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Eduardo Vasco

Militante do PCO e jornalista. Materiais publicados em dezenas de sites, jornais, rádios e TVs do Brasil e do exterior. Editor e colunista do Diário Causa Operária.

Cinco meses de golpe e revolta popular na Argélia

[O seguinte artigo começou a ser escrito ainda em março e passou a ser atualizado – tanto as informações como a análise – conforme ocorriam novos desenvolvimentos na situação política argelina. Por isso, possivelmente o leitor se sinta um tanto confuso em alguns trechos do texto.]

O país é um dos mais ricos em petróleo e gás em todo o mundo. Os vínculos do governo da FLN com Rússia e China beneficiam mais a estes dois países e à oligarquia argelina do que às grandes petroleiras imperialistas. Em meio à crise, os militares decidiram abrir mão do presidente octogenário para iniciar uma “transição” que dê maiores poderes à ala pró-imperialista do regime, dando um golpe no setor nacionalista. É, na verdade, um golpe de Estado que atende aos interesses do imperialismo e tenta impedir o desenvolvimento da revolta popular

A República Democrática e Popular da Argélia nasceu da guerra de independência contra o imperialismo francês. Entre 1954 e 1962, estourou a luta armada de libertação nacional, quando o povo argelino já não suportava mais a gigantesca opressão francesa que o esmagava cada vez mais desde a primeira metade do século XIX.

A guerra de libertação

A Argélia tinha 7.860.000 habitantes árabes, originários da região, e 922 mil colonos europeus, a grande maioria francesa. Mas os cidadãos franceses, uma minoria, controlavam diretamente todos os órgãos do Estado e os meios de produção, com algum investimento industrial que levou à emergência de uma classe operária, especialmente na capital, Argel. Isso foi facilitado também pelo confisco de terras de argelinos que foram obrigados a migrar para as zonas urbanas. Argel era uma cidade relativamente desenvolvida mas, naturalmente, com uma grande desigualdade social, uma vez que em sua periferia proliferavam-se as favelas, repletas de muçulmanos vivendo na pobreza.

Esses fatores contribuíram decisivamente para o movimento de independência do país. Soma-se a isso, fundamentalmente, o enfraquecimento do imperialismo francês após a II Guerra Mundial. Desde a Guerra até o início dos anos 1960, a França perdeu importantes colônias que se emanciparam, como Vietnã, Síria, Líbano, Marrocos, Tunísia e vários países da África negra. A conquista da independência pelos tunisianos e marroquinos, com a ascensão do nacionalismo árabe propagado por Nasser do Egito, impulsionaram o movimento nacionalista argelino.

Esse movimento ganhou força e cada vez mais apoio popular, com revoltas e uma violenta repressão dos colonizadores. A França impunha uma verdadeira ditadura sobre os argelinos, cada vez mais preocupada em manter esse território, principalmente depois que foram descobertos petróleo e gás natural no Saara, na década de 1950.

Em novembro de 1954, é criada a Frente de Libertação Nacional (FLN), que inicia a guerra de independência a partir do campo até as cidades por meio de atentados e sabotagens, e também da organização popular. Em 1957 houve uma greve de oito dias e a famosa batalha de Argel, que durou de janeiro a setembro, onde o bairro operário de Casbah foi barbaramente reprimido pelas tropas francesas.

Para suprimir a revolução, o imperialismo francês enviou tropas de elite, como as unidades de paraquedistas, pagou mercenários da Legião Estrangeira e contou com o apoio da OTAN. Como havia perdido o Vietnã na batalha de Dien Bien Phu poucos anos antes, a França não admitia uma nova derrota e empregou os mais selvagens métodos de repressão, como terrorismo, torturas e massacres.

Na Argélia, a França fez uso do fascismo para tentar controlar a situação. Trinta mil argelinos foram presos em campos de concentração e três milhões foram confinados em uma área cercada, entre 1958 e 1960, para o melhor controle militar francês sobre os prisioneiros e os aldeões. O contingente francês chegou a um milhão de homens, contra mais de 100 mil do Exército de Libertação Nacional (ELN), braço armado da FLN, cuja maioria dos guerrilheiros era de origem camponesa.

