A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL) pelo STF, após o deputado ter feito um vídeo criticando a Corte, resultou em reações muito peculiares da esquerda que aplaudiu a ação do ministro Alexandre de Moraes justificando com o seguinte argumento: o ataque ao STF é um ataque à democracia por parte do deputado.
Mesmo alguns esquerdistas que perceberam o perigo da arbitrariedade contra o deputado afirmaram que, embora o STF não pudesse prendê-lo, a fala de Daniel Silveira seria um atentado à democracia.
Tal colocação sobre a democracia revela não apenas as profundas ilusões que essa esquerda pequeno-burguesa tem na chamada democracia burguesa, como revela uma concepção invertida do que de fato é a democracia. Expliquemos parte por parte.
A crença na democracia burguesa
É uma tradição da esquerda a crença na democracia. A esquerda pequeno-burguesa acredita que as mudanças no mundo se darão em primeiro lugar por meio das eleições. Portanto, a principal atividade política é a eleição e o parlamento. O discurso no Congresso é o ápice da atividade política de um esquerdista.
Com alguma sorte, se é eleito, com mais sorte ainda, consegue-se aprovar alguma reforma no parlamento. Reforma que será logo revertida pela ação da burguesia que, em crise, não permite nem uma única mudança a não ser por meio de uma mobilização real.
Portanto, o que vai garantir é a mobilização mesmo do ponto de vista do parlamento burguês, mas a esquerda insiste em trocar qualquer mobilização real pela busca por um voto.
É impossível mudar as coisas por meio da democracia burguesa simplesmente porque ela é controlada em todos os aspectos pela burguesia. É o terreno onde os capitalistas dominam todas as regras, das eleições à atuação no parlamento.
Essa ilusão da esquerda acaba extrapolando o domínio da mera política parlamentar e acaba se transformando em uma ilusão não na democracia mas nas instituições do regime político burguês.
STF: uma instituição ditatorial
Para não perder o controle do regime político, a burguesia criou uma série de instituições que ela chama de democráticas mas na realidade são antidemocráticas. O Senado, por exemplo, é um órgão criado pela burguesia para diminuir o poder do Congresso.
Até mesmo do ponto de vista da democracia burguesa, o Poder Legislativo deveria ser uma casa de representação do povo. Por isso, não faz sentido a existência do Senado, que é um órgão eleito não proporcionalmente – são três representantes por estado, independentemente da população de cada um – e portanto composto por políticos ligados a oligarquias. O Senado divide com a Câmara a aprovação das leis.
A Câmara dos Deputados com certeza está muito longe da representação ideal do povo. A burguesia impôs uma série de mecanismos para controlar também a Câmara. Mas não há dúvida que, mesmo assim, ela é muito mais representativa do que o Senado. Portanto, uma política realmente democrática deveria pedir a dissolução do Senado.
O caso do STF é ainda pior. O Supremo é composto por 11 pessoas que não foram eleitas por ninguém. São nomes indicados pelo presidente e referendado pelo Congresso. Ou seja, esses ministros não obedecem a nenhuma pressão popular.
Para que não haja nenhuma dúvida são 11 ministros do STF, 513 deputados na Câmara e 81 senadores. Esses ministros, no entanto, podem passar por cima do Congresso e mandar prender um deputado.
O STF se coloca como intérprete da Constituição, o que é outra aberração antidemocrática. Como fizeram no caso de Lula, os ministros do STF decidiram que o julgamento completamente fraudulento não era fraudulento e o ex-presidente foi preso e impedido de disputar a eleição. Até agora, Lula está sem direitos políticos e o STF se recusa a discutir claramente o problema.
O STF deveria ser extinto. O Judiciário, em suas instâncias mais baixas, deveria ser constituído por juízes eleitos pelo povo.
Portanto, a existência do STF é uma demonstração da ditadura da burguesia.
Fernando Haddad, em seu Twitter, defendeu a ação do STF:
Se ele não tiver o mandato cassado, o recado para Bolsonaro avançar estará claro. Democracia não se negocia.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), também se manifestou nas redes sociais, em sua conta no Twitter:
E que venham outras decisões em defesa da democracia, ameaçada por milicianos, insanos e extremistas
Guilherme Boulos, do PSOL, também saiu em defesa do STF:
Liberdade de expressão é uma coisa. Defender tortura, fechamento do Congresso e do STF e celebrar o assassinato de uma vereadora é crime.
A esquerda que afirma que as críticas ao STF são antidemocráticas na realidade está invertendo realidade. O que é antidemocrático não são as críticas, mesmo porque críticas e opiniões não podem ser antidemocráticas por mais absurdas que sejam. Antidemocrático é a existência de um poder que não é eleito por ninguém e passa por cima do legislativo e da própria Constituição para censurar, impedir e punir essas críticas.
O STF é um poder de tipo monárquico. São eles que decidem o que se pode ou não fazer, são eles que interpretam a Constituição de acordo com seus interesses políticos. Esses 11 ministros indicados agem politicamente encobertos como decisões jurídicas.
Ao defender o STF, a esquerda pequeno-burguesa não está defendendo a democracia, está defendendo a existência de um poder ditatorial. O caso de Daniel Silveira fortalece essa ditadura do STF, não o contrário. As declarações do deputado defendendo a ditadura, por enquanto, são apenas declarações, já a ditadura do STF é real.
Um foi preso por falar, o outro tem o poder de fazer e mandar prender.
É preciso dizer uma palavra sobre a defesa da dissolução do STF. Se está permitido prender o deputado bolsonarista porque ele criticou o STF, estaria também permitido prender a esquerda que defende a dissolução do Supremo?
Por aí, vê-se que o ato de Alexandre de Moraes, que posteriormente foi referendado pelos 11 ministros, é um abuso contra os direitos democráticos e a esquerda nunca deveria ser favorável a tal política.
A esquerda está completamente integrada ao regime político ditatorial, por isso tem tanta facilidade de defender as instituições mais antidemocráticas do regime.