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Após 4 anos, parte da esquerda ainda não vê golpe nem fascismo

Malabarismo acadêmico para negar a ofensiva da direita serve apenas para defender o regime político

Durante participação em programa da DCM TV, o psolista Nildo Ouriques declarou:

“O governo de João Goulart, ainda que breve, foi um governo que tocou transformações profundas. Não dá para ignorar isso. E o governo de João Goulart foi derrubado por um golpe cívico-militar que deu em uma ditadura de 21 anos. Então muito cuidado com essa história de golpe contra a Dilma. Eu digo que não teve golpe. Vou ser mais herege aqui ainda: teve a destituição, sem luta. Muito grave isso. Em 64, teve uma intervenção cívico-militar com o apoio dos Estados Unidos direto de um navio aportado ali, uma intervenção dos militares, destituição, exílio, morte, prisão, tortura e tudo mais. Se nós tivéssemos sido vítimas de um golpe nós não estaríamos aqui discutindo. Terceira questão, não temos fascismo no Brasil. Um presidente proto-fascista, está claro. Um governo ultra-liberal, está claro”.

Para tudo na vida, há alguma justificativa. Mesmo que seja a mais escabrosa. No caso de Ouriques, cada barbaridade contida em sua fala — não houve golpe, não existe fascismo, não houve luta etc. — vem acompanhada de um argumento que desafia o bom senso do militante menos experiente. O próprio caráter mirabolante dos argumentos já mostra que, em si, a tese de Nildo Ouriques nada mais é do que uma tentativa forçada de adequar a realidade a seus interesses, e não uma tentativa de formular uma política com base na realidade. Antes de explicar quais são esses interesses, nos lançamos à tarefa de debater seus argumentos.

Comecemos com a questão do golpe. Como fica claro, Ouriques defende que o processo de derrubada da presidenta Dilma Rousseff não poderia ser chamado de “golpe” porque foi um processo diferente do que levou à queda de João Goulart. Trata-se de uma premissa absurda, uma vez que nenhum processo histórico é igual ao outro. As tomadas de poder pelas classes operárias russa e chinesa não são chamadas de revolução porque são idênticas, mas porque ambas conservam as características fundamentais daquilo que é cientificamente entendido como uma revolução.

O primeiro contraste que Ouriques apresenta é o de que, em sua opinião, o governo de João Goulart teria realizado “transformações profundas”. Sem precisar entrar na discussão da profundidade dessas transformações, questionamos: apenas um governo profundamente esquerdista poderia sofrer um golpe? Se assim fosse, teríamos que reduzir consideravelmente a quantidade de golpes registrados na história. Evidentemente, esse não pode ser um critério razoável para definir o que é um golpe de Estado, pois isso significaria dizer que, na esmagadora maioria das vezes, os processos políticos independentemente da luta de classes entre a burguesia e o proletariado. Ora, se não há golpes entre governos de direita e governos moderados, isso quer dizer que os regimes políticos no imperialismo são estáveis. E se são estáveis, é porque não se sentem ameaçados por uma intervenção das massas. E se não se sentem ameaçados, é porque as massas não sentem a necessidade de se revoltar. E se não sentem, é porque, no fim das contas, o próprio capitalismo seria um sistema estável, que não precisaria desferir ataques cada vez mais profundos contra os trabalhadores. Como vemos, é uma hipótese absurda, pois se há uma coisa que define o capitalismo é sua instabilidade.

O segundo contraste apresentado é o de que não teria havido “luta”. Aqui, tanto há uma falsificação em relação ao governo de João Goulart quanto ao governo de Dilma Rousseff. A posição de João Goulart enquanto presidente deposto não merece qualquer grande destaque. Goulart não preparou os trabalhadores para enfrentar os golpistas, nem propriamente os enfrentou quando chegada a hora. No caso do golpe contra Dilma Rousseff, apesar das vacilações das direções da esquerda nacional, houve uma enorme resistência ao golpe, que conseguiu atrasar o processo em pelo menos um ano. A burguesia preparava o fim da era petista para as eleições de 2014, mas apenas criou condições na metade do ano de 2016. Por fim, o fato de haver “luta” ou não também não pode ser condição suficiente para definir um golpe ou não. O golpe consiste justamente em uma tentativa de mudança do regime para remover os obstáculos a uma nova política. E, muitas vezes, a compreensão do que será essa nova política só vem com a experiência do próprio golpe. É inegável que os trabalhadores brasileiros estejam hoje em um grau de consciência muito mais elevado que em 2015. Hoje, pouco se defende a “luta contra a corrupção”, por exemplo.

