Com a chacina na quarta (14) de oito pessoas seguida do suicídio dos dois agressores na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, a burguesia se apressa em usar a comoção popular como pretexto para retirar direitos da população. O governador almofadinha João Doria Jr. (PSDB) já fala em alocar policiais militares em cada uma das escolas da rede pública, o discurso pela militarização do ensino ganha novo fôlego, recrudesce a campanha pelo desarmamento com apoio da esquerda pequeno burguesa e o senador fascista Flávio Bolsonaro (PSL/RJ) já fala mesmo em redução da maioridade penal – já que o atirador tinha 17 anos.
Em que pese a gravidade dos fatos e a barbaridade das cenas veiculadas na televisão e na internet, cumpre denunciar, preliminarmente, que a maneira como a imprensa burguesa conduz a cobertura dos fatos tem um só objetivo: amplificar o terror, o medo, o desejo de vingança da população. Chacinas ocorrem diariamente em casas, lojas, bares e restaurantes diariamente nas comunidades de todas as grandes cidades brasileiras – a maioria executada por policiais, jagunços e milicianos, sem que sejam tratadas de modo a promover tal comoção. A exploração da ação de franco-atiradores na realidade é um recurso clássico para a difusão do medo dentro da cultura norte-americana, e é sintomático que em tempos de golpe imperialista tais casos voltem a ocorrer. Mas o medo nunca foi bom conselheiro. Os “remédios” propostos pelos golpistas tendem a agravar o problema.
Como praticamente todas as experiências de policiamento dito “comunitário” mostram – a exemplo das UPPs defendidas por Marcelo Freixo (Psol) , a presença ostensiva de policiais em qualquer comunidade provoca o aumento da violência a longo prazo. Agentes de repressão fomentam a repressão, e esta fomenta a violência. Verdadeiras lideranças dessas comunidades se opõem veementemente à política das UPPs, como era o caso da vereadora Marielle Franco, do próprio Psol, originária do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, cujo assassinato por policiais completa um ano agora. Com as escolas, não será diferente.
O policiamento ostensivo ou, pior ainda, a militarização do ensino proposta em diversos Estados – como no Distrito Federal – não tem outra finalidade que anular o potencial que as escolas têm de constituírem centros comunitários, onde estudantes, professores, servidores e pais se reúnem para se organizar e se mobilizar contra os arbítrios da burguesia. Tal vocação é natural, por assim dizer, devido à distribuição territorial e à permeabilidade dessas estruturas, além da tradicional combatividade do movimento estudantil e das categorias de professores e de servidores públicos.
Como já analisado diversas vezes neste diário, por influência externa, a discussão sobre o armamento no Brasil ocorre com sinais trocados. A esquerda parlamentar, fomentadora do debate, promoveu a campanha do desarmamento no governo Lula a partir de pressão de agentes imperialistas. Inicialmente tal política era evidentemente uma concessão num governo de conciliação de classes. Afinal, é a burguesia, com medo do proletariado, que sempre fomentou o desarmamento da população. O caráter pequeno-burguês de nossa esquerda porém, com medo da revolta do proletariado, levou-a tomar para si a causa à semelhança da política do Partido Democrata norte-americano. O proletariado sempre foi a favor do armamento, para ter o direito de organizar sua autodefesa contra as forças de repressão a serviço da burguesia.
A extrema-direita representada por Bolsonaro quer armar não a classe trabalhadora, mas sim os jagunços e milícias ligados às forças de repressão. Seu discurso armamentista é mera demagogia. É o que demonstra a inefetividade real das medidas até aqui levadas a cabo por Bolsonaro nesse sentido, como o decreto promulgado em janeiro, bem como o caráter restrito da “liberação da posse de armas” das propostas já apresentadas. Bolsonaro não quer armar a população, mas sim seus carrascos.
Nessa mesma linha, quanto mais amplos os setores passíveis de repressão, tanto melhor para a burguesia. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente amplia os direitos dos adolescentes, porque não – num contexto de golpe – revogá-los? A redução da maioridade penal nada mais é que um movimento nesse sentido, visando a jogar no mercado de trabalho o quanto antes os adolescentes, privando-os de ter alimentação e educação garantidos pelo Estado. Acresce que aumenta-se o contingente de desalentados e desempregados no mercado, reduzindo o preço geral da mão-de-obra. Por fim, potencialmente, a já gigantesca população carcerária brasileira ganharia novo e significativo contingente – sobretudo a partir das políticas repressivas da ditadura que se aprofunda após o golpe.
Na realidade, a escalada da criminalidade e o suicídio nada mais são que uma consequência da brutal desigualdade social promovida pelo capitalismo, que empurra as pessoas para condições de vida sub-humanas, próprias da escravidão de classe promovida pela burguesia com a classe trabalhadora. Refugiadas em tugúrios sem saneamento, sem saúde pública, sem escola, distantes de seu local de trabalho, assassinadas pela polícia diariamente.
Qual a perspectiva de vida de nossa juventude trabalhadora quando é socialmente oprimida e instada a resolver seus problemas individualmente? Com o aprofundamento do golpe, a intensificação da repressão, a visão do futuro torna-se cada vez mais sombria.