O imperialismo francês cometeu diversos crimes de guerra na Argélia. Diferentes cálculos apontam que, entre novembro de 1954 e julho 1962, houve mais de meio milhão de mortos e cem mil pessoas padeceram a cada ano. Além do terrorismo, dos massacres, das torturas brutais e das execuções, a França bombardeou zonas argelinas com napalm (assim como os EUA fizeram na Coreia e no Vietnã). Os métodos de contrainsurgência franceses foram ensinados, por exemplo, na Escola das Américas, e aplicados pela ditadura militar brasileira e pelas outras ditaduras da América do Sul.

Destaque-se a participação da esquerda francesa nessa guerra. O Partido Comunista, dominado pelo stalinismo, sempre se postou contra a independência da Argélia, afirmando que isso beneficiaria o imperialismo norte-americano (o que não ocorreu), colocando-se, portanto, ao lado de outro imperialismo, o francês, que proporcionou um dos maiores massacres da história do século XX contra o povo argelino. Por sua vez, François Mitterrand (PSF) era o ministro do Interior e apoiou fielmente o massacre, declarando que “a Argélia é a França”.

No entanto, os argelinos conquistaram a libertação. Em 1º de julho de 1962, um plebiscito mostrou que seis milhões apoiavam a independência, e apenas 16 mil eram contra. Dois dias depois, o governo revolucionário declarou a independência, colocando um fim definitivo a oito anos de guerra.

Foi uma derrota devastadora para o imperialismo francês, que se debilitou ainda mais. Se, por um lado, a independência da maioria dos países africanos sob o domínio francês durante a guerra de libertação da Argélia motivou este país a conseguir o mesmo, por outro a própria luta do povo argelino, iniciada em 1954 (portanto, antes da conquista da independência pela maioria desses países africanos), foi um fator de impulso para aqueles países lutarem por sua emancipação.

Com a chegada da FLN ao poder, foi realizada uma reforma agrária, colocou-se empresas sob a autogestão dos trabalhadores, nacionalizou-se progressivamente bancos e grandes indústrias e a Argélia se alinhou à União Soviética e à Cuba, com quem fez muitos acordos de cooperação. Nunca, todavia, expropriou-se completamente a burguesia.

No entanto, a partir dos anos 1980, particularmente, a Argélia começou a retroceder fortemente para uma abertura capitalista, o que gerou grande descontentamento e protestos no final da década e a ascensão de grupos religiosos. Entre 1987 e 1995, a população que se encontrava na pobreza absoluta passou de 12% para 22% e o desemprego passou de 17% para 29% entre 1988 e 2000.

A década de 1990, com uma intensa crise política e social, foi preenchida por uma guerra civil entre o governo e forças radicais islâmicas, que só terminou na prática em 2005, já sob a administração de Abdelaziz Bouteflika, que havia sido eleito presidente em 1999.

A crise atual

Conhecido por pacificar o país, Bouteflika é um veterano da guerra de independência e ocupa atualmente também a presidência da FLN. Seus mandatos foram caracterizados por uma maior aproximação com os países imperialistas, aumentando a abertura econômica para investimentos estrangeiros (embora com algumas limitações).

Durante a Primavera Árabe, em 2011, o governo conseguiu se manter ao realizar parcialmente reformas políticas e econômicas, mas a queda do preço do barril do petróleo (do qual o país permanece muito dependente) a partir de 2014 o forçou a cortar subsídios estatais. Para se ter uma ideia, em 2014 a Argélia exportou 142 milhões de dólares em petróleo, enquanto que em 2015/2016 as exportações caíram quase pela metade, para 78 milhões de dólares.

A queda dos preços do petróleo e a crise econômica do capitalismo mundial levaram a uma grande crise econômica e política no país árabe. A população é composta em 70% por jovens com menos de 30 anos, e deles 29% estão desempregados. Tal diminuição do nível de vida gerou uma imensa insatisfação popular e da classe média, bem como de um setor da oligarquia argelina mais dependente do imperialismo.

O estopim dessa revolta foi o anúncio, em fevereiro deste ano, da candidatura de Bouteflika para um quinto mandato consecutivo, nas eleições que estavam previstas para 18 de abril. A partir do dia 22 de fevereiro, grandes protestos tomaram conta das principais cidades da Argélia, em manifestações espontâneas e desorganizadas, compostas principalmente por jovens, mas com participação destacada de jornalistas, advogados, médicos e políticos, representantes da pequena-burguesia, e que contam com o apoio de setores empresariais. De acordo com a imprensa internacional, a principal crítica presente nas manifestações seria a corrupção do governo.

