A luta pela emancipação da mulher é indissociável da luta de classes e, consequentemente, da luta pela abolição do sistema econômico capitalista. Isto porque a sua opressão, longe de ser uma questão unicamente biológica, é uma questão econômica intrinsecamente ligada aos interesses da burguesia.
A manutenção da sociedade capitalista depende da constante renovação do proletariado: a família trabalhadora, assim, torna-se uma máquina viva de produção. Para a máquina funcionar eficientemente, sem interferir no horário e na disposição dos trabalhadores, o papel doméstico da mulher, cuidando dos filhos e garantindo que cresçam aptos ao trabalho, é indispensável. A mulher continua a ser, em consequência, dependente financeiramente do marido; a refinação de seu papel social é intensificada para docilizá-la frente a tal situação e, assim, consolidar a subjugação.
Todavia, à medida que se desenvolveu a maquinaria no processo de produção, o capitalismo apropriou-se do trabalho infantil e feminino com o intuito de redução do custo da mão de obra. Concomitantemente à proibição do primeiro, as mulheres continuaram ocupando espaço no operariado, o que possibilitou alguns avanços sociais, já que elas puderam organizar-se coletivamente e a dinâmica familiar tradicional foi parcialmente rompida.
No século XX, a Revolução Russa foi um marco para a conquista da emancipação da mulher. Direitos como o divórcio, o aborto, a licença-maternidade e a contracepção foram alcançados por mulheres operárias que lutavam pelo fim da opressão e da exploração de sua classe e de seu gênero. A igualdade estabelecida foi superior à existente em qualquer país do mundo na época. Para o bolchevismo, a libertação da “escravidão do lar” e a “socialização do trabalho reprodutivo” eram temas centrais na luta. Somente após a ascensão de Stálin tais avanços sofreram retrocessos, assim como a própria URSS.
Mas as correntes identitárias da esquerda pós-moderna transformaram o que deveria ser um movimento de luta das mulheres pela igualdade de direitos, mediante a abolição da lógica capitalista, em uma ordem de pequeno-burgueses em busca da exaltação de seus egos. Beyoncé, a maior “diva pop” da última década, é a caricatura precisa do que o feminismo burguês representa atualmente.
A militância de Beyoncé volta-se, basicamente, à ostentação da imagem, deixando de lado as bases econômicas concretas da questão: há a afirmação constante de que a mulher deve considerar-se individualmente poderosa e mostrar-se ao mundo com uma perfeição sobre-humana, em uma espécie de autoendeusamento. É a clara busca pelo “ego ideal”, que, como Freud demonstrou, é o substituto do narcisismo primário perdido na infância, época em que o indivíduo considera a si mesmo como possuidor de toda perfeição e merecedor de todo mérito e valor.
Não é difícil perceber que o culto ao amor narcísico é a base do “empoderamento”, quando se considera o modo como este termo vem sendo utilizado pelos movimentos de esquerda nos últimos tempos. A ideia é que, amando a si mesma mais do que a tudo e todos, a mulher conseguirá atingir um estágio pleno de independência – é a transformação da luta coletiva em luta individual. Longe de objetivar uma libertação da classe e do gênero, o identitarismo almeja um reconhecimento próprio, o alcance de um status que seja valorizado pela burguesia: esta é a escolha objetal, o modo pelo qual o identitário dá vazão ao seu narcisismo, através da visão do outro.
Assim, quando o aspecto financeiro é citado nas músicas de Beyoncé, é como forma de opulência individual, e não de luta contra o sistema. São mencionados de diamantes a relógios Rolex, evidenciando o caráter burguês e extremamente servil de seu feminismo.
Não é novidade que o imperialismo se apropria dos movimentos de luta do trabalhador quando esses não têm uma direção coerente e revolucionária para adequá-los aos seus interesses e entravar o progresso. Mas a história já provou que o único caminho capaz de proporcionar, de fato, mudanças, é o revolucionário. A falácia imperialista da luta individual como atalho para a libertação das amarras sociais só é vantajosa para a burguesia, que consegue manter os seus privilégios de casta enquanto alivia a pressão das massas; para o trabalhador, ela significa a continuidade da opressão a que sempre foi submetido.
Muitos levantam o argumento da representatividade para apoiar o papel de Beyoncé. Tal pensamento é, porém, equivocado, à medida que toma o efeito pela causa: a representatividade das minorias surge naturalmente mediante a abolição concreta de sua opressão, mas não deve ser o motor da mudança. Esta última situação apenas legitima a manutenção do capitalismo por grandes vozes teoricamente oprimidas que não passam de peões imperialistas – o resultado é a famosa anedota “se nós conseguimos, vocês também conseguem”. É a completa distorção da luta objetiva. Somente a organização das mulheres trabalhadoras, coletivamente fortes, seguindo o caminho do socialismo revolucionário, proporcionará a emancipação total de todas as mulheres através da dissolução da sociedade de classes.