O novo presidente da Bolívia, Luis Arce, tomou posse no último domingo (8) fazendo algumas críticas à presidenta golpista, Jeanine Áñez, falando em “democracia mutilada”mas enfatizando em seu discurso de posse que o novo governo não buscará “vingança, buscaremos reconciliar nossa amada pátria, que é plurinacional.” O que é uma forma centrista de dizer que o governo adotará uma política de colaboração com os golpistas, que um ano atrás obrigaram Evo Morales a fugir do país, promovendo um regime de terror e empobrecimento massivo dos trabalhadores.
No discurso aplaudido pela imprensa capitalista e apresentado sob o eufemismo de “pacificador”, Arce vai além, e indica inclusive, um governo de conciliação muito mais amplo:
Nossa verdade é muito simples, o condor só alça voo quando sua asa direita está em perfeito equilíbrio com a esquerda, a tarefa de nos formarmos como indivíduos equilibrados foi brutalmente interrompida há séculos, não a concluímos e o tempo da era ayllu, comunidade, já está conosco.
Longe de representar a retomada dos interesses populares, o governo da “asa direita em perfeito equilíbrio” revela uma intensa colaboração com os golpistas, mostrando que a vitória eleitoral não trouxe uma derrota ao golpe, constituindo-se numa manobra para conter o movimento operário crescente.
Vendo-se obrigada a recuar após as mobilizações dos operários bolivianos, a direita não teve saída a não ser entregar o governo, especialmente após as manifestações ocorridas no início do semestre, com greves e estradas ocupadas. Contudo, tiveram cuidado de não permitir a volta de Morales mas impor ao partido MAS (Movimento ao Socialismo) um candidato direitista, disposto a conciliar golpeados e golpistas.
Tendo a clareza de que o novo governo não será em nada igual ao governo Morales mas muito mais direitista, as organizações da esquerda brasileira e os trabalhadores devem observar a situação boliviana, na medida em que fornece um exemplo concreto das limitações representadas pela luta institucional, em espaços dominados pela burguesia, que naturalmente não irão atender aos interesses da população pobre e trabalhadora simplesmente por que votos foram depositados para tal.
A burguesia busca fazer com a esquerda exatamente o que se operou na Bolívia, com a população posta a reboque de uma política de frente ampla, onde toda a determinação dos trabalhadores seja arrefecida após diversas manobras para, enfim, dispersar-se.
Há por fim, o problema recorrente e que ganha destaque fundamental na situação da Bolívia: a frente ampla. Aparecendo de forma recorrente em toda a América Latina, não resta dúvida da orquestração imperialista por trás do governo conciliador que se desenha na Bolívia, o que se reforça pelo caráter abrangente da política.
A exemplo do que aconteceu em diversos outros países, a política neoliberal rapidamente produziu uma grande desestabilização do regime político boliviano, graças à radicalização da sociedade. Sem forças para manter a ofensiva, a burguesia e o imperialismo viram-se obrigados a recuar, tendo porém o cuidado de escolher quais setores da esquerda assumiriam o governo para que esses não mexam na política geral do golpe.
Celebrado pela esquerda como um exemplo a ser seguido, o novo governo boliviano fornece fortes indícios de estar muito distante disso, sendo antes uma adaptação apaziguadora para a situação de crise profunda da Bolívia, na qual a burguesia e o imperialismo, os setores que efetivamente “mutilaram a democracia”, revela-se incapaz de sustentar um governo de direita, apelando aos setores mais conservadores da esquerda para um mínimo de estabilidade ao regime político, que continua sendo seu. Pelo menos, até que a correlação de forças lhes seja mais favorável para ofensivas mais decididas.
Aos trabalhadores, é necessário superar as ilusões depositadas no regime político burguês e alimentadas pela esquerda pequeno-burguesa, o que implica em rechaçar completamente a frente ampla. Tendo dado um golpe de Estado extremamente violento e agraciados agora pelo pacifismo oportunista de Arce, a direita certamente voltará à carga, tão logo o centrismo do atual governo boliviano produza a desmoralização do mesmo.
Fica claro que os operários não devem confiar em articulações capituladoras mas apenas na sua própria força, que como vimos no último ano, é grande o bastante para derrotar a burguesia, bastando a orientação política necessária para levar a luta até um fim definitivo, que não é outro mas o governo dos trabalhadores.