O xadrez político por trás da crise

Devido à grande pressão, Bouteflika foi forçado a abandonar sua candidatura no dia 11 de março. A oposição diz que sua idade avançada (82 anos) e suas frágeis condições de saúde (teve um AVC em 2013) o impossibilitam de continuar no governo. Na véspera de sua renúncia à candidatura, mais de mil juízes disseram que não supervisionariam as eleições caso ele concorresse e clérigos também reclamaram da intervenção do governo em seus assuntos.

Bouteflika adiou as eleições e substituiu o primeiro-ministro, Ahmed Ouyahia, por Nuredin Bedui, então ministro do Interior, que está encarregado de formar e encabeçar o novo governo de transição. Assim, Bouteflika permaneceria no cargo ao menos até 2020. Mas, no dia 1º de abril, veio a notícia mais surpreendente: o presidente argelino anunciou sua renúncia. Em seu lugar, assumiu interinamente o presidente do Senado, Abdelkader Bensalah, por três meses, até as eleições que seriam realizadas em 4 de julho.

A oposição foi convidada a participar do novo governo. O vice-primeiro-ministro, Ramtane Lamamra, disse que “não há obstáculos para a participação no governo […] seja da oposição ou dos movimentos sociais”. Bedui enfatizou esse mesmo posicionamento: “Este governo está aberto a todos […] esperamos a participação de todas as forças” (Sputnik News).

Ainda segundo a agência de notícias, foi estabelecida a formação de um governo de transição por “jovens tecnocratas”, como anunciaram Bedui e Lamamra. O objetivo seria trabalhar para a aprovação de uma nova constituição, que substitua a de 1989.

Os manifestantes continuaram os protestos, grandes e radicalizados, com agressões à polícia e repressão do Estado, após o anúncio de cancelamento da candidatura de Bouteflika e comemoraram a sua grande vitória que foi o pronunciamento estatal de renúncia do presidente. As manifestações continuaram, e a imprensa noticiou que o “sistema” que os manifestantes querem derrubar já está sendo modificado a partir do anúncio de saída de Bouteflika.

As reivindicações eram limitadas a mudanças no terreno institucional, o que indica que, embora parte dos manifestantes se divida entre segmentos empobrecidos da classe média e setores das classes populares, o setor dominante das manifestações é composto pela pequena-burguesia e pela oligarquia pró-imperialista. Entretanto, com a intensificação da crise e o estabelecimento de um regime que não atende às reivindicações (como descrito mais abaixo), as exigências agora são pela derrubada de todo o sistema, apesar de serem extremamente despolitizadas pela falta de organizações de vanguarda da classe operária. 

Uma outra indicação do controle da direita para manobrar os protestos é a liderança do jornal El Watan, um jornal da burguesia escrito em francês, o que já evidencia seu caráter antipopular e direitista. Muitos manifestantes também têm levado para os protestos placas com palavras de ordem em francês. A imprensa imperialista, ao mesmo tempo em que comemorou os protestos “cívicos”, demonstrou preocupação com uma possível “incitação do caos” (Deutsche Welle).

O governo argelino que foi derrubado pode ser caracterizado como um nacionalismo burguês moderado semiditatorial, apoiado na oligarquia local e nos militares e associado ao imperialismo, embora com algumas contradições com ele. Os militares têm um forte poder dentro do regime, representando 55% do funcionalismo público. Junto ao executivo, eles são a maior força do país – Bouteflika foi o primeiro civil a chegar à presidência, quebrando uma tradição de líderes militares, e a FLN é a maior força política da Argélia.

Ouyahia também é um político bastante influente, foi primeiro-ministro durante 11 anos. Seu partido é o Reagrupamento Nacional Democrático (RND), formado principalmente por acadêmicos e militares, com uma política pró-mercado representando os interesses de um setor menor da burguesia vinculado ao imperialismo que busca uma abertura comercial, e que eventualmente poderia estar presente nas manifestações que derrubaram Bouteflika. Entretanto, por ter tido ligações com o governo anterior, posteriormente em junho ele foi preso por supostos esquemas de corrupção. Não foi o único, como veremos a seguir.

