Para quem observa com atenção o desenrolar da crise política brasileira percebe que o golpe de Estado de 2016 teve como um dos seus fiadores as Forças Armadas. Não por acaso, na composição dos governos pós-impeachment, cargos relevantes e posições estratégicas foram ocupados por militares.
Com efeito, o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro somente é plausível exatamente pelo aval dado pelos militares. Os ministros militares que não somente referendam boa parte da política de ataques contra o povo brasileiro, como executa boa parte das medidas.
É verdade que nem sempre as posições de uma parcela do núcleo militar de sustentação do governo coincidem com todos os encaminhamentos dados pelo presidente Bolsonaro. Aqui e ali, são apresentadas declarações críticas ou pelo menos mais atenuadas em relação as declarações ou atitudes de Bolsonaro. Não obstante, em muitas oportunidades, o vice-presidente Mourão Filho aparenta ser mais “razoável” e até mesmo mais “democrático” do que Bolsonaro.
O desmantelamento do governo, agravado com o embate entre Moro e Bolsonaro, tem levado a setores da direita, e em especial da esquerda parlamentar a fomentar a proposta do impeachment de Bolsonaro, o que na prática levaria à posse do vice Mourão.
Dessa forma, alguns setores da esquerda institucional como parte dos parlamentares do PT e do PSOL enxerga a entrega da presidência para Mourão, sob o argumento de que é preciso escolher o “mal menor”, e que Mourão e os militares seriam mais “responsáveis” do que o insano Bolsonaro e seus filhos.
Outros mais afoitos chegam a defender não somente a “solução” Mourão como “possível” diante da crise do governo, como passaram a exaltar os militares como uma última esperança para a democracia. No artigo A cada minuto Mourão fica mais necessário ao país, de Marconi Moura Lima, publicado no Brasil 247 é apresentado porque a esquerda deve entender Mourão como uma garantia democrática.
É preciso desacreditar essa política de manter o governo da extrema-direita sem Bolsonaro, agora diretamente sob o comando dos militares, seria uma alternativa que a esquerda deveria apoiar.
Como já foi indicado, os militares foram os responsáveis por uma ditadura militar terrível no Brasil, e o estabelecimento de um governo Mourão não seria “mais democrático”, muito pelo contrário, teríamos o estabelecimento de uma ante-sala para um regime ainda mais repressivo, com ou sem uma fachada constitucional.
O fato de Mourão ser o vice de Bolsonaro não é fruto do acaso. Na medida em que a crise política se aprofundou, e os partidos burgueses tradicionais foram solapados, a burguesia optou por uma jogada de risco para evitar a vitória de um candidato do PT em 2018. Por conta disso, foi fomentada a candidatura de Bolsonaro. Nesse sentido, a total falta de capacidade governabilidade de Bolsonaro não foi algo inteiramente inesperado, mas até previsível.
A indicação de Mourão como vice de Bolsonaro, serviu primeiro como uma tentativa de contenção e contraponto às bizarrices bolsonaristas, mas também como uma espécie de garantia, caso houvesse uma extrapolação com uma desestabilização total do governo, Mourão seria a “alternativa natural”.
Acreditar que Mourão pode ser a “redenção” democrática é parte da confusão da esquerda, que busca desesperadamente se atrelar a algum bote salva-vidas. Na verdade, apostar na frente ampla com governadores da direita e com Rodrigo Maia, e na posse de Mourão, é simplesmente ficar completamente a reboque da direita, e ao contrário do imaginado significará o aprofundamento dos ataques contra o povo, inclusive nos seus direitos democráticos ainda existentes.