Numa série de matérias em sua página de internet, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) denuncia a morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) na elaboração dos estudos que servem de base às reivindicações territoriais indígenas (11/11/19, 16/01/20, 21/02/20). Tais estudos são realizados por grupos técnicos nomeados pela Funai, contêm elementos sociológicos, cartográficos e jurídicos, e fundamentam a identificação e a delimitação de terras indígenas.
De acordo com o CIMI, existem 66 processos exigindo da Funai a formação de tais grupos técnicos em 19 estados. Nenhuma das demandas indígenas foi totalmente atendida, e a disputa judicial persiste. Apesar da tramitação em primeira e segunda instâncias, com resultado favorável às reivindicações indígenas, e de multas diárias de até R$ 100 mil, a Funai não entrega os estudos de identificação e delimitação territorial.
De 2011 a 2014, ocorreram 10 novas decisões judiciais com a exigência de elaboração desses estudos. Do biênio 2015-2016, marcado pelo golpe de estado contra a presidente Dilma Rousseff, até 2019, o número de decisões novas nesse sentido disparou para 41. O governo Bolsonaro segue a tendência do governo golpista de Temer, e, como aponta o CIMI, é certo que os processos se acumularão em quantidade cada vez maior.
Para criar a aparência de cumprimento das determinações judiciais, a Funai usa o artifício de nomear grupos técnicos que, no entanto, adiam indefinidamente a elaboração dos chamados Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação. A Fundação executa algumas formalidades e demandas burocráticas, mas negligencia todas as tarefas fundamentais. A situação não surpreende se lembramos da multiplicação de arbitrariedades nos últimos anos resultante do golpe de estado de 2016.
Escolhido por Bolsonaro, o presidente da Funai é o delegado federal Marcelo Augusto Xavier da Silva. Ao formar os grupos técnicos de identificação, o delegado nomeou pessoas comprometidas, obviamente, com os interesses do capital e do latifúndio – orientadas, portanto, contra as demarcações indígenas. Além desse compromisso, as pessoas nomeadas possuem um currículo medíocre do ponto de vista da antropologia.
Na avaliação do CIMI, a morosidade da Funai na elaboração dos estudos se deve, entre outras coisas, à incompetência dos integrantes dos grupos técnicos. No entanto, o critério usado para atribuir incompetência a esses integrantes – a mediocridade profissional em antropologia – parece não ser adequado. Desde a perspectiva bolsonarista, o critério é a eficiência no combate às demandas dos setores oprimidos da população e na defesa dos interesses dos setores opressores; nesse sentido, as pessoas escolhidas por Marcelo Xavier da Silva são perfeitamente competentes. O problema fundamental não é técnico – acerca dos meios adequados para alcançar um determinado fim –, mas sim político – acerca dos fins que uma classe defende contra outra classe.