Teme-se uma nova guerra civil, menos de 15 anos de terminada aquela que deixou 150 mil mortos de acordo com estimativas do governo. Os militares têm dito que não permitirão uma desestabilização. No entanto, ficou claro que a alta cúpula militar faz parte do golpe. Considerado o número 2 do regime e “fiel” aliado de Bouteflika, o chefe do Estado-Maior do Exército há 15 anos e vice-ministro da Defesa, general Ahmed Gaïd Salah, advogou pela saída do presidente antes que terminasse seu mandato, no dia anterior ao anúncio oficial do Executivo. Em meio a essa onda de desestabilização, os militares perceberam que já era hora de abrir mão de Bouteflika, atendendo assim aos anseios da oposição, mas sem entregarem o poder. Tanto é que o gabinete do governo de transição, que havia sido formado ainda antes do anúncio do fim do mandato de Bouteflika, é composto por oito ministros da equipe anterior e muitos outros membros da oposição. Salah, por exemplo, assegurou um dos 28 cargos. Enquanto parece que vão caindo, um a um, os aliados de Bouteflika que permaneceram no alto escalão do Estado, Salah assumiu, na primeira semana de abril, a chefia dos serviços de informação, no lugar de outro general, Athmane Tartag, próximo ao ex-presidente.

Ao imperialismo, particularmente o europeu, também não parece agradar uma grande instabilidade na Argélia, por isso mesmo o golpe tem sido “suave” e gradual. O país tem uma posição geográfica estratégica para a França em relação à luta contra grupos considerados terroristas por esta. Há 4.500 soldados franceses na fronteira entre Argélia, Mali, Níger e Líbia. É fundamental para Paris que o governo argelino tenha a capacidade de conter esses grupos para que não cheguem à França. Por isso mesmo, no ano passado a Argélia expulsou 25 mil imigrantes provenientes da África Ocidental, para que não atravessassem o país em direção à Europa.

Além disso, 10% de todo o gás consumido na França vem da Argélia e a comunidade argelina é a maior dentre os estrangeiros que vivem no país europeu, totalizando cinco milhões de pessoas. E essa comunidade apoiou os protestos contra Bouteflika.

Apesar dos laços econômicos com a Argélia, o presidente francês, Emmanuel Macron, elogiou a desistência de Bouteflika de concorrer ao quinto mandato, declarando que isso abre “uma nova página no desenvolvimento da democracia argelina”. Embora não tenha feito nenhum pronunciamento público a respeito do anúncio de saída de Bouteflika da presidência, o líder francês certamente recebeu essa notícia com um sorriso no rosto.

Uma vez que o regime argelino não é controlado diretamente pelo imperialismo, mas um nacionalismo burguês moderado, que atende primeiramente aos interesses de uma oligarquia nacional, a Argélia mantém uma posição política e diplomática com certas contradições com o imperialismo. O país não apoiou a expulsão da Síria da Liga Árabe em 2011 e atualmente trabalha para a sua reintegração no bloco, além de reconhecer a legitimidade de Nicolás Maduro na Venezuela, país com o qual tem importantes laços econômicos especialmente relacionados ao petróleo (ambos são membros da OPEP). Também é um importante parceiro político e econômico de Cuba, que começou a importar petróleo da Argélia (em troca de assistência técnica e de saúde) para compensar as perdas com o bloqueio e a queda induzida da produção venezuelana, e cujo intercâmbio se aprofundaria com um acordo previsto para 2019-2021.

Ainda no cenário internacional, a Argélia é um pivô econômico para a China na África. Entre 2000 e 2007, aumentaram em 60 vezes as exportações argelinas para o gigante asiático. O investimento direto da China na Argélia representa 6% do total do que Pequim investe na África. Além disso, a China é o principal exportador para a Argélia, representando 17% das importações desse país (a França é o segundo – 11% – seguida por Itália, Espanha e Alemanha), embora não esteja entre os principais importadores de commodities argelinas (Itália, Espanha, França, EUA e Turquia estão na sua frente).

A Rússia também tem grandes interesses na Argélia. Ela é um dos principais parceiros comerciais e estratégicos de Moscou na região. Dois terços dos armamentos comprados por Argel entre 2014 e 2018 vieram da Rússia e a Argélia também é um dos maiores compradores de armas chinesas na região, o que significa que quase todas as armas do quinto maior comprador de armamentos entre todos os países do mundo vêm de Rússia e China.