Ouriques cita vários exemplos daquilo que consideraria a prova de um golpe: apoio dos Estados Unidos, intervenção dos militares, destituição, exílio, morte, prisão e tortura. Nenhum desses elementos é uma prova definitiva de um golpe. Na verdade, seria mais apropriado dizer que são aspectos comuns em ditaduras, que são regimes estabelecidos após golpes, e que muitas vezes demoram anos para serem estabelecidas de maneira aberta. Mesmo assim, todos esses exemplos podem ser vistos no caso brasileiro: o apoio dos Estados Unidos pode ser visto claramente na Lava Jato, a intervenção dos militares pode ser vista no caso do julgamento do habeas corpus de Lula, a destituição, propriamente, já houve. Mortes, aconteceram aos milhares, sobretudo nas mãos da Polícia Militar. Mas também podemos citar vários casos de assassinatos políticos, como o da correligionária de Nildo Ouriques, Marielle Franco. Na conta da prisão de Lula, podemos colocar um imenso pacote de ilegalidades que serviram para encarceram milhares de pessoas. Por fim, a delação premiada se mostrou um instrumento de tortura, como nos casos vergonhosos de Antonio Palocci e de Marcelo Odebrecht.

Não fica claro exatamente porque Nildo Ouriques considera que não há fascismo no Brasil. De um ponto de vista geral, é até aceitável dizer que o governo Bolsonaro não é um – não ainda – governo propriamente fascista, mas sim um governo com características fascistas. Mas o fato é que Bolsonaro, em si, é um fascista e que existe, sim, fascismo no Brasil. Os extermínios no campo, pelas mãos dos latifundiários, e os extermínios nas periferias, pelas mãos da Polícia Militar, é uma característica marcadamente fascista. Que toda essa tendência fascista se acople plenamente a um governo é uma questão, em grande medida, formal, e que está relacionada com o desenvolvimento da luta política. Se não há uma luta contra o fascismo, o fascismo irá crescer. E se a consideração é que o fascismo não existe, é impossível lutar contra o fascismo.

Como vimos, todas as considerações de Nildo Ouriques para não chamar as coisas pelo próprio nome são facilmente refutáveis. A derrubada de Dilma Rousseff foi um golpe e a vitória eleitoral de Bolsonaro é uma continuidade desse golpe. Todas as instituições — polícia, Judiciário, Executivo, Legislativo, Ministério Público etc. — estão completamente tomadas ou sendo tomadas pela direita. Até mesmo as universidades estão passando por esse processo. E isso não é um fenômeno acidental: é o resultado inevitável da crise econômica capitalista. Para que os bancos não entrem em falência, é preciso colocar no poder uma corja que dê conta de arrancar a pele dos trabalhadores.

A última coisa que nos resta discutir é o motivo pelo qual Nildo Ouriques se recusa a enxergar que há golpe e fascismo no Brasil. E isso só pode ser explicado sob o ponto de vista da luta de classes. Apenas não enxerga — ou não sente a necessidade de assim caracterizar — o golpe e a mudança de regime aqueles que estão se beneficiando do processo. Para o Itaú, a Nestlé, a Chevron e a Coca Cola, pouco importa analisar a derrubada do governo do PT como um golpe ou não. Inclusive, a discussão da legitimidade também pouco importa: apenas o que importa é que seus interesses sejam levados adiante sem que haja uma perda de estabilidade sensível. Como alardear mundo afora que a derrubada de Dilma Rousseff é um golpe não contribui para a estabilidade, os capitalistas se esforçam para dar o maior caráter de legitimidade possível às suas aventuras.

Nildo Ouriques não compõe a classe mais beneficiada com o golpe, que é a classe dos capitalistas. Mas para defender a burguesia, não é necessário ser um capitalista. O pequeno burguês, na medida em que se vincula ao mundo de privilégios da burguesia, passa a ser o seu maior defensor. A defesa de que não há golpe é, portanto, uma defesa da burguesia. Isto é, uma defesa do regime político que, ao mesmo tempo em que aprofunda o abismo social entre os trabalhadores e seus inimigos, mantém sob rédeas curtas os elementos mais carreiristas e individualistas que, por não estarem vinculados à classe operária, se deixam vender pelas ilusões mais tolas.

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