Setores da esquerda vêm fazendo diversas declarações a respeito do cenário latino-americano, que apresenta uma avalanche de mobilizações populares em vários países no sentido de derrubar os governos golpistas e de extrema-direita que o imperialismo instalou.
Boa parte dessas declarações é absolutamente conservadora e direitista contra os povos desses países. Outra parte é positiva em relação aos nossos irmãos, mas totalmente reacionária quando os comparam com os trabalhadores brasileiros.
Como exemplo do primeiro caso, pode-se citar o jornalista Alex Solnik, que, em sua coluna no portal Brasil 247, condena os protestos mais radicais no Chile, dizendo que eles ameaçam a democracia, e chega a elogiar o presidente semifascista Sebastián Piñera, que colocou os tanques nas ruas para reprimir a população.
Em um posicionamento ambíguo, Solnik indica que, tanto os militares nas ruas, como os manifestantes violentos, podem estar ameaçando a democracia no Chile. “Tomara que, no afã de derrubar Piñera não se derrube a democracia”, conclui.
Trata-se aí de uma defesa do governo neoliberal e de extrema-direita de Sebastián Piñera, um continuador das políticas do ditador Augusto Pinochet. O povo chileno cansou de sofrer com as mazelas impostas pelo neoliberalismo e se revoltou. A violência dos manifestantes é uma resposta (a uma altura muito mais baixa) contra a violência que a população chilena sofre há décadas. É uma violência legítima, e que tem sido afogada a sangue pela violência ilegítima das forças repressivas do exército e da polícia, que já mataram ao menos 15 pessoas. A democracia que Solnik diz existir no Chile – e que os manifestantes estariam ameaçando – na verdade é uma ditadura mascarada, mas que o povo entende muito bem como funciona, porque é sua vítima a cada dia.
Trata-se também de deslegitimar esse tipo de protesto caso ocorra – e há de ocorrer – no Brasil. O povo brasileiro também está cansado de sofrer com a ditadura imposta por Bolsonaro, e, quando perder a esportiva com as atrocidades cometidas por Bolsonaro, Witzel, Doria, Zema etc., deverá também se manifestar de maneira radicalizada. Estará errado? Parece que, segundo o critério de Solnik, sim.
Mino Carta pode exemplificar o segundo caso, o de que os brasileiros seriam covardes se comparados com os chilenos ou equatorianos. Na Carta Capital, ele afirma que “o Brasil carece de um povo corajoso e consciente”, enquanto que os equatorianos conseguiram, por meio de uma revolta popular, revogar o fim do subsídio estatal aos combustíveis.
É preciso mencionar, no entanto, que a revogação no Equador é parcial e o governo pode voltar a aplicar as medidas que iria tomar de maneira gradual. A “conquista”, assim, seria facilmente revertida. Além disso, o que o povo equatoriano queria era a queda do presidente traidor Lenín Moreno. A derrogação era apenas um detalhe.
Mas, por ainda não ter se mobilizado da forma como fizeram os equatorianos, o povo brasileiro seria covarde. O que Carta e os demais setores da esquerda não levam em conta é que o povo brasileiro está sim se mobilizando, desde o começo do ano, e a favor da derrubada de Bolsonaro. O povo quer o Fora Bolsonaro. Quem não quer isso é justamente essa esquerda, particularmente a ligada aos aparatos burocráticos do Estado, que alimenta ilusões nas instituições como o Congresso ou o Judiciário, ou que cria alianças com a direita através da chamada Frente Ampla, a mesma direita que deu o golpe e é sustentação do governo Bolsonaro.
É isso o que impede que o povo brasileiro esteja nas ruas, em massa e de forma radical, incendiando o País, colocando a direita para correr e enfrentando concretamente os golpistas. É a falta de direções sérias na esquerda, que organizem a luta dos trabalhadores ao invés de criar conchavos políticos que acabam por boicotar essa mesma luta. Se a esquerda (tanto a ligada aos aparatos do Estado como a burocracia sindical) mobilizasse a população, o Brasil não só estaria em ebulição, mas seria o país do mundo atualmente em uma maior efervescência popular, devido ao tamanho da crise política, social e econômica e ao tamanho de sua classe operária e organizações populares.
Mas a esquerda prefere esperar até 2022. Enquanto isso, coloca a culpa no povo.