No dia 19 de março, Lamamra (acumulando a função de ministro do Exterior) visitou Moscou, onde ouviu do chanceler russo, Serguei Lavrov, que o Kremlin apoia a iniciativa do governo argelino de abrir um diálogo com a oposição, porque se preocupa que os protestos sejam uma tentativa de desestabilizar a Argélia. Logo após a renúncia de Bouteflika, o porta-voz do governo russo declarou: “Esperamos que, aconteça o que acontecer, os processos internos que se desenvolvam nesse país e são exclusivamente assuntos internos da Argélia se deem sem ingerência de terceiros países.” Os russos têm consciência de que os acontecimentos na Argélia tentam ser manipulados pelo imperialismo, e por isso mesmo o governo acrescentou que espera que esse processo de transição “não tenha qualquer repercussão no caráter amistoso das nossas relações bilaterais”.

A Rússia também mantém importantes acordos energéticos com o país árabe e desde 2017 as companhias Gazprom e Transneft implementam projetos de construção de oleodutos junto com a estatal argelina Sonatrach. Além disso, no início deste ano, iniciaram-se conversas para a produção de automóveis Lada na Argélia.

A posição de Macron pode significar um interesse do imperialismo francês em diminuir a influência comercial chinesa, principalmente, e recuperar o mercado para os monopólios franceses a partir de uma mudança de rumo econômico com a não continuidade de Bouteflika. Mas essa mudança não pode resultar em nenhuma ruptura radical na Argélia, uma vez que o regime tem certo nível de parceria com os empresários franceses e tal cenário poderia gerar uma gigantesca desestabilização nas portas de seu próprio país (que conta, como relatado, com uma grande comunidade argelina que pode trazer riscos potenciais para o próprio regime francês, já em crise). Justamente por isso, os militares, que são o grande pilar do regime há décadas, assumiram as rédeas da transição.

A reaproximação promovida por Bouteflika entre a Argélia e os principais países da União Europeia desde o fim da guerra civil fez com que o país africano se tornasse o segundo maior fornecedor de gás natural liquefeito para o mercado europeu em 2018, atrás apenas do Catar.  Além dos argelinos, os russos são uma fonte preciosa de gás para a União Europeia e aí pode residir a participação do imperialismo norte-americano nos acontecimentos na ex-colônia francesa. Já há alguns anos, os Estados Unidos têm procurado boicotar os acordos entre o bloco e outros países referentes ao fornecimento de gás, uma vez que os monopólios norte-americanos querem recuperar o seu espaço privilegiado no mercado europeu do setor e voltar a exportar todo o gás natural liquefeito que os países da União Europeia precisam, mesmo que estes tenham que pagar mais caro (obviamente, os custos de fornecimento de gás russo e argelino são muito menores devido à proximidade territorial).

Ao lado do petróleo, esse é outro setor fundamental da economia argelina. O país é o maior produtor de gás natural da África e tem a terceira maior reserva de gás de xisto do mundo. Isso faz com que seu território seja amplamente cobiçado pelos grandes monopólios. Petroleiras como Exxon Mobil e BP já vinham acompanhando de perto o processo de derrubada de Bouteflika, esquivando-se de assinar acordos mesmo que já pré-estabelecidos. Declaravam que tinham a esperança de que o regime realizasse reformas e oferecesse incentivos fiscais que beneficiassem seus empreendimentos na Argélia, onde já vinham fazendo diversas parcerias com a Sonatrach (Dow Jones Newswires). No final de abril, o diretor executivo da Sonatrach, Abdelmoumene Ould Kaddour, foi demitido, por seus vínculos com o governo deposto. Embora já encabeçasse uma gestão de abertura para o capital estrangeiro (com acordos com a Chevron em meio à queda do ex-presidente), não foi poupado pelos golpistas. Em seu lugar, assumiu Rachid Hachichi, que era chefe de produção e exploração da companhia, e que, em um de seus primeiros pronunciamentos, afirmou que parcerias estrangeiras são essenciais. As petroleiras imperialistas buscam mudanças institucionais como esta, que permitam especialmente a retirada da concorrência representada pelas companhias russas e também um maior apoderamento direto do gás e do petróleo argelinos.

Alguns setores imperialistas da política dos EUA também demonstram o interesse de mudança de regime na Argélia. O Carnegie Endowment for International Peace, think tank ligado à Carnegie Foundation, acusa a Rússia de “defender aliados autoritários contra mobilizações populares” e de desejar “manter [sua] tradicional influência na Argélia”. 

O sítio da “ONG” imperialista Human Rights Watch reproduziu, em 21 de março, um artigo publicado no The Globe and Mail, que afirma que o que há na Argélia é uma “revolução” e que o país precisa de reformas liberais. No início de março, um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA afirmou que seu país “apoia o povo argelino e seu direito a se manifestar pacificamente”.

