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Bolívia

Transição Socialista confunde mais um golpe com um levante operário

O agrupamento voltou a caracterizar a situação política sob a base de uma realidade invertida, dessa vez apoiando o golpe na Bolívia.

O agrupamento Transição Socialista, que tem se posicionado invariavelmente ao lado do imperialismo em todos os golpes de Estado nos últimos anos, como no caso da Venezuela, do Brasil e da Síria, saiu novamente em defesa da ofensiva da direita. Dessa vez, a agremiação decidiu publicar teses que afirmam que a deposição do presidente boliviano Evo Morales pelas Forças Armadas não foram um golpe, mas sim uma etapa de um grande levante popular revolucionário.

Fraude eleitoral?

Por meio da declaração Bolívia: preparar a tomada do poder pela COB, publicada pela organização boliviana Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST) e reproduzida pelo Transição Socialista em seu sítio eletrônico, é repetida a versão da direita pró-imperialista de que houve fraude eleitoral nas eleições presidenciais bolivianas de 2019:

A tosca fraude eleitoral de Evo Morales fez estourar a mobilização insurrecional das massas contra si. Isso foi apenas a ponta do iceberg do descontentamento social.

A alegação de que houve uma fraude eleitoral, no entanto, não se sustenta. Em primeiro lugar, os signatários da declaração não apresentam prova alguma da suposta fraude. Em segundo lugar, a fraude teria sido para favorecer a vitória de Evo Morales, principal liderança popular do país andino. Se o resultado não reflete a realidade, então o que o Transição Socialista defende é que o povo boliviano, em sua maioria, preferiria a candidatura do neoliberal Carlos Mesa.

Essa conclusão é absurda em dois sentidos. Se a população queria uma candidatura neoliberal, então, logicamente, não há uma mobilização insurrecional, pois a insurreição é sempre contra a exploração capitalista. A política neoliberal está sendo rejeitada em todo o mundo, e dizer que o povo estaria se mobilizando para pedir essa política não faz sentido algum.

O discurso de que houve uma fraude eleitoral é o discurso da imprensa burguesa internacional, interessada em derrubar Evo Morales. É o discurso da Organização dos Estados Americanos (OEA), notadamente marcada pelo seu alinhamento aos interesses do imperialismo.

Massas contra Evo Morales?

Segundo a declaração supracitada, haveria, além da mobilização contra a reeleição de Morales, uma mobilização contra o governo Morales como um todo:

As mobilizações contra a fraude se iniciaram em 21 de outubro, tendo à sua frente a juventude auto-organizada dos colégios e universidades. A esta se somaram as paralizações civis e a vanguarda da classe trabalhadora, encabeçada pela Centra Operária Departamental (COD) de Sucre, a COD de Potosí, operários de Cochabamba, mineiros de San Cristóbal, da Mina Chojlla, professores de La Paz, funcionários públicos da UMSA [Universidad Mayor de San Andrés] e camponeses da ADEPCOCA e Achacachi.

Novamente, as teses apresentadas não condizem com a realidade. Primeiramente, a declaração já se mostra enganosa porque caracteriza o movimento como um movimento de massas, mas oculta completamente o fato de que a maior organização popular da Bolívia, que é a Central Obrera Boliviana (COB), não participou dos atos contra Morales. Segundo, a declaração também omite o fato de que o centro da mobilização contra o governo Morales se deu em Santa Cruz, cidade mais abastada do país andino, e tinha a classe média branca como protagonista.

Imperialismo x Evo Morales

A principal fonte de confusão do Transição Socialista acerca dos acontecimentos na Bolívia e na América Latina como um todo é a incapacidade de analisar corretamente o fenômeno do nacionalismo burguês. De acordo um trecho da declaração do MST, Evo Morales seria, inclusive, um aliado da OEA, que organizou sua derrubada!

Em seu início, a burguesia tentou cerrar fileiras em torno de Evo. O imperialismo lhe deu respaldo, com a política da auditoria eleitoral da OEA. (…) Pressionada, a OEA também mudou de linha, e, em vez de legitimar a fraude eleitoral, recomendou novas eleições, admitindo que houve fraude.

