A primeira imagem que deve nos ocorrer à memória antes de recebermos os atuais fatos provenientes do cenário envolvendo a caótica pasta da Cultura (que se torna lentamente um fantasma, ou melhor, um corpo em decomposição) teria de ser, para uma boa “acomodação emocional”, a de nosso ex-ministro Roberto Alvim, vestindo a fantasia patética de um Goebbels diante das telas, anunciando à época as diretrizes ideológicas do governo Bolsonaro para a cultura no Brasil.
Vemos hoje que ele não estava apenas “brincando”, nem se tratava apenas de um “alucinado”, mas representou muito bem o que Bolsonaro e seus apoiadores desejavam e planejavam fazer – e seguem desejando, planejando e pondo em prática. As táticas de Bolsonaro, inclusive, não diferem em nada.
Já que as investidas do atual governo fascista chegam desta administração sempre em pílulas de apelo emocional de fácil encanto para alguns, e difícil de engolir para a maioria – mas sempre constantes – a melhor representação de qualquer movimento na dinâmica da gestão cultural atual está nesta simbólica fantasia nazista em nossa recente memória. Como numa espécie de “resgate” histórico à la Luís Bonaparte, que durante o golpe que deu na França de 1851 vestiu a fantasia caricatural de seu tio Napoleão, algo da dinâmica proposta por Marx àquela situação – “primeiro como tragédia, depois como farsa” – pode ser transposto para este microcosmo da Cultura no Brasil sob Jair Bolsonaro, ao menos para nos orientarmos criticamente no caos. A representação segue nos dizendo: “na cultura do Brasil, não se fará apenas como em nossa última ditadura foi feito, se fará como Goebbels”. Pronto, agora estamos preparados “emocionalmente” para, mais uma vez, nos debruçarmos sobre o destino de nossa cultura sob o fascismo atual e seus fatos mais recentes.
Nesta segunda-feira (27), a associação de funcionários da pasta da Cultura, composta por cerca de 80 servidores de 6 extintos escritórios regionais da Secretaria Especial da Cultura, enviou um ofício ao quase inerte atual secretário Mário Frias – que já é a quinta pessoa escolhida por Bolsonaro para conduzir a pasta – e ao secretário-executivo do Turismo, Diniz Nepomuceno, pedindo um encontro para cobrar o Ministério do Turismo pela falta de diálogo e tratar de suas situações dentro da pasta, assim como o destino de seus acervos.
Seus destinos, como se pode observar, se depender da administração fascista em curso, em breve não existirão mais. Já em fevereiro deste ano, a Associação de Servidores do Ministério da Cultura divulgou carta aberta à sociedade criticando a gestão cultural em âmbito federal. No documento constava, por exemplo, que “a tentativa de transformar a área da Cultura em um espaço de doutrinação e censura pelos recentes gestores nos últimos meses deve ser combatida”. Infelizmente, é sabido que em muito pouco esta carta aberta pôde esterçar o curso da destruição e censura cultural que estamos testemunhando.
Ainda para a compreensão do quadro total em questão, não podemos esquecer a destruição intencional e explícita da Cinemateca, instituição mais importante de acervo, restauro e preservação da produção audiovisual brasileira, contando com cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos relacionados ao cinema, além de possuir o maior acervo de “imagem em movimento” da América Latina e de ser a quinta maior cinemateca em restauro do mundo. A Associação Roquette Pinto, que mantém a cinemateca desde 2018, afirmou recentemente que o Executivo não repassou qualquer verba a ela este ano e acusa o governo Bolsonaro de uma dívida de 14 milhões de reais.
O próprio ator Carlos Vereza, (que já foi um apoiador de Bolsonaro!) denunciou recentemente que “há seis meses Weintraub cortou as verbas da TV Escola que as repassavam à Cinemateca […], os funcionários estão sem receber, as brigadas de incêndio, por falta de pagamento, não estão mais na Cinemateca”. O último desastre no local, em fevereiro deste ano, ainda não deixou nossa memória – talvez apenas a de alguns – quando uma enchente na instituição danificou 113 mil cópias de DVD.
Por trás do sorriso branco, olhos azuis e semblante de galã de novela – não vamos nos estender nesta questão – ainda opera o semblante patético (mas sério) de Roberto Alvim.