As grandes reservas de gás e petróleo fazem da Argélia um precioso alvo para os falcões imperialistas e a deposição acordada de Bouteflika (primeiro civil na presidência do país, líder da frente nacionalista no poder desde a revolução) representa a remoção de um obstáculo para o domínio imperialista. Ao que parece, a intenção dos golpistas é retirar todo o poder possível da FLN.

No mesmo dia do anúncio de saída de Bouteflika, foi preso na fronteira com a Tunísia o empresário Ali Haddad por motivos desconhecidos. As agências internacionais informam que ele, presidente da maior construtora da Argélia, tem estreitas ligações diretas com a família Bouteflika e seus negócios são amplamentes dependentes do Estado. Ou seja, é um típico representante da burguesia nacional, e sua prisão, juntamente com a abertura de uma “caça às bruxas” de uma dezena de empresários e de importantes políticos vinculados ao governo Bouteflika, como o ex-primeiro-ministro Abdelmalek Sellal e o ex-ministro de Indústria e Minas Youssef Yusfi (todos acusados de corrupção), são mais uma comprovação de que o que ocorre no país é um golpe de Estado dado pela ala pró-imperialista do regime aliada à oposição contra a ala nacionalista apoiada na oligarquia nacional, ao mesmo tempo para bloquear o impulso das massas argelinas, que permanecem nas ruas.

Ainda, no início de maio, o irmão mais novo do ex-presidente, Said Bouteflika, Athmane Tartag (substituído por Salah na direção dos serviços de informação) e Mohamed Mediène (também antigo dirigente das forças de segurança), foram detidos a mando de Salah acusados de conspiração contra o novo governo e em meio ao “combate à corrupção” em uma operação batizada de “mãos limpas” – nome da operação italiana que serviu de modelo para a Lava Jato brasileira. Este fato corrobora ainda mais com a tese de golpe de Estado.

Bensalah, que substituiu Bouteflika interinamente na presidência do país, teve seu mandato terminado oficialmente no último dia 9. Ele havia assumido por 90 dias em 9 de abril, que deveriam ser utilizados para organizar as eleições de 4 de julho. Porém, essas foram suspensas devido à pressão popular pelo fim do regime como um todo e pela falta de candidatos. Assim, o Conselho Constitucional – maior órgão judicial da Argélia – estendeu o prazo de Bensalah.

A crise é no regime inteiro. Em 2 de julho, renunciou o presidente da Assembleia Nacional (Parlamento), Moad Buchareb, após perder o apoio parlamentar, dentre os quais da FLN e do RND – os dois maiores blocos partidários na Câmara. Em seu lugar, foi eleito na semana passada Sliman Chenin, com a conivência e capitulação dos parlamentares da FLN. Pela primeira vez o partido que encabeçou a independência do país não preside mais o Parlamento, apesar de ter a maioria absoluta.

Está se corroendo o poder da FLN, que controla a organização de massas do país. As novas autoridades golpistas iniciaram a aposta em um “diálogo nacional” para estabilizar a crise e conseguir erguer um novo regime – excluindo, no entanto, os partidos que apoiaram Bouteflika, o que significa que a FLN (por ser seu partido) está sendo passada para trás pelo golpe imperialista.

Essa é a grande estratégia que o imperialismo tem utilizado na Argélia. Enquanto o povo continua nas ruas por mais de 20 semanas, agora pela saída de Bensalah, Bedui e Gaïd Salah, “por um Estado civil e não militar”, os grandes capitalistas manobram para que esses protestos não saiam de controle e para estabilizar o regime golpista. Mas isso não ocorre sem o apoio da própria burocracia herdeira do poder estabelecido em 1962. Isso é comprovado com a própria capitulação e mudança de lado de muitos dirigentes da FLN, os que compõem atualmente o novo regime, os que votam pelas derrotas da própria organização e os que fazem de tudo para conter a organização independente das massas, tentando conciliar com a direita.

O processo que a Argélia vive hoje é semelhante – guardadas as devidas proporções – à queda dos Estados Operários do Leste Europeu no final da década de 1980: para evitar que a revolta popular desenvolva para uma situação revolucionária e, enfim, a tomada do poder, a burocracia estatal se alia ao imperialismo, entregando todo o país aos grandes monopólios e pondo um fim ao antigo regime, erguendo um novo em que os burocratas possam continuar no poder, modificando a estrutura econômica e política do Estado para melhor adequá-la à exploração do capital imperialista.

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