— Ai!
— Ui!
— Apertado, hein?
— Só no começo, daqui a pouco você se acostuma. Relaxa.
— Precisava ser tão escuro?
— E para que você precisa de luz?
— Ora, para saber onde eu estou!
— Você não sabe onde está?
— Claro que eu sei. Eu estou na bolsa. Ai!
— O que foi?
— Muito rápido.
— Daqui a pouco a gente para.
— Que seja. Qual o seu nome?
— Pérez.
— Só Pérez?
— Alice Yaku Pérez. E a sua graça?
— Guilherme Boulos. Você mora aqui?
— Sim.
— Mas você fez como eu, invadiu?
— Eu pensava igual a você, que tinha invadido. Só depois fui perceber que a bolsa sempre esteve aberta para pessoas como nós.
— Nós?! Há outras pessoas aqui?
— Claro. A Malala, a Greta, o Guaidó… Pode ter certeza que você não é o primeiro a chegar.
— E esse senhor que carrega a bolsa, quem é?
— Tem vários nomes. Eu prefiro chamar de democracia.
— Posso chamar de liberdade?
— Ou também de pluralidade, ajuda humanitária… Faça como quiser.
— E como é que a gente faz para se alimentar?
— É só pedir, qualquer coisa.
— Qualquer, qualquer coisa?
— Sim, nós somos especiais para o homem da bolsa. Qualquer coisa.
— E aonde ele nos leva?
— Aonde ele quiser.
— E a minha liberdade?!
— Ora, você tem a liberdade de escolher o que vai comer, não para onde vai. Do que importa saber aonde vai?
— Não muito, mas isso não é democrático.
— Você tem o direito democrático de escolher estar dentro da bolsa conosco ou estar lá fora com todos, na miséria. É isso que chamamos de ajuda humanitária.
— Bom, se é assim, prefiro ficar na bolsa, no bolso, em qualquer lugar.