Já em outra publicação do Transição Socialista, esta denominada Após derrubar Evo, que fazer?, surge a tese de que o governo Morales seria igual ao governo Piñera, no Chile:

Quem não entender que a revolta que derrubou Evo do poder é parte do mesmo processo que quase derrubou Lenin Moreno do Equador e Piñera no Chile não está entendendo o que se passa no continente nem na economia capitalista mundial. Na verdade, a ingovernabilidade burguesa nesses países frágeis (bem como na Venezuela) é resposta instintiva do proletariado, que já percebe o estouro de uma nova crise econômica mundial.

O nível de absurdo dos argumentos são uma demonstração clara da inviabilidade do método que o Transição Socialista tem levado para analisar a conjuntura. Conforme se viu em vários outros casos, o agrupamento não segue a tradição inaugurada por Karl Marx e Friedrich Engels, que buscavam analisar a luta de classes em todas as suas manifestações, mas parte para um método com critérios abstratos, como ditadura x democracia, burguês x proletário etc.

De fato, o governo de Evo Morales, assim como o foi o governo Lula e assim como o é o governo Maduro, era um governo que se apoiava em uma conciliação entre setores da burguesia e o movimento popular – conciliação essa que limitava o próprio desenvolvimento do país. No entanto, como a Bolívia é uma país atrasado do ponto de vista do desenvolvimento capitalista, a própria burguesia boliviana tende a desenvolver uma série de contradições com o imperialismo, que a oprime, O governo Morales procurava representar os interesses desses setores da burguesia boliviana, o que o tornava um governo rebelde diante do plano de total devastação concebido pelo imperialismo.

O governo Piñera, no Chile, e o governo Moreno, no Equador, são nada menos que verdadeiros capachos do imperialismo. Estão no poder justamente para impor uma política de guerra contra o povo. Já Morales, por mais que tenha tentado contentar o imperialismo com alguns acenos como a entrega do guerrilheiro italiano Cesare Battisti, não consegue, devido à sua base social, atacar violentamente o próprio povo.

Golpe, sim

No artigo Após derrubar Evo, que fazer?, o Transição Socialista insiste que não houve golpe na Bolívia e tenta ensinar:

Um golpe de Estado é definido como mudança de regime político visando ao aumento da violência estatal (ou seja, da classe dominante contra a dominada). As mudanças de regime que visam ao aumento da violência fazem-no pelo fortalecimento do Poder Executivo. Entretanto, neste “golpe” sui generis que se passa na Bolívia, e que só existe na cabeça da suposta “esquerda”, um governo mais fraco que o anterior assumiu o poder, e nele se manifestou uma fraqueza do poder executivo, chancelado pelo poder legislativo. Não houve (ao menos por enquanto) mudança de regime político na Bolívia.

Sem entrar no mérito do que seria um golpe de Estado, apontemos a profunda distorção que o agrupamento apresenta diante da realidade. O golpe na Bolívia foi aplicado pelo setor mais poderoso e sanguinário do regime político: as Forças Armadas. Se as Forças Armadas estão contra Evo Morales, como que o golpe poderia ter sido dado para diminuir a violência? Por outro lado, houve uma drástica mudança no regime político. Lideranças estão sendo presas, a esquerda parlamenta foi calada pelo terrorismo da extrema-direita e a cúpula das Forças Armadas foi mudada para que os militares possam reprimir ainda mais a população. O governo interino mudou radicalmente sua política – um simples exemplo é o fato de que reconheceu o golpista Juan Guaidó como presidente da Venezuela.

No fim das contas, dizer que não houve golpe na Bolívia é um tipo de alegação que só serve para paralisar os setores que estão dispostos a enfrentar a direita nas ruas e colocar para correr os lacaios do imperialismo. Na Bolívia, os setores mais combativos do movimento popular e do movimento operário são justamente os que querem lutar contra o golpe e estão pedindo a saída de Jeanine Añez e a recondução de Evo Morales. Tais setores estão, inclusive, enfrentando a a polícia com paus e pedras. A ação dos trabalhadores bolivianos, que estão mobilizados há mais de duas semanas contra os golpistas, inclusive desmascarou a iniciativa da extrema-direita, que já não está com a mesma força para sair às ruas, expondo o caráter artificial das manifestações contra a reeleição de Evo Morales.

A política do Transição Socialista deve ser denunciada não só como incorreta, mas sobretudo, como uma política que paralisa o movimento popular boliviano contra o imperialismo. É preciso, portanto, inverter essa política. É preciso organizar o povo boliviano para enfrentar a direita e ter êxito em sua luta contra os golpistas. Fora imperialismo da América Latina!

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