo Añez. Após a renúncia de Evo Morales, o MAS poderia continuar na sucessão presidencial, visto que controlava a presidência do Senado e da Câmara. No entanto, os parlamentares que ocupavam esses postos renunciaram. Mesmo com o MAS controlando a maioria do parlamento, aceitou que a golpista Añez, abertamente pró-imperialista, que inclusive reconheceu o vigarista Juan Guaidó como presidente da Venezuela, se consolidasse como presidente.
Além de permitir que Añez constituísse um governo – governo esse que já matou mais de 30 pessoas e reformulou a cúpula das Forças Armadas -, o MAS entrou em um acordo que permitirá a realização de novas eleições presidenciais sem a presença de Evo Morales. Trata-se, portanto, da consolidação do golpe: toda a operação que a direita realizou foi para expulsar o maior líder popular da Bolívia do regime político. Recentemente, Diego Pary, que era o chanceler do governo Morales, reafirmou a posição da direita, declarando que a melhor solução para a crise na Bolívia seriam eleições sem a participação de Evo.
Após o anúncio da ordem de prisão de Quintana, os trabalhadores da Bolívia organizaram um protesto em Cochabamba. Os dirigentes dos sindicatos da região, no entanto, procuraram se mostrar distantes da manifestação, afirmando que se tratava de “um grupo radicalizado” e que contrariavam seus interesses pela pacificação.
A política da capitulação, apresentada pelo MAS, é a política da derrota, e tem sua parcela de responsabilidade no avanço da direita obre o regime. Por isso, é preciso organizar uma reação enquanto ainda há tempo. Ao contrário de permitir que a direita ganhe confiança para avançar cada vez mais e impor uma ditadura sobre o povo, é preciso enfrentar nas ruas, até as últimas consequências.